O dirigente da Associação Cigana Letras Nómadas Bruno Gonçalves denunciou à Lusa que “sai barato ser racista em Portugal”, perdendo a conta das queixas que já apresentou por racismo e ciganofobia e ninguém sofreu represálias por isso.

Bruno Gonçalves admite sofrer de preconceito todos os dias por ser de etnia cigana e, apesar de ser licenciado, isso não chega para travar os comentários que ouve sobre as suas origens.

“Apesar de ter estudado e de me ter instruído, o que mais se destaca em mim é o facto de eu ser cigano e não aquilo que sou capaz de fazer”, lamenta, em entrevista à agência Lusa.

Apesar dos seus 46 anos, admite que ainda não é fácil, “e nunca será”, ter de lidar com os discursos de ódio dos quais é vítima tanto no mundo real, como no ‘online’, mas reconhece que “os micro fascismos, conscientes ou inconscientes de algumas pessoas, dificultam o caminho para a comunidade cigana alcançar a dignidade como cidadã”.

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O dirigente associativo tenta sempre reagir aos comentários de forma civilizada para mostrar que aquilo que é dito não é verdade.

Em entrevista à Lusa vai recordando os imensos episódios que lhe acontecem no dia-a-dia. Por exemplo, numa ida ao supermercado, imensas vezes sente um polícia ou o segurança a segui-lo nos corredores.

“Tenho traços físicos ciganos, graças a Deus! Traços físicos que já estão estereotipados pela sociedade, como ser moreno e ter cabelo negro”, descreve-se com orgulho.

Reconhece que o preconceito contra a comunidade cigana pelo qual sofre “já está cristalizado e entranhado na sociedade”.

Bruno Gonçalves acredita que desde que as redes sociais passaram a ser utilizadas de forma massiva “as pessoas que tinham vergonha social no passado em admitirem o seu preconceito, neste momento já não têm vergonha nenhuma, existindo um racismo completamente descarado”.

O dirigente associativo mostra-se preocupado com o impacto que as redes sociais têm na vida das pessoas que sofrem de preconceito.

De acordo com um relatório divulgado em dezembro pelo portal de estatísticas Statista, no ano passado mais de 4,26 mil milhões de pessoas utilizaram redes sociais em todo o mundo, um número projetado para aumentar para quase seis mil milhões em 2027, o que significa que se estas projeções se mantiverem, os discursos de ódio vão permanecer em grande escala.

Bruno Gonçalves, analisando a evolução do preconceito em Portugal, destaca que “se antes as redes sociais não revelavam o que são os portugueses, neste momento revelam”.

Os portugueses “que agora saíram da ‘toca’, antigamente não usavam perfis para escrever comentários racistas, já hoje não têm vergonha de provocar as pessoas racializadas”, acusa o responsável.

Instado a identificar um comentário ‘online’ marcante, em termos de discurso de ódio, o responsável diz ser difícil nomear apenas um, mas aponta um específico que o fez perder sono por algum tempo: “O comentário surgiu após um tornado ter passado em Faro, que desalojou dezenas de famílias ciganas e uma bombeira escreveu que para a comunidade cigana só uma vala comum, tal e qual o que foi feito na época do Holocausto”, relata.

“Custou-me imenso. Foi até difícil de dormir só de pensar que a humanidade está num retrocesso civilizacional e, portanto, quando as pessoas se relembram de atos fatídicos como o Holocausto e querem utilizar as mesmas estratégias, é sinal que estamos num país muito mau”, lamenta, em entrevista à Lusa.

O dirigente associativo apela à criminalização do racismo em Portugal, uma vez que as “pessoas continuam a ter um campo e um espaço livre para prevaricar”.

Portugal “tem de admitir uma vez por todas que é estruturalmente e socialmente racista e a ciganofobia entra aí nesse campo”, acusa, reconhecendo que não é fácil superar os discursos de ódio de que é alvo.

Mas, “se os políticos não tiverem coragem de admitir que o país é racista e que tem uma herança colonial que o torna racista, e se não existir ninguém que se junte para tentar acabar com este flagelo que é o racismo, vai continuar tudo na mesma”, considera.

Bruno Gonçalves tem uma “lista” de ideias para combater os discursos de ódio, que começa por sensibilizar os políticos e os órgãos de soberania sobre o racismo. Essencial, diz, é que se assuma que este é um problema que existe.

Depois, diz, a aposta num sistema de ensino que eduque crianças e jovens a lidar com a diferença.

Defende ainda algum controlo sobre as redes sociais, para que se consiga “filtrar e punir todos aqueles que se sentem à vontade para destilar o ódio”, refere à Lusa.

Para Bruno Gonçalves, “o maior flagelo que existe neste momento é o racismo, portanto, há de facto que trabalhar mentalidades, algo que demora tempo”.

Só assim se conseguirá “um mundo melhor para todos, onde exista dignidade humana e possamos viver de uma forma saudável”, conclui, em entrevista à Lusa.