O encenador e dramaturgo Ricardo Correia apresenta este mês a peça “Cartas da Guerra (61-74)”, em Estarreja, Tondela e Coimbra, num espetáculo que aborda a Guerra Colonial a partir das cartas do ex-combatentes e dos silêncios mantidos.

O pai de Ricardo Correia trocou aerogramas diariamente com a sua mulher durante o tempo em que esteve mobilizado na Guiné-Bissau, entre 1972 e 74, tendo decidido queimar tudo após o regresso da guerra, contou à agência Lusa o encenador.

Em “Cartas da Guerra (61-74)”, Ricardo Correia parte desse lugar autobiográfico, a escrever “em cima das cinzas” da correspondência trocada entre os seus pais, e dá também voz a outros testemunhos, apoiado na investigação da documentarista Joana Pontes e do seu livro “Sinais de Vida”, em torno da correspondência durante a Guerra Colonial.

No espetáculo, além dos testemunhos de ex-combatentes e da correspondência trocada com familiares, há também referências à “Odisseia” de Homero e um recurso ao ChatGPT, ferramenta de inteligência artificial que funciona como um ‘chatbot’.

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A peça estreia no dia 25 no Cineteatro de Estarreja, estará a 27 no ACERT, em Tondela, e de 30 a 31 no Teatro Académico de Gil Vicente (TAGV), Coimbra, todas elas entidades que estão associadas à coprodução do espetáculo.

“O meu pai tinha uma pequena mala onde guardava algum arquivo, como cartas e imagens do tempo em que esteve mobilizado, e havia ali um mistério para mim. Na nossa casa, falou-se muito pouco sobre a guerra, que foi tão marcante para a geração deles, mas não era partilhada, era até silenciada, por opção, em alguns casos”, notou.

Sem acesso aos aerogramas trocados diariamente entre os seus pais, Ricardo Correia escreveu a partir “das cinzas”, “daquilo que não existe, do que ficou por dizer e do que ficou apagado”.

Todo o espetáculo, apesar de recorrer a documentos, factos e testemunhos reais, acaba por ser um exercício de imaginação e ficcionalização, que procura ocupar os silêncios que foram sendo deixados.

“Há um silêncio e eu tento ocupar esse silêncio. A peça é quase como um detetive à procura das palavras que foram trocadas, das sensações que viveram. Imaginamos algumas cartas, outras são factuais”, sublinhou Ricardo Correia.

No meio do processo de escrita, perante a mediatização do ChatGPT, o criador acabou por recorrer àquela ferramenta de inteligência artificial, utilizando para o espetáculo uma conversa registada com o ‘chatbot’, que acabou por contaminar com ficção, transformando o ChatGPT numa “figura humanoide”.

Em todos os lugares onde o espetáculo será apresentado, serão convidados ex-combatentes para lerem cartas ou darem o seu testemunho em palco, num momento da peça.

Para além das datas em Estarreja, Tondela e Coimbra, a peça será também apresentada em 14 de abril, em Santarém.