O catedrático Eduardo Paz Ferreira despede-se segunda-feira da docência por limite de idade, regra que considera infeliz e que contraria com o lançamento de um livro que é um manifesto contra o “idadismo”, a discriminação em função da idade.

“Vou-me aposentar da Faculdade, porque assim me impõe a lei. Faço 70 anos, que é a idade limite em que se pode dar aulas. Vou continuar a colaborar com a Faculdade, mas não dando aulas. Vou continuar a presidir ao Instituto de Direito Económico, Financeiro e Fiscal (IDEFF), a organizar conferências e esse tipo de atividades”, disse Paz Ferreira, em entrevista à agência Lusa, acrescentando que manterá aberto o escritório de advocacia.

Professor catedrático da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, onde entrou em 1977, Eduardo Paz Ferreira preparou sem resignação a aula de jubilação, que coincidirá com o pré-lançamento do livro “Devo Fechar a Porta?”.

A resposta surge ao longo da obra, através da qual o autor pretende contribuir para um debate alargado na sociedade portuguesa sobre o valor dos cidadãos com mais idade e o contributo que têm para dar quando pretendem continuar ativos.

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O impedimento de dar aulas “atingiu” outros docentes antes, como o constitucionalista Jorge Miranda, recordou, observando que a tendência é para uma perda de confiança nas pessoas com mais idade em várias profissões liberais, dos médicos aos advogados, “com algumas exceções, brilhantes”.

“Estou a pensar no Siza Vieira, no professor Manuel Antunes, enfim outras pessoas que ultrapassaram os 70 anos e que continuam com imenso sucesso profissional”, referiu. A estes nomes poderá juntar-se o do arquiteto Gonçalo Byrne, reconheceu.

Para Eduardo Paz Ferreira, as barreiras colocadas em função da idade são resultado de uma sociedade que está organizada com base numa grande separação em grupos: “Temos fenómenos como o racismo, como o sexismo e temos também este fenómeno da discriminação em relação aos mais idosos, que se considera que já não têm valia e que lhes resta ir tratar dos netos”.

Eduardo Paz Ferreira, uma voz ativa nas redes sociais e na opinião pública, promete continuar a ter intervenção cívica e a dedicar-se à advocacia.

“Todos nós, cidadãos, devemos intervir, estar empenhados na defesa dos interesses de todos e, em particular, dos mais fragilizados, dos mais desfavorecidos, das classes mais pobres, dos imigrantes, de tantas pessoas que vivem em dificuldade. Penso que isso é extremamente importante, particularmente no momento político que vivemos, que é muito confuso, quer em Portugal, quer no mundo, com a escalada da extrema-direita e com os partidos, digamos tradicionais, a não conseguirem encontrar resposta”, defendeu o professor de Direito Público.

“Há um dever de procurar colaborar na busca das melhores soluções”, acrescentou, para eleger a imagem do Papa Francisco, alguém que, aos 86 anos, mantém “uma energia e uma capacidade de intervenção altíssima”.

O catedrático considera que a idade de reforma em Portugal é “razoável”, mas que se deveria permitir continuar no ativo àqueles que assim o desejem e que estejam “em condições”. Esses, sublinhou, “não deveriam ser obrigados a ir para casa tratar dos netos”.

A ideia mais forte do livro, que estará em pré-venda na segunda-feira, por ocasião da jubilação, é que as sociedades têm de ser solidárias. “Não podem estar detidas em grupos sociais”.

“Preocupávamo-nos muito com dois fenómenos, o do racismo e o do sexismo, mas aos poucos foi-se percebendo que havia aqui um novo ‘ismo’, que foi batizado como idadismo – a tradução portuguesa da versão inglesa — e que corresponde a esses mais idosos que vão sendo afastados da vida cívica, da vida profissional e vão-se desinteressando um pouco da vida”, lamentou.

“É preciso que isso não aconteça. Temos de ter uma sociedade coesa, que possa aproveitar aquilo que são as virtudes de uns e as virtudes de outros”, advogou Eduardo Paz Ferreira, que dedicou o livro à mãe da mulher, a quem não gosta de chamar sogra.

“É como se fosse minha mãe. É angolana e fez 100 anos e quando fez 100 anos vieram centenas pessoas de Angola e de várias partes do mundo para lhe prestar homenagem. Isto provavelmente não seria fácil de acontecer com um português. É muito bonito e é pena se perderem essa tradição”, assumiu.

A mudança de paradigma passa pela mudança de mentalidades, o que, reconheceu, não é fácil.

“Esse é o grande drama da nossa sociedade. Como é que se muda a mentalidade das pessoas, como é que se faz para que alguém que tem um sentimento fascista o deixe de ter? E a pergunta é a mesma. Como é que se faz com que alguém que despreze os velhos deixe de os desprezar”, questionou.

E respondeu em seguida: “Isto tem a ver com a educação cívica, que é muito fraca e é muito má. Nas escolas praticamente não é dada e nas universidades (aqui também assumo a minha parte de culpa) também não há um suficiente esforço para criar essa ideia de combate às desigualdades nas várias áreas”.

“Penso que todos nós sofremos, seja com formas de perseguição ou interesse, e realmente só percebemos quando nos tocam mesmo de perto”, confessou Eduardo Paz Ferreira, que já assistiu à aposentação de muitos pares.

O lançamento oficial do livro está agendado para de 24 de maio, em Lisboa, e 15 de junho, no Porto, avançou o autor.