A ministra do Trabalho, Ana Mendes Godinho, assegura que a Autoridade para as Condições do Trabalho (ACT) tudo fará para que as novas regras aplicadas às plataformas digitais, como a Uber, a Bolt ou a Glovo, e que no limite podem levar ao reconhecimento de vínculos de trabalho dependente, sejam cumpridas.
Questionada no Parlamento pelo PCP sobre as notícias de que as plataformas digitais estarão a contornar a nova lei que se lhes aplica, Ana Mendes Godinho prometeu uma “intervenção focada e direcionada” da ACT para o cumprimento da legislação.
“A lei é para cumprir e tudo faremos para que a lei seja cumprida dentro da nossa missão. A ACT tem essa missão muito forte de garantir que a lei, nomeadamente quanto à regulamentação da proteção dos trabalhadores das plataformas (…) vai ser eficazmente verificada como a própria lei prevê“, disse, garantindo uma “intervenção focada e direcionada” na proteção dos trabalhadores das plataformas. “Não podemos ter trabalhadores de tipo A e de tipo B. A ACT assim o fará.”
Perante a insistência do Bloco de Esquerda, que quis saber como é a que a ACT e a tutela vão agir — e frisando que “não era suposto” que os trabalhadores tivessem, por si, de ir a tribunal (como o Público noticiou que está a acontecer) —, a ministra respondeu que os meios serão “intransigentes” no “cumprimento da lei” no terreno. “Intransigentes e implacáveis. (…) Tem de ser o princípio [a intransigência] dos inspetores do trabalho para garantir a eficácia da gestão dos recursos, que foram reforçados para que isso seja garantido”, afirmou.
Mendes Godinho assegurou que os meios da ACT têm sido reforçados nos últimos anos, de forma a cumprir os rácios da Organização Internacional do Trabalho (OIT), e que, “pela primeira vez”, a ACT tem “mais de 500 inspetores”.
Nos últimos meses têm surgido notícias que dão conta de uma possível tentativa das plataformas de contornar as novas regras, que obrigam ao reconhecimento de um vínculo de trabalho dependente quando se verificam alguns de seis indícios de laboralidade — que incluem, por exemplo, a fixação da remuneração, a supervisão por meios eletrónicos, a escolha do horário de trabalho ou dos períodos de ausência e da possibilidade de aceitar ou recusar tarefas, ou o exercício de poderes laborais, incluindo a exclusão de futuras atividades na plataforma através de desativação da conta, entre outros. Quando esse vínculo é reconhecido, o trabalhador tem acesso a um conjunto de direitos de proteção social que não teria se fosse considerado independente.
A lei admite que o contrato seja celebrado, em alternativa, com as pequenas e médias empresas intermediárias quando a plataforma contesta. E prevê que a ACT “desenvolve, no primeiro ano de vigência da presente lei, uma campanha extraordinária e específica de fiscalização deste setor, sobre a qual é elaborado um relatório a ser entregue à Assembleia da República”.
A Bolt foi a primeira plataforma a sinalizar que iria “adaptar a operação” para que não seja, à luz da nova lei, considerada empregador. “Eu acho que todos os intervenientes vão adaptar as suas operações para manter a flexibilidade. E para que, dentro do possível, a lei não tenha um efeito negativo”, afirmou Nuno Inácio, responsável pela Bolt em Portugal, em entrevista ao Negócios. Como vai fazer essa adaptação? “Adaptar o serviço, se calhar para que seja o trabalhador a escolher quando aceita ou não aceita uma viagem, ou quando aceita ou não um pedido” ou dar “a possibilidade ao motorista ou estafeta de ser ele a escolher dentro de um intervalo que preço é que quer fazer”. “Há várias possibilidades”, afirmou, acrescentando que a plataforma não tem “previsto” o reconhecimento de vínculos dependentes.
Já a Uber, um mês antes da publicação da nova lei, divulgou um comunicado com indicações sobre alterações no seu funcionamento de forma a “aumentar a flexibilidade e autonomia dos parceiros de entrega”. Assim, por exemplo, passou a dar ao estafeta a possibilidade de escolher a tarifa mínima por quilómetro “e apenas receber pedidos que sejam iguais ou superiores à tarifa definida”, assim como de rejeitar pedidos “sem quaisquer consequências para a sua conta ou no número de pedidos que vai receber”.