O agravamento da situação financeira das famílias e o aumento dos custos da construção estão a travar as obras de conservação dos edifícios, segundo as gestoras de condomínios, que reclamam acesso ao crédito bancário e taxa reduzida de IVA.

“Cada vez mais as pessoas estão depauperadas, por várias razões, a começar nos impostos e a acabar no aumento do custo de vida, e os condomínios são sempre o parente pobre nas prioridades de cada economia familiar. A administração do condomínio é sempre a primeira a ser preterida e, portanto, obras no condomínio só mesmo em caso de necessidade”, afirmou o presidente da Associação Nacional dos Profissionais de Administração de Condomínios (ANPAC) em declarações à agência Lusa.

Segundo Alexandre Teixeira Mendes, em Portugal sempre houve a ideia de que “só se fazem obras quando as coisas estão mal e não para manter aquilo que está bem”, mas o facto é que, “cada vez mais, as obras são consideradas como algo de natureza secundária, quase estética, a menos que haja mesmo infiltrações ou fachadas a cair”.

“Neste momento, somos muitas vezes notificados pelas câmaras para fazer obras, porque os prédios estão em avançado estado de degradação. Portanto, muitas vezes, os condóminos só fazem a obra porque são obrigados pelas entidades camarárias e não por sua iniciativa”, salientou.

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De acordo com o responsável da ANPAC, esta situação reflete quer o agravamento dos custos de construção registado desde a pandemia, devido à escalada dos preços dos materiais e da mão-de-obra e à falta de profissionais e empresas qualificadas, quer o aumento das taxas de juro e do custo de vida, que limitou significativamente o orçamento disponível das famílias.

“Há muita gente a querer vender [a casa] e, portanto, não tem interesse em fazer obras. E, mesmo que não queiram vender, não as conseguem suportar. Esta é a realidade nas assembleias, com os condóminos a dizerem que as obras são necessárias, mas que não as podem pagar”, resume.

Como resultado, Alexandre Teixeira Mendes diz ser cada vez mais difícil e cara a contratação pelos condomínios de seguros multirriscos habitação, dado o aumento da perceção de risco por parte das seguradoras: “A primeira coisa que a companhia nos pergunta é quando foram feitas as últimas obras de reabilitação. Isto ou para recusar a contratação do seguro ou — o que é o pior e mais frequente — para agravar imenso o prémio”.

Contactada pela agência Lusa, a Associação Portuguesa de Seguradores (APS) salientou que, “no momento da celebração do seguro, as seguradoras terão necessariamente de conhecer o tipo de construção e o estado em que se encontra a fração ou o imóvel a segurar, para poderem avaliar as condições do seguro”.

Segundo ressalvou, “o seguro não cobre a degradação natural do edifício, cabendo ao proprietário manter o seu edifício em bom estado de conservação, efetuando as operações de manutenção regulares ou ocasionais que se revelem necessárias”.

Neste contexto, a ANPAC alerta para uma notória degradação do parque habitacional do país, “com tendência para se agravar”, e reclama a urgência de medidas que facilitem o financiamento das obras e diminuam o seu custo.

“Uma questão que já devia estar resolvida há muito tempo, e estamos fartos de lutar por isso, é o facto de os condomínios, neste momento, não poderem pedir um empréstimo bancário, porque não têm personalidade jurídica para o fazer”, sustenta.

Como resultado, só com garantias pessoais de alguns dos condóminos é que é possível pedir um crédito bancário para obras de conservação, o que se torna inviável na maior parte das situações, pois ninguém quer assumir o risco de incumprimento dos vizinhos.

“Tínhamos de arranjar uma forma de os bancos serem facilitadores desta necessidade de fazer obras, que é premente, se calhar dotando o condomínio — que tem património (contas bancárias, imóveis, partes comuns e elevadores) penhorável se não pagar as suas obrigações — de personalidade jurídica para poder pedir um empréstimo, como entidade equiparada que é”, defende o presidente da associação.

Adicionalmente, Alexandre Teixeira Mendes reclama a redução para a taxa mínima do IVA nas obras de reabilitação de edifícios: “Isto é algo muito fácil de se fazer, na medida em que já há partes de uma obra que podem ser cobradas a 6%. Se se decidisse que todas as obras de reabilitação de edifícios em propriedade horizontal teriam o IVA a 6%, isto seria uma redução gigantesca do custo da obra”, enfatiza.

De acordo com o estudo “Condomínios e obras: A experiência das empresas de gestão de condomínios”, realizado pela UCI – União de Créditos Imobiliários com base num inquérito feito entre 14 de abril e 12 de maio junto de 200 empresas de gestão de condomínio, apenas 13% dos condomínios geridos foi intervencionado nos últimos 18 meses.

Com 98% das empresas inquiridas a afirmarem que há condomínios que precisam de obras e não as fazem por falta de capacidade financeira para isso, 75% concorda que se a legislação fosse alterada para permitir aos condomínios contratar empréstimos isso facilitaria a realização de obras.

Indisponibilidade de empreiteiros dificulta obras de conservação dos edifícios

A indisponibilidade de empreiteiros para obras no curto ou médio prazo, associada à escalada dos custos de construção e às dificuldades financeiras das famílias estão a potenciar um sucessivo adiamento de intervenções de conservação nos condomínios.

Em declarações à agência Lusa, o presidente da direção da Associação Portuguesa de Empresas de Gestão e Administração de Condomínios (APEGAC) aponta a “falta de sensibilização dos condóminos para a manutenção dos edifícios, especialmente no que respeita à manutenção preventiva, o que prolongaria o seu tempo de vida sem obras de conservação”.

Segundo Vitor Amaral, a esta questão de natureza quase cultural soma-se, atualmente, “a crescente dificuldade financeira da maioria das famílias que residem em edifícios sob o regime da propriedade horizontal”, o que “potencia o sucessivo adiamento das obras”.

Isto num contexto em que os custos de construção se têm agravado, dada a “exponencial subida dos preços dos materiais e da mão-de-obra”, e em que se assiste ainda a uma “enorme dificuldade em encontrar empreiteiros disponíveis para obras em curto ou médio prazo”.

É que, explica, se o período de execução propriamente dita das obras de conservação dos condomínios “normalmente é curto, não excedendo, em média, os 30 dias”, o facto é que atualmente a data apontada para o seu início “raramente é inferior a seis meses a um ano, havendo já algumas empresas que só dão orçamentos se a obra for para executar a partir de finais de 2024 e 2025”.

Adicionalmente, e embora haja empresas que oferecem garantias de boa execução da obra até acima do prazo legalmente fixado, de cinco anos, o facto é que, em vários casos, “não cumprem esse prazo”, desde logo devido à “facilidade de se encerrar a atividade, mesmo com a assunção deste tipo de encargos”.

De acordo com a APEGAC, embora a lei imponha que os condomínios tenham um fundo comum de reserva que deve corresponder anualmente, no mínimo, a 10% do valor que os condóminos pagam para as despesas correntes do edifício, a verdade é que “não há qualquer sanção pelo incumprimento dessa norma, o que leva muitos condomínios a não concretizar esse fundo ou a não o repor quando é utilizado para suportar o custo de despesas correntes”.

Como resultado, “raramente os condomínios têm na conta desse fundo verba suficiente para custear as despesas com obras de conservação”.

Perante este cenário, e para que as obras se possam realizar, os condóminos têm de aprovar orçamentos extraordinários, do qual resultam encargos difíceis de suportar para muitas famílias.

Neste contexto, a associação reclama há já vários anos, junto da tutela, a abertura de uma linha de financiamento para os condomínios que pretendam realizar obras de manutenção ou conservação.

Segundo explica o presidente, “atualmente isso é quase impossível, embora legalmente possível, não apenas por causa da burocracia, mas, sobretudo, pelo facto de a banca impor que todos os condóminos, mesmo aqueles que não necessitam de recorrer ao financiamento, deem o seu aval, quando o devedor e beneficiário é o condomínio”.

Paralelamente, a associação tem vindo a reclamar a isenção de IVA nas obras de conservação para edifícios que tenham constituído o fundo comum de reserva, considerando que esta seria “uma forma de ‘premiar’ e incentivar a sua concretização, mas também de promover a melhoria do parque habitacional, especialmente dos edifícios com mais de 20 anos”.

Relativamente aos programas de financiamento de obras para melhoria da eficiência energética dos edifícios, Vitor Amaral congratula-se com o aviso em curso do Fundo Ambiental, para apoio às obras em fachadas e coberturas, mas lamenta que este tenha alocada “uma verba manifestamente insuficiente para as necessidades do país”.

“Este apoio não só tem uma verba manifestamente escassa (12 milhões de euros para várias centenas de milhar de edifícios), como é incompreensível que tenham sido excluídas as janelas, que são o maior polo de perda de energia. Sabe-se que houve um aviso do Fundo Ambiental dirigido às janelas, mas ele foi pouco divulgado e, por isso, pouco participado”, sustenta.

De acordo com um estudo da UCI – União de Créditos Imobiliários sobre “Condomínios e obras: A experiência das empresas de gestão de condomínios”, baseado num inquérito feito entre 14 de abril e 12 de maio junto de 200 empresas de gestão de condomínio, apenas 13% dos condomínios geridos foi intervencionado nos últimos 18 meses.

Com 98% das empresas inquiridas a afirmarem que há condomínios que precisam de obras e não as fazem por falta de capacidade financeira para isso, 75% concorda que se a legislação fosse alterada para permitir aos condomínios contratar empréstimos isso facilitaria a realização de obras.

De acordo com a experiência de mais de metade das empresas inquiridas, o fundo de reserva não cobriu o valor da obra na maioria dos condomínios, sendo o pagamento adicional pelos condóminos a estratégia utilizada na maioria dos casos, sem que nunca tenha havido recurso a financiamento bancário.