Leia aqui tudo sobre o Campeonato do Mundo feminino de 2023

Um Mundial histórico, um Mundial exótico, um Mundial mais global do que nunca. São muitos os adjetivos que caracterizam o Campeonato do Mundo de 2023 mas as palavras “mais” e “maior” estão sempre presentes em qualquer análise. É assim nos rendimentos das jogadoras, nas condições, no número de equipas na fase final, nos bilhetes vendidos. E é aqui também que entronca a maior diferença entre as duas organizadoras: na Austrália, mais entradas existissem, mais público marcaria presença; na Nova Zelândia, apenas um quarto da lotação dos encontros está vendida. A parte cultural pode ajudar a entender a distância, a vertente desportiva ainda mais. Era por isso que as kiwis tinham esta quinta-feira o jogo mais relevante da história.

Um conto histórico com 1.001 histórias por contar: eis o Mundial de uma por todas e todas contra uma

Palco mais abençoado era impossível. O Eden Park, um dos pontos incontornáveis de qualquer visita à cidade de Auckland, é também um ex-libris em termos desportivos para a Nova Zelândia mas nas duas modalidades mais seguidas no país: râguebi e críquete. Mais: é mesmo um talismã. Foi ali que a Nova Zelândia conseguiu dois dos seus três títulos em Mundiais masculinos de râguebi, é ali que o conjunto dos All Blacks leva uma série de 48 vitórias consecutivas desde 1994, foi ali que a formação feminina de râguebi se sagrou também campeã mundial pela quinta ocasião em 2022. Era ali que a equipa de de futebol feminino iria procurar um primeiro triunfo em fases finais do Campeonato do Mundo – algo que nunca acontecera até hoje.

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Esse poderia ser o mal de todos os remédios: uma vitória que pudesse catapultar os adeptos locais para um outro tipo de acompanhamento à seleção e à própria competição, mesmo que as indicações nos últimos jogos de preparação não tenham sido os melhores com apenas um triunfo e dois empates nos últimos 12 encontros realizados. Jitka Klimkova cumpriu quando disse que a qualidade de jogo iria melhorar, deixando cair essa ideia de kick and rush mais puro mas os resultados não apareciam. A Noruega, essa, também não era aquele adversário ideal para ganhar um trampolim para o mundo, entre o regresso da primeira Bola de Ouro Ada Hegerberg e a vontade de vingar a saída de cena precoce no último Europeu. No entanto, o dia não começou bem com as notícias de um tiroteio numa zona de construção perto do hotel das norueguesas.

As escandinavas assumiriam mais tarde que apenas se aperceberam do que se passava quando os carros da polícia chegaram ao local com as sirenes ligadas, mas o dia ficou ligado com esse caso que acabou por vitimar três pessoas e fazer mais seis feridos, levando a um minuto de silêncio antes do encontro de estreia que teve aquilo que os responsáveis locais pretendiam: 50.000 de lotação, muito entusiasmo à volta da equipa e, como dizia a técnica Jitka Klimkova, “a oportunidade de mostrar que o país não é apenas râguebi”. Antes, toda a cerimónia de abertura teve referências locais à Nova Zelândia criando um ambiente festivo a fazer esquecer a tragédia que acontecera antes e que não teve qualquer ligação com o início do Mundial.

Todo esse espírito acabou por inspirar a Nova Zelândia, que teve uma entrada forte em campo entre o tal jogo em posse a partir de trás que tinha sido prometido e alguns lançamentos longos que foram os momentos de maior perigo perto da área da Noruega. Numa primeira parte sem oportunidades e com poucas chegadas ao último terço, as kiwis não foram em nada inferior às escandinavas, que deixavam Ada Hegerberg isolada pela incapacidade de ligar jogo com a principal referência da equipa. O único lance que podia ter levado um outro perigo teve Hansen como protagonista, a partir desde o meio-campo sobre a direta para ganhar metros, cruzar atrasado e ver a tentativa de Hederberg ficar bloqueada numa defesa (38′), num gesto “imitado” por Hannah Wilkinson após ganhar a profundidade numa diagonal (45′). O nulo mantinha-se ao intervalo.

Não seria por muito tempo. Numa jogada a partir de trás com passes verticais que foram queimando linhas e colocaram Jacqui Hand a receber com espaço na direita, Hannah Wilkinson surgiu isolada na área e só teve de empurrar para o 1-0 de primeira (48′). Se a Noruega parecia apostada em fazer algo diferente no segundo tempo, a Nova Zelândia aproveitou da melhor forma a vantagem e ficou perto do segundo, com Indiah-Paige Riley a obrigar Aurora Mikalsen à melhor defesa do jogo (62′) antes de Ria Percival testar também a meia distância que saiu muito perto do poste. Só mesmo na parte final houve um pouco mais das escandinavas, com Tuva Hansen a acertar na trave com um remate de fora da área (80′), antes de um final emotivo em que a Nova Zelândia falhou uma grande penalidade com Percival a acertar na trave (89′).

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A pérola

  • Hannah Wilkinson teve o seu momento de glória aos 31 anos, ao marcar o primeiro golo do Mundial de 2023 e tornar-se com isso a melhor marcadora da Nova Zelândia em fases finais da prova após os golos marcados em 2011 e 2015. No entanto, isso é curto para definir uma “faz tudo” que já passou pela Liga portuguesa, em concreto pelo Sporting (2019/20): além de tocar guitarra e bateria, muitas vezes nos estágios da equipa, a avançada consegue fugir da pressão da elite do futebol enquanto artista de murais de rua, sendo que uma das últimas obras feitas está num mural no Eden Park.

O joker

  • CJ Boot, uma defesa neozelandesa agora colocada na direita que é capaz de fazer a diferença pelo físico, foi sempre uma incansável guerreira a fazer piscinas para cima e para baixo mas a Nova Zelândia deu o salto no encontro quando as duas principais referências, Jacqui Hand e Indiah-Paige Riley, no apoio a Hannah Wilkinson começaram a aparecer mais. Ainda assim, e no plano global, Ria Percival, média que nasceu e joga em Inglaterra (Tottenham), foi o grande esteio das kiwis ao longo dos 90 minutos não só em missões defensivas mas também quando conseguiu chegar ao último terço da equipa.

A sentença

  • Com este resultado, e tendo em conta que na próxima ronda joga com as Filipinas, a Nova Zelândia tem caminho aberto para se colocar muito perto de uma histórica passagem aos oitavos do Mundial. Já em relação à Noruega, que em termos de grandes competições deu continuidade ao falhanço que foi o Europeu de 2022, o encontro com a Suíça não tem margem de erro e até um empate pode ser um passo em falso para uma formação que na teoria partia como a favorita a passar em primeiro do grupo.

A mentira

  • O último Campeonato da Europa foi uma espécie de terapia de choque para a Noruega depois da goleada a abrir com a Irlanda do Norte. Primeiro, foi “atropelada” pela Inglaterra (8-0); depois, perdeu também com a mais modesta Áustria (1-0). A eliminação na fase de grupos levou à saída de Martin Sjögren e à chegada da jogadora mais internacional de sempre, Hege Riise, mas nem por isso o regresso a grandes provas foi famoso e nem Ada Hegerberg conseguiu evitar uma derrota logo na estreia.