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Parecia quase escrito nas estrelas. Era como uma conjugação cósmica. O primeiro Mundial co-organizado pela Austrália a par da Nova Zelândia coincidia com o momento em que as Matildas tinham conseguido um primeiro passo para espantarem os males passados de nunca passarem dos quartos nas grandes competições internacionais, ao terminarem os Jogos Olímpicos de Tóquio na quarta posição, e também com o momento mais alto da carreira de Sam Kerr, avançada de 29 anos do Chelsea. O grupo B não era dos mais simpáticos mas nem por isso os adeptos australianos deixaram de seguir a equipa e a própria prova com um entusiasmo como há muito não se via, esgotando quase todos os bilhetes para números de recorde. O que podia correr mal? Nada. O que correu mal antes da estreia? Quase tudo. E esse passava a ser o principal obstáculo.

O conjunto do carismático Tony Gustavsson deu sinais de atraso, como se viu no particular com a Espanha há um ano (0-5), mas também deixou ares de redenção mais recentemente com a Inglaterra (2-0). Algumas figuras como Sarina Wiegman colocaram mesmo a Austrália como uma das potenciais candidatas a ganhar o Mundial mas o último treino antes da estreia na competição acabou por terminar com um rude golpe para as aspirações locais, com Sam Kerr a contrair uma lesão que a retirava pelo menos dos dois primeiros encontros a começar pela Rep. Irlanda. Antes a Austrália queria ganhar com Kerr, agora tentava mostrar que conseguia ganhar sem Kerr e tinha uma estreia perante mais de 75.000 espectadores para ganhar por Kerr.

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Pela frente estaria uma Rep. Irlanda em estreia em grandes competições com táticas marcadas (e muito) pelo conservadorismo que tinham em Sinead Farrelly o maior exemplo de como a perseverança tem o condão de trazer boas surpresas. Após sofrer um acidente de viação que provocou lesões no pescoço e nas costas, a média deixou o futebol, manteve-se nos EUA, trabalhou como babysitter, denunciou mais tarde situações de abuso de um treinador e decidiu regressar este ano ao futebol, passando nos testes do NJ/NY Gotham FC e merecendo a primeira internacionalização de sempre que lhe valeu mais tarde uma ida ao Mundial. “A nossa equipa estava à espera de uma jogadora como a Sinead”, destacou a treinadora Vera Pauw.

Era neste contexto que chegava o segundo encontro do Mundial, depois da estreia com surpresa à mistura da Nova Zelândia a ganhar à Noruega no grupo A com golo de Hannah Wilkinson. E foi neste contexto que aqui a vantagem teórica acabou por imperar, numa partida em que as irlandesas mostraram que estão bem mais competitivas mas a Austrália acabou por resgatar três pontos fundamentais no início da campanha.

A artista de rua voltou a dar música para a festa: Nova Zelândia surpreende Noruega no início do Mundial com golo de Hannah Wilkinson

Um pouco à semelhança do que tinha acontecido no encontro inaugural do Mundial, a primeira parte teve pouco risco e muita vontade em controlar o controlável dentro de uma tendência sempre com a Austrália por cima do jogo mas conseguir criar oportunidades, com destaque para a forma como as irlandesas mantiveram a organização defensiva tendo Katie McCabe como referência para tentar os momentos do encontro. Caitlin Foord, num remate sem ângulo, ainda acertou nas malhas laterais (35′) mas era a malha das forasteiras que ia dando cartas, aqui e ali com uns pontinhos a mais de agressividade quando alguma barreira era derrubada depois de nada semana passada ter visto um jogo particular com a Colômbia interrompido por essa razão. Assim, e com um único remate enquadrado sem perigo, o nulo era quase inevitável ao intervalo.

Era necessário mais por parte da equipa da casa para superar a bem organizada linha defensiva contrária ou jogar também com a possibilidade de erro de uma formação que fazia a estreia em Mundiais. Acabou por imperar a segunda: na sequência de um cruzamento largo para a área, Marissa Sheva fez uma falta sem necessidade na área sobre Hayley Raso e Steph Catley não perdoou inaugurando o marcador de penálti (52′). A capitã não tremeu na hora da verdade e a Austrália passava a jogar com outro conforto, gerindo depois a vantagem entre as ténues tentativas de empate das irlandesas enquanto Sheva chorava no banco de suplentes depois de um lance mal calculado que não apaga o jogo competitivo que a equipa conseguiu fazer e que podia ter ainda uma coroação com duas grandes oportunidades de Connolly e McCabe nos descontos.

A pérola

  • Não houve propriamente uma jogadora a destacar-se muito das demais mas a dupla australiana do Arsenal acabou por ser a chave para resolver o encontro. Caitlin Foord, avançada que ganhou outro peso perante a ausência de Sam Kerr, foi sempre o principal problema para o conjunto irlandês mesmo sem ter grandes oportunidades para marcar; já Steph Catley, além de converter a grande penalidade do 1-0, foi sempre o garante de equilíbrio das Matildas quando a equipa arriscava mais no ataque.

O joker

  • Ainda antes do Mundial, todas as atenções da Austrália a nível de nova vaga centravam-se em Courtney Vine, jogadora do Western Sydney Wanderers que foi o grande destaque da temporada nos clubes. No entanto, e olhando para aquilo que foi o jogo, a jovem Mary Fowler acabou por ser a principal figura ao longo de um encontro que até em termos familiares lhe dizia muito, tendo em conta que o seu pai é irlandês (a mãe é da Papua Nova Guiné). Mesmo sem marcar nem ter ação direta nos lances de perigo da Austrália, as movimentações da avançada do Manchester City de 20 anos a recuar para vir buscar jogo foram os poucos momentos em que organização defensiva da Rep. Irlanda se desposicionou.

A sentença

  • Com este triunfo, a Austrália, que não ganhava desde 2007 o primeiro jogo na fase final do Mundial, não só supera aquele encontro de estreia que traz sempre complicações extra por tudo o que envolve como fica com três pontos que serão importantes não só para garantir a qualificação para os oitavos mas também para discutir com o Canadá o primeiro lugar no grupo. À Rep. Irlanda, à parte dessa partida com a Nigéria que será onde a equipa coloca as fichas para sair da Austrália com uma vitória, não poderá perder com o Canadá na próxima jornada caso tenha ainda ambições de passar os grupos.

A mentira

  • Uma equipa não é feita apenas de uma jogadora, nem neste Mundial, nem nas demais competições. No entanto, a Austrália não conseguiu disfarçar aquilo que foi a ausência de vulto da estrela Sam Kerr. As referências ofensivas tentaram, o meio-campo foi subindo até zonas de finalização sempre que possível mas a jogadora tetracampeã pelo Chelsea, que já chegou a patamares há alguns anos difíceis de imaginar como fazer parte ao lado de Mbappé do conhecido jogo FIFA, é daquelas que faz a diferença.