Era uma notícia que, se não tivesse a explicação à frente, poderia ser de 2022, do ano anterior ou mesmo de 2019: “Sérgio Conceição ameaça bater com a porta”. Umas horas depois, o estado de espírito já tinha descido para a fasquia do “agastado”, “revoltado” e “insatisfeito” mas nem por isso a saída chegou a ser equacionada em algum momento. Sobrava, sobretudo, uma certeza – pouco mais de uma semana depois de ter elogiado a forma como a SAD do FC Porto estava a operar no mercado de transferências, recordando em específico que muitas vezes segurar os jogadores é tão complicado como fazer uma contratação e pode não ser avaliado da mesma forma, o técnico não passou ao lado da saída de Otávio para o Al Nassr. E era esse “facto” que marcava um encontro frente ao Farense que voltaria a não contar com o treinador principal no banco.

FC Porto vence Farense com golo de Marcano aos 90+10′ e soma segunda vitória na Liga

Até 15 de julho, quando a cláusula de rescisão do internacional português era apenas de 40 milhões de euros, a principal prioridade de Sérgio Conceição foi sempre segurar Otávio. Por um lado, o técnico considerava que a saída do jogador levaria a contratação de pelo menos dois jogadores tendo em conta as características que tem e que permitiram a colocação de Pepê como lateral de forma harmoniosa. Por outro, o treinador sabia que o grupo precisa de referências e extensões suas em campo, algo que o médio e Pepe faziam da melhor forma. Era quase como se, fazendo uma lista dos jogadores que poderiam ser vendidos, Otávio estivesse no última lugar da lista. Quando essa data passou, o técnico dos dragões quase que assumiu ter a sua continuidade garantida. No entanto, um mês depois, nova investida acabou mesmo por levar o jogador.

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Da parte da administração da FC Porto SAD, e mesmo tendo essa convicção de que seria necessário melhorar a quantidade e a qualidade do plantel, existia necessidade de pelo menos uma grande venda para encaixar verbas na ordem dos 50 milhões de euros até ao final do ano civil para cumprir alguns compromissos como um empréstimo obrigacionista. Em paralelo, e após negociações, o Al Nassr aceitou pagar mais de entrada e menos nas tranches faseadas e também o BMG, que tem 32,5% dos direitos económicos do jogador, baixou o valor a receber do negócio. Da parte de Sérgio Conceição, sobrava uma ideia clara – a partir do momento em que não houve um pagamento integral dos 60 milhões de euros da cláusula de rescisão, houve negociação entre as partes e era essa negociação que “chocava” com o que tinha sido garantido ao técnico.

Com três reforços pedidos e obtidos até ao momento, entre os dois médios Alan Varela e Nico González e o avançado Fran Navarro, e com mais nomes a serem negociados nesta fase, a saída de Otávio era um passo atrás naquilo que Sérgio Conceição tinha planificado mesmo que a seguir pudessem ser confirmados os três nomes de João Moutinho, Jorge Sánchez e um ala (como Iván Jaime). Foi isso também que o treinador fez ver à SAD numa fase ainda prematura da época mas com o mercado a menos de duas semanas de fechar, num dia em que Otávio já não foi ao Dragão para apanhar o voo rumo aos exames médicos pelo Al Nassr.

Apesar de ter sido operado aos dois joelhos, Sérgio Conceição iria marcar presença num camarote do Dragão para acompanhar a equipa e o encontro frente ao Farense onde o FC Porto apenas conseguiria ter o número completo de nove suplentes caso colocasse no banco dois guarda-redes (Cláudio Ramos e Samuel Portugal), tendo em conta as lesões de Evanilson, Romário Baró e Gabriel Veron, os castigos de Pepe e Wendell e ainda a ausência entretanto confirmada de Otávio. Sendo certo que os algarvios tiveram uma má entrada na Liga com uma derrota por 3-0 em casa com o Casa Pia, os dragões sabiam que era nestas partidas que o título se tornou uma miragem na última temporada, não querendo por isso facilitar em nada na estreia em casa.

Se as dificuldades eram muitas pela redenção do Farense após esse desaire a abrir, com uma forma de jogar positiva e com várias chegadas à área contrária, houve mesmo um problema que veio para ficar: como ser melhor sem Otávio. E houve um dado estatístico que explicou em grande o porquê de a vitória aparecer no décimo minuto de descontos: o número de ações defensivas no meio-campo contrário, uma das vertentes onde a importância do internacional mais se fazia sentir (apenas duas já nos minutos finais antes dos descontos contra uma média superior a 14 na última época). Marcano foi à área contrária desfazer a muralha que Ricardo Velho tinha conseguido construir na baliza dos algarvios mas a maior ilação para o futuro do FC Porto é que terá de reformatar por completo a sua forma de jogar porque Otávio há um e só um. E aquilo que Gonçalo Borges fez pelas alas desde que entrou pode ser uma pista para essa metamorfose portista.

Ficha de jogo

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FC Porto-Farense, 2-1

2.ª jornada da Primeira Liga

Estádio do Dragão, no Porto

Árbitro: Cláudio Pereira (AF Aveiro)

FC Porto: Diogo Costa; João Mário (Danny Namaso, 86′), Fábio Cardoso, Marcano, Zaidu (Gonçalo Borges, 68′); Eustáquio, Nico González (André Franco, 68′); Pepê, Galeno; Taremi (Fran Navarro, 75′) e Toni Martínez

Suplentes não utilizados: Cláudio Ramos, Samuel Portugal, David Carmo, Grujic e Bernardo Folha

Treinador: Vítor Bruno (em vez do castigado Sérgio Conceição)

Farense: Ricardo Velho; Pastor (Fran Delgado, 73′), Zach Muscat, Gonçalo Silva, Talocha; Fabrício Isidoro (André Seruca, 90+3′), Cláudio Falcão, Mattheus Oliveira; Marco Matias (Rafael Barbosa, 90+3′), Belloumi (Elves Baldé, 73′) e Rui Costa (Bruno Duarte, 64′)

Suplentes não utilizados: Luiz Felipe, Artur Jorge, Talys e Vítor Gonçalves

Treinador: José Mota

Golos: Toni Martínez (13′), Rui Costa (45+1′) e Marcano (90+10′)

Ação disciplinar: cartão amarelo a Pepê (45+5′), Cláudio Falcão (61′), Pastor (73′), Marco Matias (78′) e Marcano (90+2′); cartão vermelho a Paulo Sousa, adjunto do Farense (73′)

Com a confirmação de Otávio no Al Nassr a chegar a partir de imagens no aeroporto a despedir-se da sua família antes da partida para a Arábia Saudita, o FC Porto não demorou a assumir o controlo do jogo e com as três novidades no conjunto titular em destaque: Zaidu pela maneira como conseguia esticar a equipa pela esquerda permitindo que Galeno jogasse também por dentro, Nico González pela forma como ia pedindo a bola para arriscar passes que queimassem linhas e pudessem desposicionar a estrutura defensiva do Farense e Toni Martínez pela capacidade de prender os centrais contrários para que Taremi jogasse mais solto. João Mário fez o primeiro remate ao lado de pé esquerdo após cruzamento de Zaidu (2′) mas os algarvios iam dando conta dos acontecimentos, mesmo entre quatro cantos cedidos em menos de dez minutos.

Ainda assim, e dentro das dificuldades, havia um ponto que fazia toda a diferença: os momentos em que o FC Porto conseguia ganhar a bola em zona alta. Foi dessa forma que os dragões inauguraram o marcador, com os algarvios a tentarem sair pela direita, Nico González a entregar de primeira a Galeno e o extremo a assistir Toni Martínez na área para o remate de pé direito sem hipóteses para Ricardo Velho (13′). O encontro entrou depois numa fase de maior acalmia, com o Farense a ter um pouco mais de bola e variações de jogo ainda que sem aproximações com perigo e o FC Porto a chegar menos ao último terço. Quando chegou, criou perigo. E no mesmo minuto 25 em que o Dragão rendeu uma sentida homenagem a Otávio, Nico González entrou na área, combinou com Taremi, fintou para dentro e rematou ao lado da baliza dos algarvios.

A partida foi caminhando para o intervalo sem mais golos mas com os algarvios a mostrarem uma outra face em termos ofensivos, colocando sempre quatro elementos na área quando a equipa conseguia colocar a bola por fora nos corredores laterais para cruzamento. Ainda assim, apesar desses dois rasgos na monotonia, foi o FC Porto a continuar por cima e a somar oportunidades para aumentar a vantagem, primeiro com Marcano a surgir ao primeiro poste para desviar um canto de Zaidu que foi defendido por Ricardo Velho (37′) e depois com Toni Martínez a receber na área descaído sobre a esquerda para um remate colocado que foi de novo desviado pelo guarda-redes dos algarvios para canto (39′). No entanto, a surpresa estava prestes a cair no Dragão: já depois de uma bicicleta espectacular de Zach Muscat na trave após uma segunda bola na área (43′), Rui Costa sentou Marcano, rematou, a bola desviou em Fábio Cardoso e fez mesmo o empate (45+1′).

À semelhança do que tinha acontecido na ronda inaugural, o FC Porto regressava aos balneários sem estar em vantagem e a ter de procurar alternativas perante um crescimento do Farense no jogo sobretudo com bola, o que valeu o empate já nos descontos. No entanto, os azuis e brancos, que tiveram Fran Navarro e Danny Namaso em exercícios de aquecimento, acabaram por apostar no mesmo onze, optando por corrigir dinâmicas e posicionamentos perante a bem estruturada formação algarvia. Resultados práticos? Poucos ou nenhuns. E tudo porque a incapacidade de prolongar os momentos de total domínio da partida permitiu que o conjunto de Faro fosse ganhando confiança, fosse saindo com mais critério e fosse defendendo de forma mais segura, criando uma teia com e sem posse que se tornava complicado de contornar.

Duas oportunidades quase consecutivas conseguiram acordar o Dragão. Galeno, em boa posição na área, atirou forte para grande defesa de Ricardo Velho (57′) e Toni Martínez, na sequência de um cruzamento tenso de Zaidu da esquerda que atravessou toda a área, atirou de primeira isolado para nova intervenção em cima da linha do guarda-redes dos algarvios (58′). O FC Porto tentava aproveitar o momento para se recolocar na frente e João Mário também arriscou a sua sorte que acabou em azar, fletindo da direita para o meio com um cruzamento/remate de pé esquerdo que bateu na trave da baliza contrária (65′). Chegava a hora de mexer nos azuis e brancos, com Sérgio Conceição a abdicar de Zaidu e Nico González para lançar Gonçalo Borges e André Franco na tentativa de dar mais largura ao jogo e encontrar por aí os espaços em falta.

Também Taremi, em mais um jogo para esquecer, foi rendido por Navarro mas continuavam os problemas para o FC Porto chegar ao golo da vitória frente a um Farense que se defendia como podia mas que perdia a frescura física necessária para continuar a sair mais vezes em transição apesar das substituições que José Mota também ia promovendo na equipa com as entradas de Bruno Duarte, Fran Delgado e Elves Baldé. Era Gonçalo Borges que conseguia agitar o jogo ofensivo dos dragões pela esquerda, numa jogada fantástica onde decidiu mal e atirou às malhas laterais (83′) e depois em mais uma iniciativa com assistência para Navarro e mais um grande defesa por instinto de Ricardo Velho (84′). Estava tudo em aberto com chegadas à área dos dois lados e o final foi de “loucos”, com Marcano a fazer o 2-1 aos 90+10′ após uma grande jogada de Gonçalo Borges e Diogo Costa a salvar a vitória na linha após cabeceamento de Mattheus Oliveira aos 90+15′.