Há momentos que ficam gravados na história de um país e do futebol mundial. Olga Carmona, a lateral que até chegar ao Campeonato do Mundo tinha apenas marcado um golo pela Roja, repetiu a dose em cinco dias. Primeiro, com a Espanha acabada de consentir o empate frente à Suécia que parecia levar tudo para tempo extra, puxou a culatra atrás e fez um dos melhores golos da competição aos 89′ com a bola a bater ainda na trave. Depois, numa fase em que a final com a Inglaterra podia cair para qualquer um dos lados, encheu-se de fé para uma corrida de mais de meio-campo, recebeu de Mariona Caldentey e atirou cruzado como há 13 anos André Iniesta fizera na África do Sul para oferecer à equipa uma inédita conquista do Mundial.

Primeiro foram eles, agora é o tempo delas e com Olga Carmona a vestir o papel de Iniesta (a crónica da final do Mundial feminino)

No caso do antigo médio do Barcelona, esse momento decisivo no prolongamento da decisão com os Países Baixos em Joanesburgo valeu um sem número de homenagens entre várias estátuas. A lateral não deve ser diferente, qualquer que seja a forma de assinalar aquele glorioso minuto 29 da final em Sidney. E o primeiro reconhecimento vai chegar em forma de salgado: José María Tavallo, um empresário de Sevilha onde Olga Carmona nasceu, já está a preparar uma quantidade de croquetes equivalente ao peso da jogadora do Real Madrid para marcar a histórica conquista. “Não quero apenas homenagear uma desportista deste nível mas também todas as mulheres no desporto que conseguem este tipo de feitos”, explicou à agência EFE.

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A data da entrega está ainda em aberto porque tanto Tavallo como qualquer pessoa percebe que este ainda não é o momento. Após conquistar o Campeonato do Mundo com um golo da sua autoria que foi dedicado com uma camisola que tinha escrito “Merchi” à mãe falecida de uma das melhores amigas (María Benjumea, com quem jogou na seleção da Andaluzia), Olga Carmona soube que o pai tinha morrido e gerou uma onda de solidariedade e apoio não só na seleção entre companheiras, técnicos e staff mas em todo o país.

“E sem saber tinha a minha Estrela ainda antes de começar a partida. Sei que me deste força para conseguir algo único. Sei que me estás a ver esta noite e que estás orgulhoso de mim. Descansa em paz, papá”, escreveu a jogadora na primeira reação pública à trágica notícia. “Não tenho palavras para agradecer todo o vosso carinho. Ontem foi o melhor e o pior dia da minha vida. Sei que tu querias ver a desfrutar deste momento histórico e por isso vou estar com as minhas companheiras para que, de onde estás, saibas que esta Estrela também é tudo papá”, acrescentou mais tarde perante todas as mensagens que foi recebendo.

A imprensa espanhola explica que o pai de Olga Carmona morreu na madrugada de sexta-feira para sábado em Espanha, na véspera da final com a Inglaterra. A mãe e um dos dois irmãos, o gémeo Tomás, que tinham estado antes na Nova Zelândia para acompanhar a jogadora durante a fase de grupos, souberam da notícia quando estavam em viagem para a Austrália com a sua psicóloga, María Aguirre, e foi a mãe que, apesar do choque que sentiu, tentou “proteger” a filha. Apenas a família e os amigos mais próximos sabiam o que se estava passar, com a Federação a ser também informada da notícia depois do apito final do encontro. O pai da lateral esquerda do Real Madrid enfrentava uma doença grave há cerca de um ano.

Olga Carmona dedicou golo a mãe falecida da melhor amiga, decidiu final do Mundial e soube depois da morte do pai

Olga Carmona, de 23 anos, viveu quase sempre no bairro de Sevilha Este e entrou no mundo do futebol por influência dos dois irmãos, que também jogam (Fran, um ano mais velho, é central do CD Turuel; Tomás, o gémeo, é guarda-redes no UD Tomares). Perdeu-se uma possível estrela nas danças de flamenco, que foi praticando quando era mais nova a par da natação, ganhou-se uma jogadora de futebol que viria a ser a cara do maior sucesso de sempre do futebol feminino espanhol depois das conquistas dos Mundiais de Sub-17 e Sub-20 (algo que só o Japão tinha conseguido, em fases diferentes). Olga jogou sempre em Sevilha até 2020, altura em que aceitou o repto do Real Madrid e pela primeira vez “separou-se” da família, sobretudo da mãe com quem partilha uma tatuagem de uma mãe e uma filha a abraçarem-se com o símbolo do infinito.

Em paralelo com o futebol e com o trabalho com a psicóloga há alguns anos para poder equilibrar toda a sua vida dentro e fora de campo, Olga Carmona, campeã europeia Sub-19 pela Espanha, está apenas à distância de um trabalho final de concluir a licenciatura em Ciências da Atividade Física e Desporto mas não descarta continuar a estudar nas vertentes de nutrição ou fisioterapia, mesmo tendo o futebol como prioridade número 1 nesta fase. Como conta esta segunda-feira o El Español, entre as várias felicitações que foi recebendo, uma das mais marcantes chegou da Federação de Associações de Mulheres Ciganas (Fakali), que escreveu uma mensagem de parabéns com a frase “Opre romnia” (“Força, ciganos!”).