A primeira vez que os Rolling Stones apresentaram um álbum seu foi muito diferente. “O Keith e eu estávamos num pub em Denmark Street. Tínhamos o álbum e tínhamos dois jornalistas, um da NME e outro da Melody Maker”, começou por recordar Mick Jagger no auditório do Hackney Empire Theater, em Londres.
“Pagámos-lhes umas cerveja e dissemos ‘têm aqui o nosso álbum, podem ouvi-lo’. Eles ouviram e depois foram embora — nem houve fotografias”, recordou Jagger.
Desde esse disco, na altura simplesmente The Rolling Stones, em 1964, passaram quase seis décadas. Seis décadas durante as quais foi sendo construído o legado — o “mito”, se quisermos – de uma das maiores bandas do mundo, tida por muitos como o grupo mais essencial do rock’n’roll. Assim se explica a antecipação dos que encheram o Hackney Empire (e dos milhões que assistiram online) para a apresentação oficial, com honras de pompa e circunstância, de Hackney Diamonds, o primeiro álbum dos Stones desde Blue and Lonesome, de 2016, e o primeiro de originais desde A Bigger Bang, de 2005, já lá vão 18 anos. “Fomos demasiado preguiçosos”, admitiu Mick Jagger.
18 anos depois… Rolling Stones lançam novo álbum de originais
Numa conversa conduzida pelo humorista norte-americano Jimmy Fallon, o trio de Mick Jagger, Keith Richards e Ronnie Wood falou sobre a gravação deste novo disco, as inspirações por trás de cada tema, anunciou colaboradores e recordou o passado — incluindo, como não podia deixar de ser, a influência de Charlie Watts, o baterista de sempre da banda que morreu em 2021.
Watts (e outros) marcam presença em Hackney Diamonds, disco que, nas palavras do vocalista da banda, pretende ser a um tempo “uma mistura eclética” de tudo a que os Stones foram habituando os seus fãs ao longo de décadas e também o princípio de uma “nova era” para a banda. Eis o que se ficou a saber.
Novo álbum é lançado a 20 de outubro
Aqueles que aguardam há mais de 18 anos pelo novo disco de originais da banda britânica ficarão satisfeitos por saber que já não vão ter de esperar muito mais tempo. Hackney Diamonds será lançado no dia 20 de outubro deste ano, em formato físico e digital.
O título (que inspirou a escolha do local para a apresentação) tem um duplo sentido. Por um lado, é uma referência às raízes londrinas da banda. Por outro lado, de acordo com Jagger, é uma adaptação de um calão regional. “É o que se diz quando espatifas o para-brisas do carro a um sábado à noite em Hackney e os pedaços estilhaçados se espalham pela rua”, explicou o vocalista, numa imagem que chama à mente a sonoridade frenética e vivaz da banda.
“Angry”: o single de estreia do novo álbum
É difícil imaginar que alguém, hoje em dia, não saiba o que esperar quando o assunto se trata de novas músicas dos Rolling Stones. No entanto, caso haja alguém, a banda deixou claras as suas intenções com o novo álbum ao apresentar ao mundo “Angry”, o single de estreia de Hackney Diamonds. A apresentação veio acompanhada de um videoclipe (entretanto, disponibilizado no YouTube), que conta com a participação da atriz Sydney Sweeney:
Estão lá todos os ingredientes conhecidos, da sonoridade rock clássica à voz enérgica e mordaz de Mick Jagger e aos riffs incisivos e orelhudos de Keith Richards. De acordo com Jagger, o tema da música (e que até certo ponto norteia todo o álbum) é justamente a “raiva” — com o mundo, com as relações, com as próprias circunstâncias, e que é, afinal, elemento de base a todo o rock’n’roll.
12 novos temas, do rock ao gospel e ao country
Não só de revivalismo rock que se faz este novo Hackney Diamonds. Além do primeiro single, os Stones apresentaram a lista de 12 temas que compõem o álbum, incorporando uma série de estilos e géneros musicais, do rock e blues mais clássico até incursões pelas baladas românticas, country e até algum gospel na penúltima faixa, “Sweet Sound of Heaven”.
Abaixo está a ordem das faixas que compõem Hackney Diamonds:
- “Angry”
- “Get Close”
- “Depending On You”
- “Bite My Head Off”
- “Whole Wide World”
- “Dreamy Skies”
- “Mess It Up”
- “Live by the Sword”
- “Driving Me Too Hard”
- “Tell Me Straight”
- “Sweet Sounds of Heaven”
- “Rolling Stone Blues”
Lady Gaga e Paul McCartney têm participações especiais
Além da lista de canções, a apresentação do álbum desvendou algumas das colaborações e participações especiais do novo disco. O álbum contará com produção de Andrew Watt, músico e produtor norte-americano vencedor de um Grammy e que nos últimos anos tem trabalhado em alguns dos maiores êxitos da pop recente, como Future Nostalgia, de Dua Lipa, ou Hollywood is Bleeding, de Post Malone.
Os convidados não se ficam por aqui: durante a apresentação, a banda confirmou que Lady Gaga empresta a voz a “Sweet Sounds of Heaven”, numa colaboração “muito doce”, de acordo com o trio britânico. Esta será a primeira vez que Gaga colabora em disco com os Stones. Anteriormente, a cantora norte-americana subiu ao palco para uma versão do clássico “Gimme Shelter” ao lado da banda, em 2012:
Outra participação inédita num álbum da banda é a de Paul McCartney. Contemporâneo e, nos tempos dos Beatles, rival — dos Rolling Stones — , o envolvimento do celebrado músico britânico é uma das grandes novidades do álbum, ao qual os intervenientes tinham vindo a aludir em meses recentes. Apesar de não ter sido discutido na sessão de apresentação com Jimmy Fallon, Mick Jagger falou abertamente na passadeira vermelha do envolvimento de McCartney, que empresta o seu baixo a “Bite My Head Off”.
O omnipresente Charlie Watts e uma questão de “sucessão”
Hackney Diamonds é o primeiro projeto dos Rolling Stones desde a morte de Charlie Watts, em 2021. O baterista era um dos membros fundadores da banda, e a sua ausência foi, como não podia deixar de ser, sentida pelo grupo. “Desde que o Charlie partiu é diferente. Ele é o quarto elemento”, admitiu Keith Richards. Esse “quarto elemento” foi, de resto, recordado na apresentação visual da sessão, com várias projeções no teatro alusivas ao número 4 e a Watts.
Face à perspetiva de um novo álbum sem o baterista de sempre, a banda teve de se confrontar com uma questão de “sucessão”. Felizmente, já havia uma escolha em mente. “Claro que sentimos a falta dele. Mas, graças ao Charlie Watts, temos o Steve Jordan, que foi a recomendação do Charlie para o caso de lhe acontecer alguma coisa“.
O baterista nova-iorquino, de 66 anos, não é estranho a colaborar com a banda britânica. Pelo contrário, Jordan vinha já sendo o substituto de Charlie Watts nos últimos anos, quando a saúde deste último começou a falhar e este optou por não atuar em alguns dos concertos da última digressão. Além disso, é também baterista dos X-Pensive Winos, conjunto paralelo de Keith Richards, além de contar com uma vasta experiência na televisão, em bandas de programas ao vivo como Saturday Night Live.
De resto, e a julgar pela percussão em “Angry”, que ficou a cargo de Steve Jordan, estão reunidas as condições para uma parceria de sucesso, auxiliada por uma benção de peso: a do próprio Charlie Watts.
Um regresso ao passado: Watts e o regresso de Bill Wyman
A morte de Watts não impediu o músico de participar no novo álbum. Durante a apresentação, Jagger, Richards e Wood revelaram que, apesar de Steve Jordan ser o principal baterista no novo álbum, Hackney Diamonds ainda vai incluir duas faixas com a participação de Watts. “Mess it Up” e “Live by the Sword” foram gravados em 2019, ainda antes da pandemia e da morte do baterista, e servem agora como uma espécie de última homenagem da banda ao colega de longa data.
“Live by the Sword”, de resto, servirá como um tributo duplo ao passado dos Rolling Stones. Isto porque, além da presença de Watts, terá ainda a contribuição do baixista Bill Wyman, membro fundador da banda que saiu em 1993 e participou em 19 dos 23 álbuns lançados pelos Stones.
Além de representar a primeira colaboração de Wyman com a banda em 30 anos, é também a primeira — e última vez — que os membros originais da banda ainda vivos marcam presença na mesma faixa, num momento que terá sem dúvida um significado especial para os fãs mais velhos do grupo.
Gravações na Jamaica, Nova Iorque, Londres e Los Angeles
De acordo com os membros da banda, o processo de gravação do álbum durou relativamente pouco tempo, cerca de dois meses. Ronnie Watts revelou que as primeiras sessões aconteceram no Natal do ano passado, na Jamaica, passando ainda por estúdios em Nova Iorque (onde o próprio Watts se viria a juntar) e Londres, das quais resultaram um total de 23 temas. A mistura final ficou pronta logo em fevereiro, em Los Angeles.
“Quando um cantor quer fazer um álbum, tens de o gravar logo. Não sabes quando é que volta a ter vontade”, disse Richards em palco. O objetivo passou por estabelecer um prazo-limite curto (do Natal ao Dia de São Valentim, de acordo com Keith Richards), que impelisse os membros da banda a terminarem, por fim, um álbum de originais.
Um álbum feito a pensar num só público: eles próprios
Apesar da antecipação por parte dos fãs, os membros da banda afirmou que estes não estiveram no centro das suas preocupações enquanto o disco estava a ser gravado. Jagger explica: “Quando vamos para o estúdio temos de nos agradar a nós próprios. É tocar para nós primeiro. Mais tarde podemos pensar se as pessoas gostam deste tema ou daquele…”.
Ainda assim, Jagger, Richards e Wood mostraram-se confiantes de que os fãs ficarão satisfeitos. “Ao fim deste tempo todo, regra geral, se nós gostarmos, as pessoas gostam”. Pela sua parte, e sem “convencimento”, os Stones dizem ter cumprido o objetivo. “Estamos satisfeitos com o álbum e esperemos que gostem”. A 20 de outubro, sairá o veredito.