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De “melómanos para melómanos”: está aí a nona edição do Amplifest

Este artigo tem mais de 1 ano

Apanhámos o diretor do Amplifest em movimento para nos falar do festival de nicho que arrasta público de todos os cantos do mundo. E ainda há bilhetes para io evento no Batalha e a festa de abertura.

A nona edição do Amplifest acontece no Hard Club, no Porto
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A nona edição do Amplifest acontece no Hard Club, no Porto

VERA MARMELO

A nona edição do Amplifest acontece no Hard Club, no Porto

VERA MARMELO

Nietzsche acreditava que todos os pensamentos verdadeiramente importantes surgiam durante uma caminhada. O movimento associado à criatividade está entranhado na humanidade e, não por acaso, André Mendes atendeu-nos o telefone em Leça da Palmeira, à beira mar, perguntando-nos, “importas-te que conduza enquanto falamos? O movimento ajuda-me a pensar”.

Por esta altura faltava uma semana para a nona edição do Amplifest, que acontece nos dias 23 e 24 de setembro no Hard Club, no Porto, e André Mendes mostrava-se tão radiante quanto extenuado. “Sou eu a fazer toda a pré-produção e, ao mesmo tempo, tenho outro emprego”. Sem uma marca a patrocinar o festival, que tem público fiel vindo da Costa do Marfim ao Japão, de toda a Europa e também dos Estados Unidos, é quase estoico pôr de pé dois dias de música, conversas e tantas outras descobertas apenas por “amor” à camisola.

“Este é um país completamente diferente dos nórdicos, em que qualquer festival tem apoio governamental. O Amplifest é um evento que já faz parte de uma esfera europeia e que atrai gente de todos os continentes. Já era altura de ser apoiado para evoluir e crescer”, lamenta o diretor do festival, para quem as políticas culturais dos sucessivos governos portugueses têm ficado aquém de uma estratégia de sustentabilidade a longo prazo.

Neste ato de “resiliência e de resistência” que é organizar o Amplifest, apoiado pela DGArtes apenas no ano da pandemia, a totalidade das receitas provém da bilheteira. Nesse aspeto, não há queixas a apontar: em julho, já os bilhetes tinham esgotado. O lucro, contudo, é muito residual, mas André Mendes não se deixa desmoralizar. Mesmo considerando os anos difíceis de 2016 e 2017, em que a exaustão foi de tal ordem que o obrigou a fazer uma pausa, ou o hiato forçado pela pandemia, ele não deixa de se mostrar “super grato” por todo o percurso.

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Continuar por mais anos será apenas possível se o paradigma se alterar, ou seja, se houver apoio financeiro externo. “Se as coisas não acontecerem de forma natural, é porque o Amplifest teve o seu tempo e está feito.” Independentemente das previsões mais ou menos catastróficas, há a garantia de pelo menos termos mais uma edição, em 2024, a celebrar os dez anos do festival, que coincidem com os 18 anos da Amplificasom, produtora que o organiza desde 2011. “Depois o universo vai-nos encontrar outros caminhos”.

“Nunca queremos dar mais do mesmo, mas fazer sempre diferente”

Por ora, foquemo-nos em 2023, ano em que o Amplifest será acolhido de forma inédita por Serralves para uma sessão de abertura que cruza diferentes campos artísticos. Às 20h de sexta-feira, dia 22 de setembro, será apresentado From Ruin, uma criação que juntou o escultor Rui Chafes à banda sonora dos Candura, projeto de Andre Hencleeday e Pedro Coragem.

Ambos são fãs do Amplifest: o primeiro, costuma frequentá-lo como público; os segundos já lá tocaram em duas edições. Agora unem forças para uma apresentação que, depois de ter passado por Lisboa, em março, chega pela primeira vez ao Porto para dar sentido ao cunho experimental do Amplifest: “Gosto de acreditar que, independentemente de não ser um festival para todos, é conhecido e reconhecido. Nunca queremos dar mais do mesmo, mas fazer sempre diferente”.

Detalhe de "From Ruin", uma criação que juntou o escultor Rui Chafes à banda sonora dos Candura, projeto de Andre Hencleeday e Pedro Coragem

Fazer sempre diferente implica pensar numa narrativa que questione o papel da arte no quotidiano e que potencie uma experiência coletiva que “faça bombear o sangue” de todos os presentes. De certo modo, o Amplifest assemelha-se a um passeio contemplativo e colaborativo – lá está novamente o movimento – no qual não encontramos zonas VIP, vedetas ou sobreposições de horários que nos obriguem a preterir uma atividade por outra.

Nesta edição, o festival alongar-se-á a outro espaço da cidade, o Batalha Centro de Cinema. É lá que poderemos ver Even Hell has its Heroes (2023), o documentário de Clyde Petersen sobre os Earth, banda de culto com mais de 30 anos, com os riffs mais lentos da história do rock alternativo e do metal e cujo guitarrista e líder Dylan Carlson era amigo chegado de Kurt Cobain.

A sessão tem início às 11h15 de domingo, dia 24 de setembro, e os bilhetes – os únicos ainda disponíveis do festival – podem ser levantados gratuitamente no Batalha a partir das 10h. “Sem os Earth, não haveria uma banda como os SUNN O)))”, diz André Mendes e aqui somos obrigados a fazer a ponte com o cartaz desta edição.

Se é verdade que o diretor do Amplifest, que programou o seu primeiro concerto com 23 anos (foram os americanos Enablers, no mítico e já extinto bar O Meu Mercedes É Maior Que O Teu, do Porto) refuta a existência de cabeças de cartaz e de slots de “encher chouriços”, não deixa de ser igualmente verdade que os SUNN O))) são o nome mais chorudo desta edição. “Os SUNN O))) são uma banda de sonho. Andei muitos anos a tentar trazê-los, mas por motivos logísticos ou financeiros nunca aconteceu. Agora, chegou a oportunidade certa”, nota André, 40 anos feitos, a mesma paixão dos vinte.

Quem ficou a ressacar da última passagem dos norte-americanos por Portugal, em 2010, tem agora oportunidade de se regalar desmedidamente naquele que é o único concerto dos SUNN O))) na Península Ibérica

O drone metal de Stephen O’Malley e Greg Anderson, que cruza universos tão distintos como os do jazz, ambiente ou minimalismo, far-se-á ouvir com estrondo às 23h15 de dia 24 de setembro, empurrando os portugueses MДQUIИД (que deram o concerto de uma vida no Vodafone Paredes de Coura) para as 01h30. “Os SUNN O))) pediram para ter mais tempo de concerto (!!!) e como poderíamos nós dizer que não?”, lê-se em comunicado.

Quem ficou a ressacar da última passagem dos norte-americanos por Portugal, em 2010, tem agora oportunidade de se regalar desmedidamente naquele que é o único concerto dos SUNN O))) na Península Ibérica. “Um concerto deles é uma experiência poderosa e física”, diz André, que nos confidencia já ter tido devaneios com esta dupla que se apresenta sempre de robe, hábito que vem de um tempo em que eram apupados e nem sonhavam vir a pisar palcos como os da Opera de Sydney. “Vai ser imperdível”.

“No Amplifest juntam-se pessoas que querem fazer do mundo um lugar melhor”

Como se não bastasse, Stephen O’Malley e Greg Anderson estarão no mesmo dia, às 17h, à conversa com os fãs, no Hard Club, para falar dos 25 anos de carreira. A iniciativa faz parte das Amplitalks, espaços habituais de partilha que o festival faz questão de promover entre público, bandas e jornalistas e que este ano terá também uma sessão no dia 23 de setembro, sábado, às 17h15, com Pedro Coragem, dos Candura, e Robin Wattie, dos Big|Brave sobre as barreiras a quebrar no mundo da música.

Os Big|Brave (23 set., 14h) são outra das grandes atrações deste cartaz, ao trazerem para o Amplifest o seu rock experimental que trata as emoções mais profundas com crueza, desafiando as noções de ritmo, volume e densidade. O desafio é, precisamente, aquilo que atrai André Mendes e o que o impele a puxar para os dois palcos do Amplifest bandas que revolvem géneros musicais que achávamos já estarem cristalizados.

Neste capítulo, não podemos deixar de mencionar os Ashenspire, pensadores contemporâneos do black metal, que tiveram a ousadia de introduzir o saxofone nesta sua reinterpretação do género, ou os belgas Amenra (23 set., 00h), “uma banda que já é família para nós”, nota André. Em 2023 assinalam a sua quinta passagem pelo festival. “São uma banda que toca para 20 mil pessoas, mas que continua a querer vir cá pelo amor que tem ao evento.”

André Mendes lembra que a razão principal para ter criado a Amplificasom em 2006, foi, em grande parte, porque as bandas de que mais gostava chegavam a Barcelona e davam a volta para trás

geert braekers

Falamos de um evento de nicho, dirigido para cerca de 1.000 pessoas, que tem uma presença dividida entre público nacional e internacional e que, mesmo tendo esgotado em julho, não pensa em dobrar a lotação. “É uma programação de melómanos para melómanos e não queremos facilitar nunca na qualidade do evento.” Talvez, diz André, se houvesse um apoio, o Amplifest pudesse crescer para uma sala maior, sem com isso cobrar mais pelo bilhete (€99 passe geral). “A ideia seria proporcionar um Amplifest para toda a gente, que continuasse a propor “o que mais ninguém propõe” e a “quebrar barreiras”.

As barreiras tanto são de estilo, como sociais, políticas, de género ou raciais. “No Amplifest juntam-se pessoas que querem fazer do mundo um lugar melhor”. Aqui não há discursos de ódio. Prova disso é a presença no cartaz de projetos como as Divide and Dissolve (24 set., 18h15), da afro indígena australiana Takiaya Reed e de Olivia, branca, queer, não binária. Através do seu doom metal, esta dupla ruidosa confronta-nos com a presença do racismo sistémico na sociedade, lançando-nos mensagens urgentes, dilacerantes, mas usando sempre do poder agregador do amor, como Takiaya fez questão de frisar na sua primeira passagem por Portugal, na passada edição do Tremor.

Destaque ainda para a presença dos finlandeses Hexvessel (23 set., 22h45), que vão apresentar o seu novíssimo álbum, Polar Veil; ou do trio britânico Esben and the Witch (24 set., 19h30), delicado rendilhado entre a folk, a eletrónica e o rock mais sonhador. “Continua a ser uma vitória trazer este tipo de bandas e de projetos a uma cidade europeia tão periférica como o Porto”, refere André Mendes, lembrando que a razão principal para ter criado a Amplificasom em 2006, foi, em grande parte, porque as bandas de que mais gostava chegavam a Barcelona e davam a volta para trás.

“Sou um maluquinho, mas é o bichinho e o amor por isto que me faz continuar”, desabafa. Até quando, não sabemos. Celebremos então o presente e comecemos já pelo Ferro Bar, que na sexta-feira, dia 22 de setembro, terá um concerto de entrada livre de Mat Ball, guitarrista dos Big|Brave (22h30). A noite prolonga-se com a dupla de Djs NO JOY. É o pontapé de saída do Amplifest e de um fim de semana que André Mendes espera que seja “feliz para toda a gente”.

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