Estreia e Portugal são duas palavras que parecem ter casado para sempre no glossário do futebol feminino. Até pode parecer pouco mas é a união de facto que mudou todo um paradigma. Até 2017, o máximo que se conseguia imaginar era que um dia poderíamos chegar a uma fase final – e foi nesse ano que a Seleção fez a primeira participação num Europeu, com uma vitória frente à Escócia à mistura. Até 2023, já com mais uma presença num Campeonato da Europa, também poucos poderiam imaginar (agora mais, vá) que era possível entrar num Mundial – e não só Portugal esteve na Nova Zelândia como ficou a uns meros centímetros de distância, num remate ao poste de Ana Capeta nos descontos, de mandar para casa as então bicampeãs dos EUA. A Seleção entrou no dicionário da primeira linha do futebol a apagar palavras como “impossível”. E era isso que ia voltar a tentar fazer, neste caso a participar na Liga A da Liga das Nações.

“Depois do Mundial, as nossas jogadoras regressaram aos clubes e agora estão a readquirir de novo os nossos comportamentos coletivos. Temos vindo a crescer de dia para dia. O estágio tem sido intenso, curto, mas sabemos o que queremos. Vejo a equipa empenhada e ansiosa para começar a nova competição. Frente à França, temos de manter a nossa identidade, fazer o nosso jogo, crescer naquilo que é a nossa dinâmica e conseguir ter bola sob pressão. Amanhã [sexta-feira] teremos de ter essa capacidade e também coragem e audácia. Confiamos nas nossas jogadoras mas temos de respeitar o adversário, cheio de qualidade, a qual demonstrou no Mundial”, tinha pedido o selecionador Francisco Neto, entre muitos elogios às gaulesas.

“A França é uma equipa que sofre poucos golos e não permite muitas oportunidades aos adversários, sendo estável no seu onze inicial, com processos simples mas muito bem feitos e jogadoras que podem resolver o jogo. É uma equipa que gosta do jogo pelos corredores, que nunca se desequilibra e gosta de jogar na área. Temos de ter cuidado com isso tudo”, apontara ainda o técnico nacional sobre o adversário que não só ocupava a quinta posição do ranking mundial com a estabilidade oferecida pela chegada do novo treinador Hervé Renard como tinha vantagem teórica em todos os parâmetros de jogo a não ser na parte da ambição.

Esse era o principal pedido de Francisco Neto. Não falou de ganhar ou conseguir pontuar, não falou do que poderiam ser as contas do grupo que conta também com a Noruega e a Áustria (a primeira vai à Final Four, a segunda fica na Liga A, a terceira vai ao playoff de manutenção e a quarta desce à Liga B), não falou em fazer mais ou menos golos. Falou em palavras ou ideias que valiam bem mais do que isso. Identidade, coragem, audácia, crescimento. Por algum demérito próprio da Seleção e por muito mérito da França, nem sempre essas características estiveram presentes na primeira parte mas o intervalo fez bem. Contudo, foi curto. E no regresso ao país onde tudo começou em 1981 com um empate sem golos, Portugal não só não conseguiu evitar mais uma derrota (quinta em sete jogos) como continua sem marcar um golo às gaulesas apesar de ter beneficiado de uma oportunidade de ouro por Ana Capeta. Era uma Chapetada para a história.

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Com uma formação muito semelhante à que teve como base no Mundial em termos de nomes e estrutura, Portugal foi conseguindo manter a França longe da sua baliza e com duas recuperações em zona alta que não tiveram depois sequência na construção de oportunidades. Assim, no quarto de hora inicial, o encontro quase não conheceu balizas à exceção de uma tentativa de Oriane Jean-François com desvio de Patrícia Morais para canto (9′), sendo que a principal oportunidade nessa fase chegaria pouco depois com uma “bomba” da lateral direita Ève Périsset que bateu com estrondo na trave (17′). Nem mesmo com esse susto a Seleção deixou de tentar esticar jogo quando possível, fazendo o primeiro remate por Kika Nazareth que saiu por cima (24′).

Apesar do domínio territorial, da maior posse de bola e das tentativas a visar a baliza nacional, a França via os minutos passar sem que o golo inaugural aparecesse naquela que parecia ser uma luta contra o tempo até pela inevitabilidade de haver um conjunto português mais confiante por cada minuto que passasse. Era esse o objetivo que a Seleção ia cumprindo, foi esse o objetivo da Seleção que caiu por terra numa das raríssimas jogadas em que a linha defensiva e as médios mais de cobertura falharam: Le Sommer conseguiu descer para receber à entrada da área, combinou bem com Grace Geyoro e a jogadora do PSG apontou o 1-0 num remate isolada sem hipóteses para Patrícia Morais, fazendo resultado que se registado ao intervalo (27′).

No segundo tempo, entre as correções de Francisco Neto para haver maior ligação de setores com as duas unidades ofensivas e um posicionamento de maior contenção das gaulesas à procura dos espaços que fossem permitindo criar vantagem em transições rápidas, houve mais Portugal no meio-campo da França. Aliás, a nível de posse foi a Seleção que ganhou protagonismo com o passar dos minutos. No entanto, e à exceção de um lance em que Diana Silva conseguiu arrancar na área antes de Sakina Karchaoui conseguir cortar a tentativa de remate para canto (55′), faltavam oportunidade para arriscar o empate e foi Patrícia Morais a segurar a desvantagem mínima num desvio de cabeça de Eugénie Le Sommer (69′).

É isso que ainda falta para dar o próximo salto lógico nesta evolução ao longo das últimas quatro décadas: ser capaz de criar oportunidades e marcar às equipas mais fortes. E a Noruega será agora o próximo objetivo depois da chance flagrante que Ana Capeta falhou após um erro invulgar de Wendie Renard após atraso, num chapéu da avançada do Sporting que ficou na malha lateral dando a sensação de golo (80′). Não foi. E ainda seria mesmo a França a aumentar a vantagem para 2-0 nos derradeiros minutos quando Portugal tentava arriscar um pouco mais na frente, com um bom remate de meia distância de Selma Bacha (89′).