Tema: “Combater a desigualdade no desporto”. Explicação: “A luta pela igualdade no desporto é uma história constante de dois passos em frente e um enorme passo atrás. As cenas de racismo na Espanha no início deste ano [n.d.r. com o caso de Vinícius Júnior, do Real Madrid, a ser exemplo paradigmático do fenómeno] e o abuso contínuo de atletas nas plataformas sociais sugerem que as coisas não irão melhorar tão cedo”. Sol Campbell, antigo internacional inglês que foi finalista vencido na final da Liga dos Campeões de 2006, era uma figura quase escolhida a dedo para abordar o tema. Além das dificuldades que foi atravessando na vida até chegar ao estrelato pelo background que trazia, o central foi vítima de ameaças sem fim quando decidiu trocar o Tottenham pelo rival londrino Arsenal. Agora, no Web Summit, falou disso e muito mais.

Filho de pais jamaicanos, Sol, o mais novo de 12 irmãos numa família em que o pai trabalhava nos comboios e a mãe era funcionária na fábrica da Ford, teve uma infância complicada pelo bairro onde nasceu e por todas as dificuldades financeiras que o núcleo familiar batalhava todos os meses mas foi conseguindo fugir a uma infância e uma adolescência mais problemáticas. “Fiquei quase como um recluso em casa porque não tinha espaço para crescer, tudo era pequeno, não havia espaço para respirar. As pessoas não têm noção daquilo que pode afetar uma criança. Como não podia falar, o futebol acabou por ser a minha expressão”, explicou um dia em entrevista, descrevendo o contexto em que cresceu, mais calado, polido mas isolado.

A carreira no futebol foi tudo menos isso. Após uma passagem curta pelo West Ham a jogar como avançado, que terminou quando não gostou de ouvir uma piada sobre um jogo de críquete que considerou ofensiva, fez toda a formação no Tottenham, de onde saiu em 2001 numa transferência livre para o Arsenal. Foi pelos gunners que conheceu o apogeu na carreira, fazendo parte dos Invencíveis que se sagraram campeões da Premier League sem derrotas antes de perdeu uma final da Champions com o Barcelona. Ainda passou nos anos seguintes por Portsmouth, Notts County e Newcastle, mas com Arsène Wenger que chegou mais alto ainda que com uma fatura complicada a ponto de, oito anos depois, quatro adeptos do Tottenham terem sigo banidos dos estádios de futebol por uma música de carácter racista homofóbico contra o “Judas” Sol.

Depois, chegou a política. O antigo jogador revia-se “na mentalidade dos trabalhistas e nas políticas dos conservadores” mas acabou por juntar-se ao Partido Conservador, procurando ter uma voz ativa junto da comunidade. O que tinha para dizer, dizia sem problemas. E foi assim que fez capa em 2014, ao criticar de forma aberta a forma de pensar da Football Association à luz da falta de diversidade, dizendo que a FA nunca o escolheu para ser capitão de Inglaterra num encontro oficial por ser negro. No ano seguinte, tentou entrar na corrida às nomeações dos conservadores para as eleições de Londres mas acabou por ser cortado da lista final de escolhas, não chegando sequer a disputar a possibilidade de uma liderança de lista. Da política para o futebol, seguiram-se projetos como treinador principal nos modestos Macclesfield Town e Southend United entre 2018 e 2020 que não tiveram continuidade. Em Lisboa, Campbell falou de tudo. E falou ainda de mais uma perspetiva diferente na ligação entre tecnologia, dados e jogadores.

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“Um dos pontos interessantes em relação aos dados está a causar alguma luta no futebol porque alguns jogadores dizem que estão a recolher dados sem o conhecimento deles e isso pode ser um problema, alguns estão a ver junto de escritórios de advogados o que podem fazer porque existem pessoas que estão a ganhar muito dinheiro com as suas plataformas a expor os jogadores sem necessidade”, contou na conferência de imprensa que teve no Web Summit, antes de falar também do sonho de ser Mayor. “Foi há quase dez anos, andei para a frente depois disso. Adoro Londres, com um miúdo de Londres. Continua a existir um problema com o crime, temos de olhar de forma séria para ele. Temos de perceber se é falta de polícias nas ruas, falta de esquadras, falta de educação. Todos os problemas têm resolução, já vimos isso em vários locais, o que não pode haver é um clima de maior segurança para os ladrões”, comentou.

“Continuo a ter a perspetiva de ser treinador, adorava voltar a treinar mas em algumas coisas voltámos um pouco atrás. Sei que nem todos poderão ser grandes treinadores mas se não tiveres essa oportunidade nunca vais poder mostrar o que consegues fazer. Em qualquer indústria, tens de falhar muitas vezes até chegares ao sucesso. Há treinadores de topo que podem aumentar a diversidade através dos seus adjuntos, esse acaba por ser o caminho mais fácil para ganhar experiência e ir chegando lá. Para mim tudo passa pela capacidade de teres oportunidades, mesmo que caias nas primeiras vezes. Como ninguém me deu, tenho de olhar para o futebol de outra forma para poder ajudar de uma outra forma”, destacou. “Não sei quando será, às vezes as oportunidades aparecem quando não estás à espera. Estudei em Harvard, com a parte de media e desporto, e olho para o futebol de uma forma diferente. Até porque se repararmos nos técnicos da Premier, lá de cima têm bons jogadores e estão felizes, abaixo do top 8 perder dois ou três jogos e vais à vida…”.

Mais tarde, falando já no palco do Sports Trade, Sol Campbell voltou a abordar o tema da diversidade. “A única mudança é que hoje as pessoas falam mais sobre essa questão, existem muitos soundbites, toda a gente tenta fazer algo mas quando chega à parte dos treinadores… Será que precisamos de 20 anos para perceber o porquê de não ter mudado? Não mudou porque ninguém quis mudar, quando queremos mudar fazemos por isso. Falar é mais barato, é assim…”, apontou, antes de voltar a “prometer” um lugar no futebol.

“Como as oportunidades não apareciam, tive de me reinventar, estudar e olhar para o jogo de uma outra forma, para pode ajudar estes jogadores e as novas gerações. Podem não me dar oportunidades para ser treinador mas ninguém me vai dizer que não posso ajudar o futebol de outras formas. São esses os meus maiores planos para o futuro. Adoro futebol, adoro fazer parte do futebol, o futebol é a minha vida de trás para a frente. Só quero que me deixem ajudar. Vou voltar, mesmo que de uma maneira diferente e para ter impacto. Quero ter soluções para os problemas que existem sempre no futebol”, acrescentou.