Olhemos para o cenário que a rua acolhe nos seus campos. Joga quem quer – os miúdos com as sapatilhas de marca e os que pisam a bola com os pés descalços –, todos se misturam nas equipas e tocam-se nas disputas mais intensas quando chega o momento do quem marcar ganha. Ali, as regras são feitas por todos e respeitadas em unanimidade como consequência de um debate cujo ponto mais complicado da ordem de trabalhos é sempre eleger o guarda-redes. Sócrates ficaria satisfeito por ver os valores que instalou no balneário do Corinthians andam ulular nos ringues. Nas ruas, só dá para o torto quando se tenta impor a lei do mais forte, mas nem aí o silêncio se torna solução. Quando o dono da bola quer jogar sempre por ser proprietário do alvo dos pontapés, a voz do protesto faz-se ouvir. Esta é uma sinédoque da sociedade, sociedade essa que pede ao desporto que não seja político quando ele é político nas raízes.
Estima-se que na última semana 1,4 milhões de pessoas, de acordo com o The Washigton Post, tenham saído à rua um pouco por toda a Alemanha para se manifestarem contra as propostas de deportação massiva da Alternativa para a Alemanha (AfD), partido de extrema-direita que muitos pedem que seja ilegalizado. O futebol, a quem por vezes é pedido que se afaste destes temas, teve uma palavra a dizer. O treinador do Bayer Leverkusen, Xabi Alonso, espanhol a viver na Alemanha, discordou com as propostas da AfD. O próprio clube divulgou as palavras onde o técnico, em conferência de imprensa, reforçou a necessidade da sociedade assumir um “posicionamento democrático”.
“Não apenas nós no Bayer mas em toda a sociedade. Somos muito abertos e internacionalizados, então temos que nos erguer por esses valores e não podemos aceitar essas exigências [como as que a AfD defende]. Temos que acreditar que estamos numa sociedade muito aberta, onde toda a gente tem o direito de vir aqui e trazer o melhor que pode e abraçar esta cultura, independentemente de onde vem”, afirmou Xabi Alonso.
O espanhol reforçou ainda a necessidade da União Europeia assumir uma posição sólida em relação ao tema da imigração numa altura em que Alice Weidel, codirigente da AfD, defendeu a possibilidade de um referendo para que a Alemanha deixe a comunidade. “Eu vim para a Alemanha para dar o meu melhor e para me adaptar à sociedade. Não sou apenas eu, muita gente vem de todas as partes do mundo. Isso acontece na Alemanha, em Espanha, em Itália… Erguemo-nos por estes valores na Alemanha, mas, na Europa, temos que defendê-los fortemente. Tenho a certeza que o futebol se manifesta por eles. Temos que ser muito firmes nesses posicionamentos e não aceitar ou tolerar essas exigências”, afirmou Xabi Alonso, que, em 2009, quando ainda era jogador, foi uma das vozes críticas da política de impostos do Reino Unido, um dos motivos pelos quais acabou por deixar o Liverpool e rumar ao Real Madrid.
????️ @XabiAlonso talking about attacks on our democracy and our society. #Bayer04 pic.twitter.com/8PSGUIbG3H
— Bayer 04 Leverkusen (@bayer04_en) January 19, 2024
Tão invulgar como a tomada de posição pública de um treinador sobre um tema extra futebol é o Bayer Leverkusen comandar a Bundesliga. Depois da 18.ª jornada, os farmacêuticos têm mais sete pontos do que o segundo classificado, o Bayern Munique, ainda que os bávaros tenham menos um jogo disputado. Na última partida, a equipa de Xabi Alonso, que tem Grimaldo como uma das grandes referências, venceu o RB Leipzig nos descontos (3-2), fazendo crescer a expectativa em relação a uma eventual conquista da primeira Bundesliga da história do clube depois das “ameaças” no início do século.