A recém criada Associação Portuguesa de Contribuintes (APC), que assume como missão “reequilibrar a relação entre o Estado e os contribuintes”, tomou uma posição sobre o imposto sucessório que está a ser proposto, atacando-o. “A existência do imposto sucessório é, no quadro atual, desnecessária, injustificada, redundante e perniciosa”, além de que “não teria qualquer efeito concreto na alegada redistribuição de rendimento”.
Esta é a principal conclusão da APC sobre a proposta para reavivar um imposto que foi extinto em 2003.
O Bloco de Esquerda, no seu manifesto eleitoral, propõe a “criação de um imposto sobre doações e heranças, incluindo património mobiliário ou outras formas de ativos líquidos de dívidas, com valor superior a 1 milhão de euros”, aplicando uma taxa de 16% entre 1 e 2 milhões de euros, e de 25% para heranças acima de 2 milhões de euros. “A receita deste imposto, como aconteceu com o Adicional do IMI para património de luxo, será usado para reforçar o sistema de segurança social, contribuindo para aumentar as pensões mais baixas”, propõe o Bloco.
Aliás, a ideia de Portugal voltar a ter um imposto sobre heranças surgiu pelo estudo do economista Alexandre Mergulhão para o Causa Pública (onde estão Paulo Pedroso e Alexandra Leitão) sobre fiscalidade, no qual diz que “a maioria dos países da OCDE, e todos os países da UE 15 exceto dois (Áustria e Suécia), tem um imposto sobre as heranças e doações. Portugal deveria equacionar a reinstituição deste imposto, desta vez sobre as grandes heranças (a partir de 1 milhão de euros, líquidos de dívidas) e aplicando-se uma taxa por decidir, mas que deverá situar-se um pouco acima dos 28%”.
Este movimento levou a APC a tomar uma posição, na qual garante mesmo que a receita fiscal de um imposto destes “representa uma percentagem inexpressiva da carga fiscal nos países onde ele existe”, indicando, para o justificar, uma amostra de 2016 com países da Europa Ocidental, EUA, Canadá e Austrália onde a receita não ultrapassava os 0,7% do PIB, com alguns países a registarem mesmo uma receita de 0,1% do PIB. Alexandre Mergulhão, que defende o imposto, diz que este só incide sobre um valor acima de um milhão e recorda que antes de ser extinto o imposto rendeu nos dois últimos anos 100 milhões de euros.
O imposto sucessório acabou numa revisão sobre a tributação do património que taxou as transmissões gratuitas em sede de imposto do selo (10%), isentando os herdeiros legitimários (cônjuges, unidos de facto, descendentes e ascendentes). Reconhecendo a APC que a maioria dos países da União Europeia tributa “de alguma forma a transmissão de bens por morte (Portugal incluído)”, a tendência, garante, “tem vindo a ser a introdução de regras de não sujeição ou de isenções fiscais em função do grau de parentesco entre o autor da sucessão e dos herdeiros, do tipo de ativos (ex: habitação própria e permanente) ou da localização de bens”. E como não há harmonização fiscal “impostos sucessórios nacionais representam um obstáculo significativo à livre circulação de pessoas e bens entre a União Europeia”.
Além disso, para a APC estes impostos potenciam “situações de dupla ou tripla tributação em função da localização do autor da sucessão, dos herdeiros e dos próprios bens herdados, sendo possível que, no limite, os impostos devidos sejam superiores ao valor dos bens herdados”.
A APC argumenta assim que, apesar de parecer de justificação fácil a sua existência — com o argumento do alisamento social por via geracional –, “na prática traduz-se numa violência exacerbada atento o facto de inexistir liquidez para a satisfação das obrigações fiscais quando os ativos alvo da sucessão são patrimoniais (empresas, ações, obrigações, imóveis)”. O que “amplia o sentimento anti-tributário que decorre igualmente do sentimento de intromissão excessiva na esfera familiar, ainda mais em momentos potenciais de excessiva sentimentalidade”.
No posição, a que o Observador teve acesso, a associação ainda diz que estes impostos podem ser “perigosamente” um “desincentivo à poupança e ao investimento”. Até porque a APC assume que a tributação sobre património “acarreta sempre um problema de liquidez dos herdeiros, uma vez que o imposto tem de ser pago em dinheiro, e a herança pode (para não dizer que na maior parte das vezes não ser composta por dinheiro suficiente para pagar o valor do imposto) levar a que os herdeiros sejam forçados a alienar bens não líquidos, como imóveis ou sociedades familiares, apenas para pagar o imposto”.
Para a APC até já “existe um imposto sucessório escondido no momento da venda”, uma vez que os herdeiros pagam IRS pela diferença entre o Valor Patrimonial Tributário (VPT) à data do óbito (que é quase sempre inferior ao valor da aquisição) e o valor da venda. Ou seja, a diferença é assim maior e, logo, sujeito a um pagamento maior de mais-valias na venda. É que, para a APC, “existe um imposto sobre o ganho de capital dos imóveis ocorrido entre a aquisição (ou prévia transmissão) e o momento da herança, independentemente da liquidez do imóvel”.
Pelo que “o imposto sucessório acaba por ser mais um imposto sobre bens imobiliários que acaba por incidir sobre os contribuintes sem capacidade para otimizar os seus patrimónios para o evitar”. Mas mais. Para a associação o AIMI (adicional ao IMI) é já “o imposto sucessório pago em ‘suaves prestações'”.