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O drama da mina de São Pedro da Cova

Este artigo tem mais de 6 meses

“Tribunal Mina”, em cena no Teatro Carlos Alberto, tenta fazer justiça ao povo daquela freguesia de Gondomar, alvo de "crime ambiental". Sobem a palco habitantes dos 15 aos 85 anos.

"Tribunal Mina" põe em palco habitantes de São Pedro da Cova com idades entre os 15 e os 85 anos, incluindo antigos mineiros, descendentes de mineiros e um ex-presidente da Junta
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"Tribunal Mina" põe em palco habitantes de São Pedro da Cova com idades entre os 15 e os 85 anos, incluindo antigos mineiros, descendentes de mineiros e um ex-presidente da Junta

IGOR MARTINS / OBSERVADOR

"Tribunal Mina" põe em palco habitantes de São Pedro da Cova com idades entre os 15 e os 85 anos, incluindo antigos mineiros, descendentes de mineiros e um ex-presidente da Junta

IGOR MARTINS / OBSERVADOR

Entre 2001 e 2002, toneladas de resíduos tóxicos foram depositadas nas escombreiras das antigas minas de carvão de São Pedro da Cova, em Gondomar. E só longos anos depois, ao fim de muita mediatização e luta popular, se procedeu à sua recolha. O caso seguiu para a justiça, mas terminou sem culpados — o processo prescreveu. A peça Tribunal Mina, da companhia Hotel Europa, recorda esse que considera “o maior crime ambiental cometido em Portugal”, procura dar voz à população e fazer-lhe a “justiça possível”, num momento em que se projetam novas minas de lítio e a crise climática é tema quente. O espetáculo, estreado em outubro na Culturgest, em Lisboa, conhece agora a primeira apresentação a norte: a partir desta quinta-feira, e até domingo, está em cena no Teatro Carlos Alberto, no Porto.

Tribunal Mina põe em palco habitantes de São Pedro da Cova com idades entre os 15 e os 85 anos, incluindo antigos mineiros, descendentes de mineiros e um ex-presidente da Junta. Fazem de si mesmos, partilham as suas experiências, com foco nas questões ambientais decorrentes da referida deposição de resíduos perigosos, oriundos da Siderurgia Nacional, num local que é tido como porta de entrada nas serras do Porto. Alguns “atores” usam capacetes, tabaqueiras (lenços que cobrem nariz e boca, para proteger as vias respiratórias) ou óculos de britadeira (para defender os olhos).

No cenário, que procura recriar um tribunal — “Tribunal Popular Mineiro”, lê-se numa faixa —, cabem documentos da esfera judicial alusivos ao caso, palavras de ordem como “saúde” ou “justiça”, uma maqueta do complexo mineiro e histórias pessoais. Os “atores” são chamados a responder, com base nas suas memórias, a questões como esta: lembra-se da chegada dos camiões que transportavam resíduos tóxicos para São Pedro da Cova? “A gente via os camiões a entrar para lá e, ao princípio, ninguém sabia o que aquilo era”, diz um homem. “Aquilo em São Pedro da Cova foi uma bomba atómica que botaram lá!” Já uma rapariga recorda como, em 2019, participou num cordão humano pelo ambiente, na escola, a alertar para a necessidade de remoção dos resíduos, com urgência.

Que a natureza passe a ter direitos invioláveis é, justamente, uma das propostas da petição que os espectadores vão ser convidados a assinar e a divulgar à saída do espetáculo

IGOR MARTINS / OBSERVADOR

A esse tribunal imaginado são chamados especialistas em crimes ambientais, advogados e juízes, mas o grande objetivo é dar voz à população, enquanto testemunha. É que, como se lê em comunicado, a peça visa criar “uma forma de justiça social através da ação artística”. “A população nunca foi ouvida, e viveu 21 anos ao lado de resíduos tóxicos, com medo de que a água estivesse envenenada. 21 anos com medo de beber água é muito tempo”, sublinha André Amálio, da companhia Hotel Europa, em declarações aos jornalistas, já fora do palco (ao qual também sobe).

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“Talvez seja a altura de a natureza ter direitos”

André Amálio e Teresa Havlíčková formam aquela companhia de teatro documental e asseguram a direção artística do espetáculo, que procura responder ao sentimento de injustiça dos populares. É que ele permanece, como fica claro em frases como estas, ouvidas ao longo da peça: “O sistema judicial português falhou por completo, em São Pedro da Cova”; “Não houve uma única pessoa responsável pelo maior crime ambiental cometido em Portugal”. Em certo momento, conclui-se que “talvez seja a altura de a natureza ter direitos”.

Que a natureza passe a ter direitos invioláveis é, justamente, uma das propostas da petição que os espectadores vão ser convidados a assinar e a divulgar à saída do espetáculo, revela Amálio. Na petição, defende-se ainda que a população de São Pedro da Cova seja indemnizada pelos danos sofridos ao longo de um processo que envolveu gastos avultados, desde logo na remoção dos resíduos tóxicos. “Por que terra é que passam 40 milhões de euros e as coisas ficam piores? Era importante estas pessoas terem alguma compensação”, remata.

Voltando à criação artística: em rigor, o que está em causa é um díptico. Antes de Tribunal Mina, houve Mina. Data de 2022, essa primeira peça, que recupera as memórias dos mineiros de São Pedro da Cova, retrata as suas vidas, pautadas por condições de trabalho de enorme dureza, aborda momentos históricos, da ditadura ao Processo Revolucionário em Curso (PREC). Foram décadas e décadas de extração mineira, até à paragem da laboração, em 1970. Ambos os espetáculos podem ser vistos, por estes dias, no Teatro Carlos Alberto, em separado ou numa sessão conjunta, agendada para o próximo domingo, às 16 horas, por valores entre 5 e 10 euros (os detalhes estão online).

“Eu, para aquele lado, não vou passear”

Mas, afinal, como começou este trabalho desenvolvido pela companhia Hotel Europa em estreita ligação a São Pedro da Cova? André Amálio lembra-se de ter ficado “muito chocado” ao tomar conhecimento do caso através de uma reportagem, em 2018. Tratou de investigar, decidiu fazer algo sobre o tema e o resultado foram três anos de interação com a comunidade. Houve aprendizagens de parte a parte, as pessoas tiveram aulas de teatro, dança, música, coreografia ou desenho de luz. Tudo isso transparece no palco, agora.

Florinda Sousa, de 80 anos. Aos 16, foi trabalhar para a mina, primeiro “a escavar a lama”. “Era uma escravidão. Ainda hoje a gente sofre dos joelhos, de estar de joelhos a partir carvão”, diz. Conta que, “no verão, era um calor medonho”; e, “de inverno, a água entrava pela cabeça e saía pelos pés”. “Trabalhei lá oito anos, e chegou”

IGOR MARTINS / OBSERVADOR

Entre as “atrizes” encontra-se Florinda Sousa, de 80 anos. Aos 16, foi trabalhar para a mina, primeiro “a escavar a lama”. “Era uma escravidão. Ainda hoje a gente sofre dos joelhos, de estar de joelhos a partir carvão”, diz. Conta que, “no verão, era um calor medonho”; e, “de inverno, a água entrava pela cabeça e saía pelos pés”. “Trabalhei lá oito anos, e chegou.” Sobre a questão dos resíduos tóxicos, assume: “A gente está sempre com um bocado de receio de que ainda lá esteja alguma coisa arrumada. Eles tiraram bastante, mas tiraram tudo? Eu, para aquele lado, não vou passear”.

Ao lado, está Patrícia Lima, de 33 anos. Tinha 11 quando os resíduos tóxicos começaram a ser depositados perto da sua casa. Lembra-se de brincar naqueles terrenos, de escalar “montanhas”, assim como outras crianças. “Nunca pensei que fossem resíduos perigosos, até ver uma reportagem na televisão”, conta ela, que é neta de um mineiro e uma britadeira. Sobre o medo, atira: “Fica sempre a dúvida: será que vou desenvolver algum problema de saúde devido a este crime ambiental?”.

Daniel Vieira também era miúdo à data dos acontecimentos e cresceu para se tornar presidente da Junta de Freguesia de São Pedro da Cova. “Em 2009, fui eleito e, pouco tempo depois, este assunto, que era local, atingiu uma dimensão nacional, em resultado de uma reportagem de televisão. A partir daí, desenvolveu-se toda uma ação pela remoção dos resíduos”, refere. Em 2022, foi noticiada a saída de São Pedro da Cova do último camião carregado com os mesmos, mas ainda paira sobre a população um certo medo, que é, no fundo, “o medo do desconhecido”, segundo André Amálio.

Para Daniel Vieira, a experiência de transportar aquelas vivências para o palco está a ser “incrível”, desde logo porque “dá voz àqueles que não foram ouvidos neste processo”. Lamenta, contudo, que não tenha havido “um apuramento concreto de responsabilidades”. Disso fala, já se sabe, Tribunal Mina.

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