O grupo de trabalho sobre igualdade de género no desporto defendeu a paridade em todos os órgãos sociais federativos, tendo o passo legislativo determinado um terço nestas estruturas, explicou a coordenadora.

A também vice-presidente do Comité Paralímpico de Portugal (CPP) Leila Marques confirmou à Lusa esta intenção, plasmada na alteração ao Regime Jurídico das Federações Desportivas (RJFD), que entrou em vigor no passado dia 16 de fevereiro e que determina que a proporção de pessoas de cada sexo “para cada órgão de administração e de fiscalização” de federações e ligas “não pode ser inferior a 33,3%”.

As federações têm “realidades muito diferentes”, mas a coordenadora mantém o otimismo de que se possa “cumprir” esta legislação, “com mais ou menos dificuldade”, mesmo que as propostas não tenham chegado aos principais cargos de forma explícita, como o de presidente ou secretário-geral.

“Quanto maior a abrangência dos órgãos sociais, mais igualitário teremos o desporto. Uma das grandes preocupações do grupo de trabalho, quando estava em vigência, era podermos propor propostas que fossem exequíveis”, reflete Leila Marques.

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No dia em que esta lei entrou em vigor, contactado pela Lusa, o secretário de Estado da Juventude e do Desporto, questionado sobre a abrangência da lei e se esta se limita apenas às direções e conselhos fiscais ou a todos os órgãos sociais, incluindo Assembleias-Gerais, remeteu para o debate na Assembleia da República.

“As dúvidas interpretativas, a existirem, devem recorrer ao espírito do legislador, ou seja, ao debate parlamentar e às propostas que deram origem ao diploma”, rematou João Paulo Correia.

As recomendações do grupo de trabalho para a igualdade de género no desporto defendiam a aplicação global, tal como confirmou agora Leila Marques, cuja estrutura que liderou pretendia “estabelecer uma quota de representação de 50% para o sexo sub-representado em todos os órgãos de decisão”.

“Foi proposto o que entendemos ser possível sem prejudicar o desporto nacional. Foi o caminho que se encontrou, para podermos crescer, colocar mulheres em lugares de tomada de decisão. Para que sejam ouvidas e contribuam para o crescimento daquela modalidade, e, consequentemente, de futuro, tenhamos mais mulheres presidentes nas federações”, comenta.

O artigo 4.º da Lei n.º 23/2024, de 15 de fevereiro, especifica que “a proporção de pessoas de cada sexo a designar para cada órgão das federações desportivas não pode ser inferior a 20%, a partir da primeira assembleia geral eletiva após a entrada em vigor da presente lei, e a 33,3%, a partir da primeira assembleia geral eletiva após 01 de janeiro de 2026”.

De acordo com a mesma lei, o incumprimento determina a nulidade do ato de designação destes órgãos, devendo ser sanadas estas irregularidade em Assembleia Geral.

Três mulheres que presidem a federações desportivas querem mais paridade

O universo de federações desportivas em Portugal conhece apenas três presidentes de direção mulheres em exercício, que expressam, à Lusa, um desejo de mudança e maior paridade para mudar o próprio desporto no caminho do progresso.

Aos 53 anos, a médica dentista Marina Rodrigues lidera a Federação Portuguesa de Dança Desportiva (FPDD), desde novembro de 2021, e tem “aprendido muita coisa e conhecido pessoas fantásticas”, com homens que são “verdadeiros cavalheiros”, revela.

“Não vejo discriminação por ser mulher. (…) Gostava bastante [de mais mulheres presidentes]. As mulheres têm um valor acrescentado, muita coisa para dizer, e podem trazer mais-valias ao desporto em várias frentes”, comenta.

Lembra a necessidade de se ter “noção do volume de trabalho que implica”, numa federação “com poucos recursos financeiros” e uma modalidade olímpica, o breaking, e um compromisso em que a vida pessoal, e sobretudo para as mulheres, dada a maternidade e outras pressões sociais, pode ‘pesar. “É com certeza um bloqueio, sobretudo mulheres com crianças pequenas. Enquanto tive os meus filhos pequenos, nem sequer pensava no cargo”, conta a antiga juiz de prova e presidente associativa.

Na Federação Portuguesa de Lohan Tao Kempo (FPLK), que regula a prática da arte marcial kempo no país, está Vera Rebelo, que destaca um papel “bastante gratificante” no crescimento da modalidade e como “voz ativa numa sociedade ainda maioritariamente patriarcal”.

Sem ter encontrado diferenças de maior na federação, em que o trabalho “é reconhecido pela competência, profissionalismo e resultados, e não em função do género”, lidera uma modalidade com milhões de praticantes pelo mundo fora, e cerca de 70% deles homens.

Em Portugal, destaca, a realidade de cerca de 12 mil praticantes aproxima de 42% o número de mulheres, e a federação espelha uma paridade diferente, com a presença do género feminino nos órgãos sociais daquela entidade a rondar os 60%.

Aqui, a voz feminina vai mais longe e chega a ocupar vários lugares por inteiro, como se pode constatar na página dos órgãos sociais na Internet, com a Mesa da Assembleia Geral, por exemplo, com Irina Pimenta como presidente, Maria Agostinho como vice e Tânia Dias como secretária.

Também o Conselho de Disciplina é 100% feminino, com Sara Coelho Machado a presidente, Sílvia Varão e Andreia Almeida vogais, e Liliana Carvalho suplente — as alterações ao Regime Jurídico das Federações Desportivas (RJFD), para fomentar a paridade nestes organismos, aprovada este mês, estipula um quinto de cada género até ao fim de 2025, um terço depois disso.

“É importante a igualdade de representação de homens e mulheres nos órgãos sociais das federações. É pena que isto não seja um conceito natural e intrínseco na sociedade e que seja necessário criarem leis para nos dizerem como devemos agir em relação ao tema de igualdade de género e a não discriminação”, lamenta a dirigente federativa.

Vera Rebelo deixa, de resto, um conselho a mulheres que queiram enveredar pelo dirigismo: “que acreditem que o sucesso não tem género e que é importante lutar por mais oportunidades e reconhecimento”.

Quem fala muito com Vera Rebelo sobre a experiência federativa é a advogada Cesaltina Conceição, mulher de muitos ofícios — além do direito, preside aos destinos da petanca nacional e é deputada à assembleia de freguesia de São Brás de Alportel, em Faro.

Foi jogadora de petanca, tem curso de delegada técnica e de árbitra, integrou o Conselho de Disciplina e agora preside à Federação Portuguesa de Petanca (FPP) que procura rejuvenescer uma modalidade envelhecida e aumentar a base de jogadores, além de a aproximar das práticas e regulamentos internacionais.

“Já vamos tendo infantis, cadetes, juniores e sub-23, mas temos uma média etária muito mais velha, portanto dos 40 para cima, com jogadores na casa dos 50, 60, 70 anos. Aí, é difícil mudar a mentalidade, e claro que, como mulher, eles não demonstram muito, mas sinto [diferença]”, explica à Lusa.

Essa diferença, admite, sente-a mais subterrânea no dia a dia, sem “tratamento diferente”, embora que, no calor do jogo, já tenha ouvido alguns desejos de que saia da modalidade, mais pela questão das regras do que pelo género.

A alteração legislativa aprovada este mês, diz, “vem tentar mudar um bocadinho essa modalidade”.

Se “vão aparecer mais mulheres”, também teme que sejam escolhidas “só porque têm de as pôr lá”, como viu acontecer na política.

Ainda assim, pede “maior sensibilização” para a questão, vê também o problema de conciliação entre a vida e a federação, mesmo que “quem corra por gosto, não canse”, e destaca que mais mulheres ‘geram’ mais mulheres a participar.

“Se tivermos mais mulheres, faz com que as modalidades sejam vistas de outra forma pelas mulheres. Mesmo aqui, na petanca, sentem, em relação à presidente, uma forma diferente de apoio. (…) Com mais mulheres nas federações mais pequenas, até nas grandes, o desporto podia ser visto de outra forma pelas mulheres”, reforça a líder da FPP desde 2020.