Um social-democrata e ex-ministro da Justiça (Fernando Negrão), um socialista e presidente da SEDES (Álvaro Beleza) e um democrata-cristão e advogado (Diogo Feio).

Que reforma da Justiça defende o Manifesto dos 50?

[ Ouça aqui o programa “Justiça Cega” desta semana ]

Dois foram convidados por Rui Rio, ex-líder do PSD, e um por David Justino, ex-ministro da Educação de Durão Barroso, para subscrever o Manifesto dos 50 que defende a reforma da Justiça, entre duras críticas ao “poder sem controlo” do Ministério Público e à comunicação social e o seu alegado contributo para “julgamentos populares”, “atropelos grosseiros aos mais elementares direitos de muitos cidadãos” e “boicotes à investigação”, segundo o texto.

O Manifesto dos 50 foi o tema exclusivo do programa “Justiça Cega” da Rádio Observador e o mínimo que se pode dizer é que existe uma grande pluralismo de ideias entre os subscritores do manifesto.

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De forma unânime, Fernando Negrão, Álvaro Beleza e Diogo Feio querem uma reforma urgente da Justiça, dizem que concordam com o essencial do texto do manifesto mas não subscrevem a totalidade das críticas preconizadas e recusam a mudança do posicionamento institucional do Ministério Público e qualquer espécie de controlo político titular da ação penal. O mesmo se diga sobre a destituição da procuradora-geral Lucília Gago ou a análise dessa hipótese por parte do Conselho de Estado — propostas que Rui Rio e Ferro Rodrigues, dois dos grandes inspiradores do manifesto, apresentaram publicamente no dia em que o texto do manifesto foi conhecido.

“Houve muita especulação sobre as motivações pelas quais apareceu este manifesto. Da minha parte, quero negar algumas motivações que foram aí postas na praça pública. Não há qualquer intenção de pressionar a Justiça sobre processos judiciais concretos. Em segundo lugar, também não defendo que se silencie a comunicação social em relação aos processos. E, em terceiro lugar, a minha motivação nada tem a ver com processos mais mediáticos do que outros. A motivação é pura e simplesmente, sublinho a traço gordo, que se dê um passo inicial importante para que haja uma reforma na justiça em Portugal”, começa por dizer Diogo Feio, ex-deputado do CDS e advogado do escritório SRS Legal.

Questionado sobre o facto de o manifesto ter feito uma referência explícita ao processo judicial que envolve António Costa, censurando o facto de ao fim “longos cinco meses” após a demissão do ex-primeiro-ministro “nem sequer se dignou” o Ministério Público a “informá-lo sobre o objeto do inquérito nem o convocou para qualquer diligência processual”, mas nada ter dito sobre inúmeros casos de cidadãos anónimos que são investigados, acusados, julgados, condenados rapidamente e muitas vezes nem sequer têm dinheiro para advogados para interpor recursos, Fernando Negrão explicou que tal referência se destinou a provocar um efeito mediático.

“Se não forem casos mediáticos, eles não aparecem na comunicação social. E não aparecendo nos media, a sensação que dá é que não há problema nenhum na justiça”, diz. Contudo, o ex-ministro da Justiça defende “uma reforma da justiça para todos, não uma proteção” para a classe política.

Um Conselho Superior Judicial ou de Justiça único? Ou uma reforma assente em questões práticas?

Álvaro Beleza, por seu lado, diz, citando vários estudos e propostas que a associação SEDES já apresentou publicamente, “há três reformas que a mim são absolutamente essenciais nos 50 anos de 25 de Abril: a reforma do sistema político, do sistema eleitoral e a reforma da Justiça”, diz.

Beleza defende, por exemplo, a criação de um Conselho Superior Judicial único — que una as competência do Conselho Superior da Magistratura, do Conselho Superior do Ministério Público mas também do Conselho dos Julgados de Paz, do Conselho Superior dos Oficiais de Justiça e do Conselho Superior da Ordem dos Advogados.

Como também propõe, no seguimento da proposta da SEDES, que o procurador-geral da República “até tenha mais independência e autonomia, mas que tenha escrutínio no Parlamento. Isto é, que tenha que ir todos os anos ao Parlamento, apresentar a sua actividade”.

Mas que, das duas uma: ou “seja nomeado pelo Presidente da República, sem indicação do Governo”; ou que seja eleita no Senado, uma câmara alta que a SEDES defende que deve ser criada no âmbito da Assembleia da República.

Diogo Feio tem uma proposta de criação de um novo órgão — e não uma unificação de órgão de auto-governo da Justiça já existentes —, com a designação de Conselho Superior de Justiça que seria liderado pelo Presidente da República, porque entende que é importante promover “uma alteração na governance da Justiça”.

Apesar de ter consciência de que ideia “necessitaria de uma revisão constitucional”, o ex-deputado do CDS entende que tal órgão é fundamental para melhorar a governação da Justiça, visto que os seus membros seriam indicados pelo “Presidente da República, Assembleia da República e teria  elementos, por inerência, do Conselho Superior da Magistratura e do Conselho Superior do Ministério Público”, explica.

Fernando Negrão, por seu lado, discorda “profundamente desse tipo de reformas neste momento. Ou nós temos uma ideia prática para aquilo que são as reformas da justiça e o funcionamento da justiça, ou então vamos para a superestrutura dos sistema e não fazemos reforma nenhuma. É isso que infelizmente tem acontecido bem agora”, enfatiza.

Pode ouvir aqui estas e outras propostas no podcast do “Justiça Cega”