O Teatro do Bairro estreia “Mãe Coragem”, de Bertolt Brecht, no sábado, no Centro Cultural de Belém (CCB), em Lisboa, assumindo como temas transversais uma crítica à guerra e ao conformismo, e à monstruosidade dos grandes conflitos como negócio.

“Mãe Coragem”, que conta com Maria João Luís no desempenho da protagonista da obra, Anna Fierling, teve a primeira versão escrita por Brecht em 1931-1932, pouco antes do seu exílio na sequência da subida de Hitler ao poder em 1933, quando já era notório o avanço do nazismo na Alemanha. A peça, que tem por raiz o romance do escritor russo Máximo Gorky, vindo de uma época de guerra e luta de contra a opressão czarista, põe também em cena o conflito entre moral e necessidade de sobrevivência.

Num espectáculo que “está a ser preparado há quatro anos”, como o encenador António Pires disse à agência Lusa, a “peça maior” de Brecht surge agora em palco depois de ter feito um espectáculo para o Teatro da Terra sobre a vida de Helen Weigel, a mulher de Brecht, que protagonizou “Mãe Coragem” durante anos.

António Pires considera o texto de Brecht “quase perfeito” “do ponto de vista da escrita, da economia das palavras, do que é dito e do que é direto”. Para o encenador, a sua escolha para palco é óbvia, não apenas para assinalar o 20.º aniversário do Teatro do Bairro, como também por pôr em palco “a guerra, que está cada vez mais [para dentro das] portas da Europa”.

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Admitindo que sempre pensou pôr em cena este texto de Brecht, o encenador disse que a ‘chave’ reside sobretudo em “encontrar a atriz certa para o fazer”.

“Acho que à Maria João cola-lhe aquele papel de uma forma certeira”, frisou, citando a capacidade que a atriz tem de “passar aquelas ideias de uma forma muito emocionante”.

Com o que se está a passar no mundo, com as guerras que existem, com as guerras à porta da Europa, ou mesmo na Europa, disse António Pires, “ler aquele texto é absolutamente impressionante”.

“Aquilo ganha uma atualidade… Parece que foi escrito ontem”, frisou, recordando ser também um “refugiado de guerra”, já que sua mãe se viu obrigada a fugir com ele e seu irmão quando eclodiu a guerra civil em Angola.

“Mãe coragem” centra-se em Anna Fierling, vendedora ambulante que vive do comércio que a guerra lhe permite, e nos seus três filhos, Queijo-Suíço, Eilif e Kattrin. Apesar de todos os esforços, Anna não evita que o conflito lhe leve os filhos.

A realidade da guerra é posta em palco de uma forma muito objetiva e crua, ao mesmo tempo que se vão desfiando críticas ao poder e às instituições, como a Igreja, num texto “muito certeiro e pertinente”, quando a guerra já chegou à Europa – algo que há muito não se pensava que pudesse acontecer, disse António Pires.

A sua maior dificuldade para pôr a peça em palco, confessou, foi tentar elevar-se ao nível de qualidade do texto.

“É pôr em cena uma das funções mais nobres que o teatro tem, que um grande texto tem, que é transformar-se e ser muito atual e chamar a atenção, de uma forma muito direta, viva, para um determinado assunto, que neste caso é a guerra”, enfatizou.

A ação é acompanhada por um coro participativo que canta canções sobre poemas de José Saramago.

Com récitas de sábado e domingo, pelas 19:00, no Grande Auditório do CCB, “Mãe Coragem” terá também mais duas récitas, nos dias 17 e 18 de julho, no Festival de Almada. De 24 de julho a 17 de agosto, será representada nas Ruínas do Museu do Carmo, em Lisboa, sem coro, mas com canções.

Com tradução de Ilse Losa, “Mãe Coragem” conta ainda com interpretações de Carolina Campanela, Carolina Serrão, Cassiano Carneiro, Cláudio da Silva, Francisco Vistas, Duarte Guimarães, Hugo Mestre Amaro, Jaime Baeta, João Barbosa, João Sá Nogueira, João Veloso, Mário Sousa, Ricardo Aibéo e Sofia Marques.

A música é de Miguel Sá Pessoa e João Sampayo, como solitas em acordeão está Flávio Bolieiro.

A encenação de António Pires tem cenografia de João Mendes Ribeiro e figurinos de Luísa Pacheco, desenho de luz de Rui Seabra e desenho de som de Paulo Abelho.

“Mãe Coragem” é uma coprodução do Teatro do Bairro e do CCB.

João Lourenço, em 1986, com Eunice Muñoz no papel de protagonista, e Joaquim Benite, em 2010, com Teresa Gafeira e a música original de Hans Eisler, contam-se entre os encenadores que puseram em cena “Mãe Coragem e os seus filhos”, de Bertolt Brecht, em Portugal.

A obra teve estreia portuguesa apenas após o 25 de Abril, em 1976, pela companhia de Rafael Oliveira, no Teatro da Trindade, em Lisboa.

Em 1978, A Comuna – Teatro de Pesquisa, adaptou o texto para cena e para a realidade portuguesa, numa encenação de João Mota, com música de José Mário Branco.

CP // MAG

Lusa/fim