Começava em Pau, tinha a mítica passagem pelo Tourmalet, terminava com a chegada a Saint-Lary-Soulan Pla d’Adet, podia ser a chave de todas as decisões. A análise no final foi para caminhos variados, da liderança sem possibilidade de oposição à crença de que é possível mudar as coisas, mas a 14.ª etapa da Volta a França teve o condão de funcionar como um espelho daquilo que está a ser esta edição do Tour. Com Tadej Pogacar a controlar a camisola amarela com mais uma vitória em etapa, com Jonas Vingegaard a ser aquele que mais oposição conseguiu dar ao esloveno, com Remco Evenepoel a mostrar mais uma vez a importância de ter uma equipa (que não tem) nos grandes momentos, com a Team UAE Emirates a acabar em festa. A passagem pelos Pirenéus tinha mais um ponto alto este domingo, que coincidia com o fim da segunda semana de prova e com o dia da Tomada da Bastilha, mas podia ser uma espécie de confirmação do filme da véspera.

O xeque antes do xeque-mate: Pogačar vence 14.ª etapa e fica cada vez mais perto do tri no Tour

“Foi quase instinto. A ideia era sprintar no final e ganhar alguns segundos mas assim é muito melhor”, frisou no final da etapa deste sábado Pogacar, que foi protagonista de um incidente com um adepto a atirar batatas fritas ao corredor (que entretanto foi detido). Uma forma resumida de abordar aquela que, para aqueles que estudam o ciclismo, foi uma das melhores subidas de sempre na história da modalidade. Segundo o Lanterne Rouge, o esloveno conseguiu fazer a subida a Pla d’Adet, com 10,5 quilómetros a 8% de inclinação média, em 25.08 minutos, dois minutos mais rápido do que o registo que pertencia a Lance Armstrong e quase três de outros gigantes como Miguel Indurain ou Jan Ulrich. O atual líder do Tour conseguiu manter o ataque a 27km/h durante um minuto numa pendente a 9% e chegou a um pico de 35,4km/h de velocidade.

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“Penso que o Jonas [Vingegaard] percebeu que o Tadej é superior e agora vai lutar por manter o segundo lugar e ganhar alguma etapa. Considero que o primeiro posto está muito difícil, o Pogacar é demasiado forte mas vou tentar acabar o mais acima possível. Seguir o Pogacar não me interessa, é demasiado forte. As diferenças para o Jonas é que me importam”, assumiu Remco Evenepoel, que salientou ainda a incapacidade de acompanhar o camisola amarela no ataque por estar “fechado” entre Mikel Landa e Jorgensen. “O Tadej tem um ataque muito forte. Fiz uma grande performance, por isso não posso estar muito desiludido comigo mesmo. Claro que é uma pena ter perdido 40 segundos. Os últimos três quilómetros da subida eram um pouco mais planos e até um pouco em descida, o que lhe convinha um pouco mais. Nas partes mais íngremes, recuperei algum tempo. Se posso ainda recuperar? Sim, definitivamente”, assumiu Jonas Vingegaard.

Muitos elogios para Pogacar, muitos elogios para João Almeida que, naquela que foi a etapa mais difícil que teve neste Tour até por não contar com Ayuso para ajudar nos trabalhos da equipa, aguentou a quarta posição da geral com oito segundos de avanço para Carlos Rodríguez depois de ter trabalhado para o ataque de Pogacar. “Foi uma etapa dura. Tivemos de manter um ritmo forte para tentar ganhar tempo ao Vingegaard. Saiu tudo na perfeição, por isso tenho de dar os parabéns a toda a equipa. Fizemos um trabalho de equipa perfeito. Ataque do Adam Yates? Foi sempre uma das nossas opções. Depende sempre da situação de corrida e como as coisas estão mas sim, foi muito bom”, comentou o português. “O João está numa grande forma. Estamos aqui para o Tadej ganhar mas se conseguir fazer quarto ou melhor…”, elogiou também Mauro Gianneti, manager da Tean UAE Emirates, em declarações ao Eurosport este sábado.

Estavam lançados os dados para mais uma etapa com montanha nos Pirenéus e vários candidatos à procura da sua felicidade, dos trepadores em buscar de um triunfo numa tirada apostados em fazer vingar a fuga ao próprio Jonas Vingegaard, que teria de fazer algo para mexer com a corrida. Harold Tejada foi o primeiro a tentar dar nas vistas, Ben Healy foi em busca da sua sorte, David Gaudu conseguiu passar na frente no Col de Peyresourde pelos pontos da camisola de montanha, Biniam Girmay fez um esforço para se juntar ao grupo de 21 corredores que seguiram depois para a frente e ganhou o sprint intermédio em Marignac. A partir daí, começava a “guerra” pela vitória na etapa e pelos tempos na classificação geral… a dois níveis.

Nível 1, a fuga que chegou a ter também Rui Costa (que depois acabou por quebrar), que foi registando cortes mas que acabou por ficar mais consolidada com nomes fortes de montanha como Simon Yates, Laurens de Plus, Jai Hindley, Matteo Sobrero, Lenny Martínez, Richard Carapaz, Ben Healy, Jakob Fuglsang, Guillaume Martin, Enric Mas, Alex Aranburu, Javier Romo, Louis Meintjes, Oscar Onley, Magnus Cort e Tobias Halland Johannessen, que a 150 quilómetros do final fixou a vantagem sobre o pelotão no 1.40 minutos. Nível 2, o pelotão que tinha a Visma a tentar manter uma intensidade sempre alta, não tanto para não deixar a fuga deslocar mas para colocar pressão nas unidades da Team UAE Emirates para as subidas que se seguiam.

A vantagem foi aumentando ao longo dos quilómetros que se seguiram para mais de 3.30 minutos, com a fuga a deixar de contar com Louis Meintjes (Intermarché-Wanty) devido a um furo e a cortar depois com o trio Lauren de Plus, Jai Hindley e Enric Mas a sair para a frente antes de contar com a presença de Richard Carapaz e Johannessen. Mais atrás, o pelotão sofria as consequências do ritmo que tinha sido imposto pela Visma,  ficando partido com cerca de 20 corredores onde estavam todos os candidatos e João Almeida perto de Tadej Pogacar. A 15 quilómetros do final, os cinco fugitivos tinham 2.25 minutos de avanço sobre o grupo onde andava o camisola amarela mas havia núcleos de corredores já a 28 e 38 minutos de distância.

Foi nessa altura que o português acabou por quebrar, deixando o grupo de perseguidores em duplas: Pogacar seguia com Adam Yates, Vingegaard tinha Jorgensen, Mikel Landa acompanhava Remco Evenepoel e Carlos Rodríguez seguia também na frente o que lhe conferia a subida virtual ao quarto lugar, com João Almeida a uma distância de 20/30 segundos. O ritmo ia altíssimo, com a diferença para a frente a descer para os 50 segundos a dez quilómetros do fim e o espectáculo a começar: Vingegaard atacou, Pogacar foi atrás e Remco voltou a ceder, com Carapaz a ser o último a ceder mas a quebrar a 8,5 quilómetros da meta. A luta estava a dois mas a chegada a Plateau de Beille teria apenas um líder e incontestável, com o esloveno a atacar  no momento chave, a descolar de novo do dinamarquês e a fechar praticamente a geral da Volta a França, com essa boa notícia de João Almeida ter conseguido segurar o quarto lugar e a ganhar tempo a Rodríguez.

Com as câmaras apontadas apenas aos três da frente, o português parecia meio “perdido” mas arrancou uma grande quinta posição na etapa a 4.43 minutos, atrás de Pogacar, Vingegaard (1.08), Remco Evenepoel (2.51) e Mikel Landa (3.54) mas à frente de Adam Yates (4.56), Santiago Buitrago e Carlos Rodríguez (5.08). Na classificação geral, o esloveno passou a ter agora 3.09 minutos de vantagem em relação ao dinamarquês e 5.19 minutos sobre o belga. Já João Almeida reforçou o quarto posto, a 10.54 minutos de Tadej Pogacar e agora com 27 segundos de avanço em relação ao chefe de fila da Ineos, Carlos Rodríguez (11.21).