A Comissão de Moradores da Ajuda, em Lisboa, criticou, esta quarta-feira, a ideia de “pôr 200 pessoas” no futuro centro de acolhimento temporário de imigrantes a instalar no antigo hospital militar de Belém, alertando que será “um barril de pólvora”.

“Não posso nunca ser apologista da instalação de um centro de acolhimento para 200 pessoas num bairro habitacional”, afirmou Tânia Correia, da Comissão de Moradores da Ajuda, que falava numa audição na 6.ª Comissão de Direitos Humanos e Sociais da Assembleia Municipal de Lisboa.

A munícipe falava como signatária de uma petição dirigida à Câmara Municipal de Lisboa e ao Governo para a construção de um centro intergeracional, com uma residência para idosos e uma creche, projeto que estava previsto para parte das instalações do antigo hospital militar de Belém, na freguesia da Ajuda, nomeadamente no Convento da Boa Hora.

Esta é a segunda petição apresentada pela Comissão de Moradores da Ajuda com este propósito, tendo a primeira resultado na aprovação pela assembleia municipal, por unanimidade, em março de 2023, de uma recomendação à câmara para que “concretize a criação de um centro intergeracional na freguesia da Ajuda, tal como foi prometido aos cidadãos”.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Surpreendidos em junho deste ano com a notícia de transformar as instalações do hospital militar de Belém, na Ajuda, num centro de acolhimento temporário de imigrantes, os moradores manifestaram “profunda preocupação” e, apesar de reconhecerem a urgência de se encontrar uma solução para o grave problema humanitário que afeta migrantes e pessoas em situação de sem-abrigo, consideraram “uma traição ao compromisso anteriormente assumido pela Câmara Municipal de Lisboa com a comunidade”.

Por já ter morado em Timor-Leste, Tânia Correia apoiou o acolhimento de cerca de 120 cidadãos timorenses em Lisboa, colocados num pavilhão em Campolide, lembrando que, apesar de serem todos de uma nacionalidade, fazem parte de uma comunidade dividida em grupos de artes marciais diferentes, o que criou “constrangimento muito grandes”.

Antecipando que o futuro centro de acolhimento temporário de imigrantes no antigo hospital militar de Belém vai acolher pessoas de várias nacionalidades, a munícipe e moradora na Ajuda defendeu que essa resposta deve ser a uma escala menor e apontou a disponibilidade para acolher as cerca de 100 pessoas a dormir em tendas na zona dos Anjos.

“Não queremos que, de repente, aterrem ali [pessoas em situação de] sem-abrigo sem envolver a comunidade e sem qualquer audiência local. É o mínimo”, afirmou Tânia Correia.

Também em representação da Comissão de Moradores da Ajuda, Carlos Ribeiro avisou que “pôr 200 pessoas num sítio é um barril de pólvora”, indicando que os centros de acolhimento costumam ter um horário de funcionamento, em que as pessoas têm de sair de manhã e só podem regressar ao fim do dia, o que levanta questões sobre a ocupação das mesmas durante o dia e a convivência com a comunidade.

Apesar destes alertas, a luta dos moradores da Ajuda passa pela criação de um centro intergeracional, considerando que esse projeto “não é incompatível” com o futuro centro de acolhimento temporário de imigrantes, uma vez que o antigo hospital militar de Belém é um complexo com dois edifícios, ambos propriedade do Ministério da Defesa Nacional.

Um dos edifícios é o Convento da Boa Hora, em que os moradores da Ajuda sugerem que seja utilizado para o centro intergeracional, e o outro é a parte do hospital, que foi utilizado no âmbito da pandemia de covid-19, em que propõe a instalação de “uma unidade hospitalar de cuidados continuados”, ressalvando que essa proposta pode ser implementada após o funcionamento do centro de acolhimento de imigrantes, uma vez que se prevê que seja “temporário”.

“A comunidade quer fazer parte da solução e não do problema”, sublinharam os moradores, indicando que o pedido de um centro intergeracional já vem desde 2013, porque a Ajuda é uma das freguesias mais envelhecidas e com menos estruturas de apoio.

Questionando pelos deputados, os representantes da Comissão de Moradores da Ajuda aceitaram a possibilidade de o projeto ser noutro espaço que não o Convento da Boa Hora, “desde que não seja muito longe”, inclusive no Quartel Lanceiros 2, proposta da Comissão Unitária de Reformados e Idosos da Freguesia da Ajuda (CURIFA).

O programa eleitoral da coligação “Novos Tempos” (PSD/CDS-PP/MPT/PPM/Aliança) apresentou como compromisso a construção, no espaço de um ano, de quatro centros intergeracionais com residências para idosos e creches e ocupação de tempos livres, na Ajuda, no Bairro da Liberdade, no Bairro das Garridas e na Avenida Álvaro Pais, mas que, passado cerca de três anos de mandato, continua por cumprir.