Vieram do Japão, Filipinas ou Coreia do Sul, mas também de países mais próximos como Espanha, Itália ou Sérvia. Os conferencistas nacionais e estrangeiros que estiveram no final de julho em Idanha-a-Nova, no âmbito do segundo Encontro Mundial das Bio-Regiões, têm um objetivo comum: colocar em rede dezenas de territórios que já receberam a classificação de bio-região, designação criada em 2009 pela Associação Italiana de Agricultura Biológica, com a constituição do primeiro espaço assim classificado em Cilento, na província italiana de Salerno.

Mas, antes de qualquer outra coisa, o que vem a ser isto de bio-regiões? São territórios onde agricultores e consumidores, em conjunto com o poder local, assumem uma estratégia conjunta e coordenada para a gestão sustentável dos Recursos Ambientais, sobretudo através de incentivos a modelos de produção agrícola mais equilibrados, como os que cabem na designação genérica de Agricultura Biológica. Em Portugal, a primeira bio-região foi Idanha-a-Nova (reconhecida em 2023 como a melhor da Europa), que acolheu este congresso em plena Feira Raiana, a que se somaram depois o Alto Tâmega, São Pedro do Sul e a margem Esquerda do Guadiana. E já há mais candidaturas portuguesas em preparação, como as das regiões autónomas de Açores e Madeira.

Realizado no Centro Cultural Raiano, o encontro foi sobretudo um espaço de partilha de experiências muito diferentes umas das outras. Na abertura, Pedro Machado, secretário de Estado do Turismo, afirmou ser possível (e desejável) “coordenar a atividade turística com o desenvolvimento social e cultural dos nossos recursos e as vidas das populações”, considerando que Portugal, sendo um dos países da Europa com a população mais envelhecida, “precisa de captar jovens do mundo inteiro” e que, para o conseguir, “há que saber honrar a nossa tradição de hospitalidade.”

Ao longo dos três dias de trabalhos, não faltaram histórias pessoais com caráter pedagógico. Como a de Pedro Teiga, que, por ser filho de um antigo guarda-rios, considera que é importante resgatar esta função, que zelava pela proteção das linhas de água. Tem, para isso, o apoio do Presidente da Câmara de Idanha-a-Nova, Armindo Jacinto, que se mostrou apostado em criar uma associação de filhos de antigos guarda-rios. Até porque o seu pai também o foi.

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Outra história de vida interessante é a de Jorge Cancela. Arquiteto paisagista de profissão, tem ligações profissionais a Idanha-a-Nova, já que é o responsável pela envolvente do Centro Cultural Raiano. Foi por causa desse trabalho que conheceu a pianista Maria João Pires, em Belgais. Conversa puxou conversa e, em breve, Jorge estava a acompanhá-la numa viagem a Inglaterra, que incluiu uma visita às explorações de agricultura biológica do então Príncipe de Gales, hoje Rei Carlos III. O arquiteto ficou tão impressionado, como revelou quer no Congresso, quer em conversa com a Rádio Observador, que ele próprio enveredou pela “carreira” de agricultor biológico e tem agora uma exploração a Norte de Lisboa.

No dia 31, ao longo da emissão em direto da Rádio Observador, a partir do recinto da 24ª edição da Feira Raiana, estes e outros temas foram também abordados pelos convidados em estúdio. E houve outras histórias que desmontam a ideia preconceituosa que o interior do país está morto e abandonado. Joaquim Rodrigues falou da fábrica de casas que não precisam de esgotos e de água canalizada (dispõem de pequenas estações de tratamento de águas residuais), em vias de construção no concelho de Idanha-a-Nova. O empreendimento da Biome Space, cuja primeira “pedra” foi lançada a 1 de Agosto, promete criar cerca 500 empregos na região.

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Por sua vez, Gonçalo Amorim, coordenador do Idanha FoodLab, falou do papel que a investigação científica pode assumir na qualidade da produção agrícola local e, por consequência, da nossa alimentação: “Entre outras coisas, temos feito ensaios de campo para mostrar que doenças das culturas podem ser tratadas de forma sustentável e científica.”

Mas também se deu a palavra a quem chegou de fora, atraído pela beleza da paisagem e pelo ambiente tranquilo, e criou o seu próprio negócio. Foram os casos do holandês Micha Groenengen (Sementes Vivas), que se estabeleceu em Idanha-a-Nova, onde co-produz mais de meia centena de espécies de sementes, na empresa que dirige, mas também de Tiago Lourenço, oriundo de Almada, que se dedica à produção do Azeite Egitânia. E ainda Ana Músico, sócia-fundadora da empresa Amuse Bouche, que organiza o Festival Arrebita Bio Idanha, que trouxe chefs de todo o país à feira. A preços impossíveis de encontrar noutro lugar. E Luísa Oliveira, convertida à causa da agricultura biológica.

O que muda com a classificação como bio-região? Foi isso que explicaram Miguel Freitas, ex-secretário de Estado das Florestas, e Rafael André, co-organizador do Encontro Mundial das Bio-Regiões, em Idanha-a-Nova. Por sua vez, Carlos Neto de Carvalho, diretor científico do primeiro geoparque de Portugal, mostrou-nos que no Geoparque Naturtejo podemos ver como era a Península Ibérica há milhões de anos.

Não estamos ainda no melhor dos mundos possíveis. Logo de manhã, no Contra-Corrente, o presidente da Câmara de Idanha-a-Nova, Armindo Jacinto, comentou o facto de, pela primeira vez em muitos anos, esta zona da Beira Baixa estar a receber muitas pessoas de fora, incluindo dos grandes centros urbanos. Mas ainda não é suficiente, considerou: “Em Portugal, durante os 50 anos de Democracia, conseguimos ter uma grande coesão territorial, com a construção de infra-estruturas, mas falta-nos ainda conseguir uma coesão sócio-económica. Em Portugal, o mundo rural ainda é visto como algo negativo.” Paulo Longo, programador do Centro Cultural Raiano, e o agricultor Tiago Lourenço foram os outros convidados do programa conduzido por José Manuel Fernandes, publisher do Observador, com a ajuda de João Miguel Santos.

Houve ainda tempo para o Semáforo Político e para a América Divida, com professor de Sociologia Política Nuno Jerónimo e os jornalistas Ricardo Conceição e Judite França a debruçarem-se sobre temas da atualidade como a Venezuela, o PCP e os comunistas venezuelanos.

A fechar a emissão em direto, os jornalistas Miguel Videira, Vanessa Cruz e Judite França falaram sobre os recursos e ativos da Beira Baixa e outras questões da política nacional com três deputados eleitos pelo distrito de Castelo Branco: Nuno Fazenda (PS), Liliana Reis (PSD) e João Ribeiro (Chega).