A MEO Arena recebeu esta sexta-feira, 2 de agosto, a primeira de três noites de Circus Maximus, última paragem na tour europeia de Travis Scott antes de o rapper norte-americano regressar a casa. Em vez do habitual (e arrumado) palco, uma longa e serpenteante estrutura tomou conta de grande parte da sala para que o autor de Utopia, o álbum lançado em 2023, pudesse circular junto de diferentes segmentos da plateia, apelando ao seu entusiasmo e agitação.

O ritual começou muito antes. Ainda nem havia música e já se viam dezenas de Ragers, como Scott chama aos fãs, a fazerem crowdsurf e a darem início ao culto. O concerto de abertura do sueco Yung Lean, referência internacional do cloud rap, não foi propriamente brilhante. Apagado e com um som que não o beneficiava, pode não ter conseguido encher as medidas dos muitos milhares que aguardavam ansiosamente pelo Circus Maximus de Travis Scott, mas a faísca estava tão acesa que também não a conseguiu apagar. Ouviam-se os gritos como os de uma arena romana a chamar pelos seus gladiadores.

Quaisquer palavras que possamos usar para descrever a energia sentida na MEO Arena serão francamente poucas. Estamos a falar de milhares e milhares de jovens a saltar quase ininterruptamente, num exercício de libertação que também serve para purgar a raiva, as frustrações e inseguranças, numa intensa catarse de grupo ao som de singles musculados — que ao vivo perdem parte da sua melodia e grande parte da sua delicadeza graças a uma performance algo ruidosa.

Claro que isso não é um problema quando o objetivo passa por criar moshpits de proporções épicas, numa comunhão quase alucinante alimentada a adrenalina, movida a forças, ambiente tanto construído por Travis Scott como pelo público — e este hip hop ocupa, certamente, o papel histórico de grande parte do rock; com o seu caráter transgressivo, suado, mau mas também sedutor.

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As muitas chamas e efeitos pirotécnicos que brotam da estrutura de palco intensificam ainda mais a ação. Depois da tragédia do Astroworld em 2021, festival organizado por Travis Scott e produzido pela Live Nation que acabou com 10 mortos e centenas de feridos, havia a dúvida sobre se o modelo explosivo de Scott ao vivo poderia estar em risco e ter os dias contados; mas esta tour, que também tem tido os seus excessos mas sem nenhum infortúnio, tem provado precisamente o contrário.

Mesmo que Utopia não seja também o álbum que muitos esperavam, não tendo sido tão bem recebido como os discos anteriores de Scott, a vitalidade que se sente num concerto esgotado do rapper na MEO Arena mostra que desde a sua estreia naquela sala em 2018 — na altura, enquanto cabeça de cartaz do Super Bock Super Rock — há uma nova geração de Ragers sedenta desta azáfama trap. E talvez as canções mais celebradas já não sejam Goosebumps ou Antidote, o que também é interessante e prova que Scott tem conseguido superar o seu passado — pelo menos, na relação que estabelece com o seu vasto público.

O alinhamento mergulhou nesse historial e foi ainda mais longe, evocando Mamacita — da primeira mixtape, Days Before Rodeo (2014) — ou a ainda muito aclamada Butterfly Effect, passando depois por êxitos como Highest in the Room, a mais recente I Know? e, claro, a impetuosa Sicko Mode.

Mas é difícil que o principal destaque não vá para FE!N, faixa do novo álbum que tem sido tocada repetidamente ao longo desta digressão e que em Lisboa teve pelo menos uma mão cheia de interpretações, enquanto Travis Scott ia interagindo com o público espalhado pela sala, desde as bancadas de cima a pessoas específicas captadas pelas câmaras, passando pelos fãs que, no meio da plateia, começaram a remar em grupo como se fizéssemos todos parte de um devaneio coletivo. Talvez seja a Utopia futurista a que Travis Scott se refere.

Três concertos consecutivos na MEO Arena, a principal sala de espetáculos em Portugal, não é coisa pouca. E Travis Scott é uma estrela planetária, uma das figuras de proa da nova geração do rap, que o tem levado por caminhos distintos, estabelecendo bases firmes na indústria da música. É curioso que, face a outros fenómenos pop que vimos ao longo dos últimos anos por cá, exista uma invisibilização mediática e pública tão grande em torno de um astro como Travis Scott. Tirando os (muito discretos) cartazes de Circus Maximus espalhados por Lisboa e arredores, é quase como se não tivesse acontecido. Exceto, claro, nas memórias de todos aqueles que ali passarem nestes dias. É nesta clandestinidade mediática que se forja um fenómeno francamente difícil de igualar.