Há quase um ano, a portuguesa Critical Software fez mudanças no modelo híbrido de trabalho: queria os funcionários nos escritórios pelo menos duas vezes por semana. A 22 de agosto deste ano, através de um email enviado após uma reunião geral com o CEO, João Carreira, comunicou mais alterações, que entrarão em vigor a 1 de setembro.

Entre as várias diretrizes, de acordo com informação vista pelo Observador, todos os funcionários têm de estar pelo menos duas vezes por semana no escritório, uma regra que já é aplicada desde o ano passado, mas que é agora clarificada na comunicação por escrito. Mas há quem tenha de ir três vezes por semana ao local de trabalho, como é o caso das equipas ligadas a áreas de apoio, dos líderes de equipa, de perfis mais seniores ou todos os trabalhadores recentes na empresa, que ainda estão nos seis meses de experiência previstos no contrato.

No email, estão também descritas as consequências de não cumprir com a presença no escritório, que dependerão “da recorrência e gravidade” das ausências. No caso dos trabalhadores no período experimental de seis meses, “qualquer não conformidade e semana injustificada acionará o término do contrato”.

Para quem já não está no período experimental, à segunda semana de incumprimento o perfil do trabalhador é associado a um desempenho de “contributo parcial” (o terceiro nível numa escala com cinco) e “é congelada a revisão de compensação”. À quarta semana de não conformidade com o modelo, é formalizado um processo de “falta injustificada e uma possível demissão”.

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A responsabilidade de assegurar que os trabalhadores cumprem com as alterações caberá aos líderes de equipas seniores. Isso significa que poderão os próprios líderes ser responsabilizados caso a respetiva equipa não tenha um “mínimo de 92% de assiduidade” no espaço de seis meses. Abaixo disso, é dada uma nota de “‘contributo parcial’ e é congelada a possibilidade de revisão de salário”. Segundo informação recolhida pelo Observador, a possibilidade de a baixa assiduidade presencial prejudicar a progressão salarial ou poder levar ao despedimento já circulava entre os trabalhadores como um “rumor”, mas só agora foi clarificada e ficou escrita.

A empresa considera que uma assiduidade de 92% numa equipa é um “objetivo realista”, admitindo fatores que impedem atingir o valor total, como “faltas, exceções, viagens, visitas a clientes, etc”. E, na eventualidade de uma equipa ficar aquém desta percentagem numa janela de seis meses, “deverá ter lugar uma discussão sobre se o líder de equipa é adequado ao papel”.

Na comunicação aos cerca de 1.300 trabalhadores, foi explicado que a empresa tem consciência “de que esta mudança poderá ser recebida com alguma resistência”, mas que a “decisão não foi tomada por capricho”. “Infelizmente, a adesão ao modelo híbrido não foi tão transversal quanto esperávamos; além disso, sentimos que falta colaboração, inovação e mesmo coesão de equipa em alguns momentos”.

Foi ainda reconhecido que os trabalhadores em cargos de liderança “vão ser os mais afetados”, com um pedido para que não encarem a decisão “como algum tipo de castigo” ou “um fardo”, “mas sim como uma consequência crucial do seu papel na empresa”. A presença nos escritórios é “essencial para definir o tom, promover a colaboração, mentoria e impulsionar iniciativas-chave”, reforçou a empresa, que se dedica a projetos de software em várias indústrias, como a defesa, aeroespacial ou energia.

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Na nota aos trabalhadores, a empresa admitiu a possibilidade de os sistemas para a verificação da informação “poderem não estar totalmente operacionais” na entrada em vigor das alterações ao modelo híbrido.

Empresa diz que comunicou alterações “antecipadamente”, mas evita questões sobre contratos

O Observador enviou uma série de questões à Critical Software a propósito das alterações e das consequências previstas deste modelo, nomeadamente se houve declínio de produtividade para ter de ser feita a mudança, se foram feitas alterações aos contratos de trabalho para incluir estas regras e se há espaço nos escritórios para todos os trabalhadores. E, além disso, se a empresa teme vir a perder trabalhadores que não estejam de acordo com este modelo.

A Critical Software não respondeu às questões, mesmo após insistência sobre o tema dos contratos de trabalho. Segundo informação recolhida pelo Observador, há contratos de trabalho pré-Covid que preveem o trabalho presencial e não foram alterados durante a pandemia, quando o regime híbrido passou a ser a regra (os novos é que já estarão a mencionar o híbrido).

A Critical não esclarece ao Observador se vai proceder a alterações nos contratos e enviou apenas uma declaração, que é semelhante àquela que foi feita no ano passado a propósito da primeira alteração ao modelo híbrido.

“Atualmente, a Critical Software tem em vigor um modelo de trabalho híbrido por acreditar que este é um formato que privilegia o equilíbrio entre a vida pessoal e profissional dos nossos mais de 1300 colaboradores. A flexibilidade deste modelo não só permite responder às necessidades das equipas, como também fortalece os laços dentro das mesmas, promovendo um ambiente colaborativo e dinâmico”, disse a tecnológica.

Foi mencionado como “o contacto presencial entre os colaboradores é essencial para a promoção e preservação da cultura organizacional”, descritos como “elementos essenciais” para o “sucesso” da empresa. “Temos, também, consciência de que a ausência ou redução da interação humana pode ter efeitos negativos na coesão das equipas e na manutenção dos valores que partilhamos. Numa empresa como a Critical Software, que enfrenta desafios tecnológicos complexos diariamente, a colaboração, a criatividade e um ambiente que favoreça a inovação são fundamentais.”

Esta postura já tinha sido assumida pelo CEO, João Carreira, numa entrevista à Euronews, em que defendeu que a cultura organizacional “estava a sofrer” com o teletrabalho e que “podia haver consequências muito negativas na empresa”, que “precisa desse contacto humano”. “Tivemos dúvidas se de facto conseguiríamos sobreviver a esse choque e tomámos recentemente a decisão de estabelecer dois dias presenciais, por semana, no mínimo, obrigatórios na empresa”, disse em outubro do ano passado.

A tecnológica indicou ao Observador que os detalhes do modelo híbrido “foram comunicados a todos os colaboradores antecipadamente” e prometeu “continuar a monitorizar e a ajustar” as políticas para assegurar a manutenção de “um ambiente de trabalho que fomente a inovação, a colaboração e a preservação da cultura”. Após nova insistência sobre as questões sem resposta, a empresa remeteu para a nota enviada, explicando que “de momento esta é a informação que a Critical Software tem para partilhar”.

As mudanças não estão a ser bem recebidas por muitos trabalhadores. O Observador ouviu relatos de “desconforto” pela formalização das novas exigências e pelo encerramento de dois escritórios.

Trabalhadores dos escritórios de Tomar e Vila Real vão ter de se deslocar até Coimbra ou Porto

A Critical Software, que foi criada em 1998, tem nove escritórios, quatro deles em Portugal — em Lisboa, Coimbra, Porto e Viseu. Até há alguns meses, tinha outros dois: um em Tomar, no Instituto Politécnico de Tomar, e outro em Vila Real, na Avenida Europa. O jornal Eco avançou em julho o encerramento dos dois escritórios.

João Carreira, CEO da empresa, justificou que os dois projetos “estagnaram”, avançando assim para a decisão de encerramento. Porém, explicou que estavam a tentar “assegurar coworks locais” para que um dos dias de trabalho presencial pudesse ser num local mais próximo. O CEO comprometeu-se ainda a um pagamento de “um valor mensal para transportes”, mas sem adiantar valores. Segundo apurou o Observador, no caso de Vila Real, esse valor será de 60 euros brutos.

Embora já falasse num “acordo” para um espaço de cowork em Tomar, disse que ainda estavam “à procura” de uma solução semelhante em Vila Real. O presidente da Câmara de Tomar lamentou a decisão do encerramento do escritório de Tomar. “O que apurei junto das entidades é que, efetivamente, formalmente e administrativamente, a delegação da Critical [Software] em Tomar deixará de existir. Esteve sempre em instalações do Instituto Politécnico de Tomar, sempre na casa das 20 pessoas, portanto, nunca evoluiu para além disto, o que não quer dizer que, na prática, nomeadamente para os trabalhadores afetos, venha a existir uma grande diferença”, disse à Lusa o presidente da Câmara de Tomar, Hugo Cristóvão (PS).

No total dos dois escritórios, foram afetados cerca de 60 trabalhadores, que têm de cumprir com as obrigações de dois dias presenciais nos escritórios mais próximos: Coimbra, no caso dos funcionários afetos a Tomar, ou Viseu e Porto para quem estava nos escritórios de Vila Real. Feitas as contas, são 87 quilómetros de distância entre os escritórios de Tomar e Coimbra. A diferença é ligeiramente maior entre Vila Real e o Porto ou mesmo Viseu: 95 quilómetros.

Agora, o email aos trabalhadores com as alterações ao modelo híbrido também clarificou como fica a situação de quem trabalhava nos escritórios de Vila Real e Tomar. “Para os hubs locais de Tomar e Vila Real, quando está disponível cowork, estar duas vezes [por semana] no escritório significa estar uma vez no escritório e uma vez no cowork”. Já na situação dos trabalhadores que têm de estar três vezes por semana no escritório, precisarão de ir “duas vezes ao escritório e uma vez ao espaço de cowork”.

Contactada, a Critical Software também não respondeu às questões feitas especificamente sobre os trabalhadores dos escritórios encerrados, como se já há espaços de cowork disponíveis em ambos os casos.

No final de 2023, a empresa contava com 1.285 trabalhadores (inclui Critical Software S.A., Critical Software Technologies Limited e a Critical Software GbmH, na Alemanha), uma subida de quase 15% face ao mesmo período do ano anterior. No ano passado, a empresa teve lucros de mais de 17 milhões de euros, acima dos cerca de 12 milhões do ano anterior, com o volume de negócios a subir 24% para 98 milhões de euros. Já os custos com pessoal subiram 21% para 64 milhões, que a empresa justifica com novas contratações, aumentos salariais e a “distribuição de riqueza aos colaboradores” no valor de 15,25% do salário anual.

“Para 2024 prevê-se novamente um crescimento acentuado do volume de negócios, não sendo expectável que o contexto económico global afete negativamente os resultados”, antevê a empresa no relatório e contas de 2023, consultado pelo Observador.

No mesmo documento, é referido que 2023 “marcou um regresso significativo” aos escritórios, que foi acompanhado pela “formalização da política híbrida e substanciais investimentos nos espaços de trabalho”, com intervenções nos edifícios. Além disso, salienta que foram implementados “serviços adicionais”, como a oferta gratuita de café “em todas as instalações”, equipamentos de massagem e, nos escritórios de maior dimensão, um “serviço de ‘masterchef’, que oferece ‘snacks’ e sopa ao longo do dia”.

A Critical tem entre a carteira de clientes empresas como a SIBS, Millennium BCP, Caixa Geral de Depósitos, Siemens Rail, Infraestruturas de Portugal, Medway ou a Airbus.