Durante pouco mais de uma hora e meia, a procuradora-geral da República respondeu às perguntas dos deputados da 1ª Comissão, mas muitos pontos ficaram por esclarecer — Lucília Gago não falou sobre a operação Influencer, nem explicou a razão pela qual disse numa entrevista que existia “uma campanha orquestrada contra o Ministério Público”. Os deputados quiseram saber o que está a ser feito em relação à violação do segredo de justiça, quiseram perceber qual o motivo para recorrer às escutas durante vários anos no mesmo processo e quiseram também saber se durante o primeiro interrogatório os detidos podem ficar privados da sua liberdade durante mais de 20 dias, numa referência concreta ao processo da Madeira.

O presidente da Assembleia da República, José Pedro Aguiar-Branco, também esteve presente na sessão. Ao Observador, o gabinete do presidente da Assembleia justifica a presença com “a defesa, ao longo dos últimos anos e em diferentes funções, da audição da Procuradora Geral da República” no Parlamento.

Aguiar-Branco fez questão de assistir à audição de PGR depois de ter criticado Lucília Gago

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As escutas: “Lei está bem feita”

Lucília Gago negou que o Ministério Público recorra a escutas telefónicas em excesso, como foi sugerido pelos deputados. “Tendo em conta o Relatório Anual de Segurança Interna, desde 2011, verificamos que o número de interseções telefónicas conheceu o auge em 2015. Desde então tem vindo a decrescer. As escutas carecem de autorização judicial. Há e tem de haver por parte do magistrado uma avaliação sobre a estrita necessidade de recorrer a escutas telefónicas”, explicou.

“Um eventual excesso no que respeita a interseções telefónicas pode ser suscitado no contexto do próprio excesso”, considerou. A procuradora-geral da República concretizou que havia, no ano passado, 10.553 pessoas sob escuta no âmbito de inquéritos em investigação — uma redução, assinalou, de 5 mil escutas ativas em comparação com a realidade de 2015. E mais: os inquéritos em que o Ministério Público recorre a escutas “nunca ultrapassaram os 2,5%” do total de investigação em curso. “E em 2023 não chegaram a 1,5%”, acrescentou.

Durante a ronda de perguntas, os partidos disseram estar preocupados com a duração das escutas. Do lado do PSD, ficou a questão: “Quanto às escutas, como é possível que tenhamos escutas durante cerca de quatro anos?”. O partido lamentou também que o tema não tenha sido abordado no relatório que esteve esta quarta-feira em discussão. Do lado da Iniciativa Liberal, Mariana Leitão deixou a questão a Lucília Gago: “Sendo as escutas um meio de prova incomum, o que leva o Ministério Público a fazer escutas durante quatro anos?”. E António Filipe, do PCP, considerou que existe uma “banalização do recurso a este meio de investigação”. 

PGR sobre suspeitos detidos durante 21 dias: “Os excessos de que estão crentes foram situações excecionais”

A resposta foi curta. “A lei está bem. O Ministério Público recorre a escutas quando percebe que elas são essenciais”, disse Lucília Gago. “Essas situações em que as escutas demoraram tempo longo são absolutamente excecionais e é porque se reconhece a necessidade para as finalidades do inquérito”, acrescentou.

A fuga de informações e a violação do segredo de justiça

Ainda na ronda de perguntas, os deputados também colocaram várias questões sobre a violação do segredo de justiça. Do lado do PSD, a deputada Andreia Neto diz que o seu partido está preocupado com a violação do segredo de justiça e com o facto de essa matéria não ter sido alvo de análise no relatório de atividades entregue em agosto. “Lamentamos que este relatório não tenha nenhuma referência ao segredo de justiça”, disse a social-democrata. Do lado do PS, a deputada Cláudia Cruz Santos pediu números sobre a violação do segredo de justiça — em quantos processos aconteceu?

Cristina Rodrigues, deputada do Chega, quis saber se “o segredo de justiça tem sido acautelado dentro do Ministério Público através de mecanismos” que permitam perceber que foi feita ou enviada uma cópia do processo ou do inquérito. Do Bloco de Esquerda, Joana Mortágua quis ainda saber se foram abertos inquéritos à fuga de informação, referindo que existem casos em que “a comunicação social chegou antes do órgãos de polícia criminal, buscas noticiadas ainda antes de acontecerem”. “Estes casos deram origem à abertura de inquéritos?”, questionou.

Mas a resposta de Lucília Gago chegou em jeito de aviso: “Se se pretende efetivamente perseguir e punir os responsáveis pela violação do segredo de justiça, então temos de aceitar os meios intrusivos de obtenção de prova, como as escutas telefónicas”.

Detenções durante os interrogatórios: “Os excessos de que estão crentes foram situações excecionais”

Sobre as detenções feitas no âmbito do inquérito da Madeira, em que os detidos estiveram privados de liberdade durante 21 dias, Lucília Gago desvalorizou, apontando que esta foi uma exceção. “Foi apontado como sendo imputável ao MP a permanência excessiva aquando de uma detenção em ato prévio e depois aguardando interrogatório judicial. Os excessos de que estão crentes foram situações excecionais”, explicou.

Ainda durante a pouco mais de uma hora e meia, Lucília Gago falou também sobre os recursos do Ministério Público, que constam no relatório de atividades entregue no mês passado. “Há uma diminuição de 12 magistrados, isto leva à insuficiência de magistrados”, considerou a Procuradora-geral da República.

E voltou a apontar as greves feitas pelos funcionários judiciais como uma das justificações para os atrasos nos trabalhos do Ministério Público. “A greve de funcionários judiciais tem malefícios que só daqui a algum tempo é que serão medidos. Há uma falta de 400 funcionários judiciais. Se as condições dos funcionários judiciais continuarem, é certo que podemos abrir concursos, que eles acabarão por não permanecer nesse desempenho”, disse.