Uma mãe e uma filha com perspetivas completamente diferentes do que é ser “uma boa mãe” em plena ditadura dominam a ação da peça “Sombras”, a estrear-se na próxima quinta-feira no Teatro da Trindade, em Lisboa.

A mãe assimilou os modelos de família do Estado Novo, e a filha, casada com um preso político e mãe de uma recém-nascida, vê-se obrigada a regressar à casa materna, com o marido detido. Em causa, está o que é melhor para o futuro dos filhos, com a certeza de que a possibilidade de crescer livremente nunca está garantida, seja no Portugal da ditadura, seja em qualquer outro tempo da História, “no mundo inteiro”.

“Sombras”, escrita por Miguel Falcão, venceu a 6.ª edição do prémio Miguel Rovisco — Novos Textos Teatrais, promovido pelo Teatro da Trindade, e encontra-se ligada a “23 Segundos”, peça do mesmo autor estreada em maio último pela Comuna – Teatro de Pesquisa, já que o marido da filha é um dos presos políticos dessa obra.

Encenada por Ana Nave e interpretada por Carla Maciel e Mafalda Marafusta, “Sombras” põe em cena as visões antagónicas da sociedade e da família, com a filha a sonhar uma vida em liberdade e democracia.

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“Por um lado, há uma mulher, a mãe, mais conservadora, que defende valores muito antigos, de uma época de Estado Novo em que se fala de qual é o lugar e o papel da mulher na sociedade e sobre como é que as mães devem ser”, disse Ana Nave à Lusa.

Por outro, acrescentou, temos uma filha desejosa de um mundo completamente diferente daquele com que a mãe se identifica, “e que precisa de mudar essa mentalidade para poder ver a filha crescer em liberdade e em democracia”.

Para a encenadora, o que acontece nesta peça é que, a partir de uma situação histórica em Portugal, a peça “transbordou de um texto português sobre a nossa história para o mundo inteiro”.

Afinal, “em todos os lugares, até onde menos se espera, há sombras, diferentes sombras”, há liberdades em causa, “modos de censura e repressão”.

E “continua a haver pessoas a lutar — e muitas são mulheres — para serem livres, para viverem em democracia, para verem os filhos crescer livremente”, frisou Ana Nave.

Outra das questões abordadas na peça tem a ver com o sacrifício pessoal de muitos em nome de um bem coletivo, sacrifício que, muitas vezes, faz “pôr em causa a própria vida” de quem não se conforma, observou Ana Nave.

A filha, coprotagonista de “Sombras”, por exemplo, é figura central na fuga dos cinco presos políticos de “23 Segundos”, a anterior peça de Miguel Falcão.

“Todas as questões levantadas [em ‘Sombras’] consistem em saber o que é melhor para os nossos filhos”, disse Ana Nave, sublinhando que, apesar de ter havido grandes conquistas nos 50 anos posteriores à Revolução dos Cravos, “nada é garantido”.

“Por isso, há que continuar muito atento e a lutar para que os valores da democracia e liberdade se mantenham de pé”, sustentou.

“Sombras” vai ficar em cena na sala Estúdio do Teatro da Trindade a partir da próxima quinta-feira, dia 19, até 03 de novembro, com récitas de quarta-feira a domingo, às 19:00.

A cenografia é de Rui Francisco, o desenho de luz de Tasso Adamopoulos, o desenho de som de Miguel Mendes e conta com ‘voz off’ de Ana Saltão e Catarina Guerreiro.

A 13 de outubro, haverá uma conversa com o público.c”Sombras” tem produção conjunta do Teatro da Trindade/Inatel e da RTP.