Bem sei que diz aqui no título que isto é sobre Nobody wants this em português Ninguém quer isto, série acabada de estrear na Netflix sem grande pompa e circunstância, mas com disseminação rápida e global. Tipo Covid. Até porque anda meio mundo a arfar pelo protagonista. Mas permitam-me começar por uma pequena viagem no tempo, para começo de conversa. Estava eu no meu primeiro ano da faculdade, cheia de sonhos e com um fígado ainda a fazer rodagem, e deparo-me com a cadeira “Técnicas de Expressão Escrita”. O chamado Cadeirão de primeiro ano. A cadeira leccionada pelo Prof. Carlos Pessoa que nos tratava carinhosamente ou com algum desdém (dependendo da vossa fé no mundo académico) por coitadinhos do secundário, era reconhecidamente uma debulhadora de caloiros, fama que se comprovava com o elevado número de inscrições no exame de segunda época.
Long story short, passei graças a um trabalho onde descrevia a capa do Evangelho Segundo Jesus Cristo ao longo de 20 páginas, recorrendo às ditas técnicas de expressão escrita. A segunda parte do trabalho consistia em listar as ditas técnicas e justificar as minhas escolhas. A sentença do professor foi “O texto está muito bem escrito, a defesa está uma merda”. Não serve este texto para me vangloriar dos meus feitos académicos, mas para fazer um aviso aos leitores: este texto vai ser pouco mais que um exercício de expressão escrita e nem sei se estas minhas considerações têm defesa possível. Até porque tenho muito pouco a dizer sobre a série que me parece pouco ter acrescentado ao universo, a não ser umas previsíveis campanhas de perfumes protagonizadas por Adam Brody.
[o trailer de “Ninguém Quer Isto”:]
Não é por estar a embirrar… Que estou, mas a sinopse tirou-me a vontade de viver em apenas 163 caracteres “Uma agnóstica com um podcast sobre sexo e um rabino recém-solteiro apaixonam-se. Mas pode esta relação sobreviver a estilos de vida opostos e a famílias abelhudas?” Estão comigo nesta ou não? Parece o começo de uma má anedota, já para não falar da utilização da palavra “abelhudas”. Quem é que traduziu isto? A Lia Gama? Não estou a ver mais ninguém em Portugal a dizer esta palavra com propriedade e sem ridículo. Mas voltemos à história. É de facto mais um Romeu e Julieta, versão moderninha e sem suicídio, só que em vez dos Montagues e Capulets, temos uma Julieta que come de tudo e um Romeu que come pouco e não come porco.
O que é que sucede? Joanne (Kristen Bell) e Noah (Adam Brody) conhecem-se numa festa e ficam com piquinhos nas respetivas zonas erógenas. Dá-se um equívoco que quase os afasta (recurso mais estafado que eu e eu só dormi 3 horas), mas resolvido o mal entendido a coisa dá-se. E agora? Serão eles demasiado diferentes (vómito): a família, a religião, os próprios sonhos (novo vómito). Será o amor mais forte? Muito mais é o que os une, que aquilo que os separa? (Peço desculpas, preciso de uma pausa, estou-me a ir muito abaixo).
“Ninguém Quer Isto”: a série em que tudo está certo, tirando aquilo que está errado
Pronto, já bebi uma aguinha das Pedras, estou muito melhor. O que é eu posso dizer mais? Ninguém quer isto tem umas personagens secundárias engraçadas, entre o caricatural e o estereotipado, mas que fazem sorrir. Nunca rir, não me aconteceu uma única vez em 10 episódios. O que eu diria ser um problema para uma série que está catalogada como comédia na plataforma de streaming. Mas o problema pode ser meu. Muitas vezes, é. O casal protagonista tem química, o que é essencial num formato deste género. Uma comédia romântica que não arranque um ou outro suspiro voluntário é um falhanço épico. Uma falha maior até do que a ausência de gargalhadas proporcionadas, diria.
E atenção, eu não tenho absolutamente nada contra comédias românticas. Há varias que eu já vi um número descabido de vezes. Inclusivamente, O Sexo e a Cidade mais que uma vez de uma ponta a outra uma mão cheia de vezes. (Nota para o editor: se me quiseres ver a destilar fel, com sangue nos olhos e vocabulário bélico, lembra-te de mim quando sair a próxima temporada de And just like that… Agradecida.) Lembrei-me da série das quatro nova-iorquinas, porque achei que as personagens de Joanne e a irmã Morgan (a maravilhosa Justine Lupe de Succession) foram bebericar aquele Cosmopolitan do início dos anos 2000.
O facto é que esta história de um amor impossível num casal heterossexual, privilegiado, num país ocidental, não me convence. Mas os protagonistas, mais concretamente o protagonista masculino convenceu muita gente. Ao que parece o mundo descobriu que precisava de um main character macho com mummy issues, problemas de assertividade, facilmente manipulável pelas expectativas da sua comunidade religiosa, cara de namorado e pinta de quem surpreende na cama. É este o galã que precisamos em 2024? O Seth Cohen de O.C. — Na Terra dos Ricos com mais barba, menos toxicidade e as mesmas camisas de flanela?
O último galã que foram buscar a um teen show foi Penn Bagdley de Gossip Girl. E aí fomos do Dan Humphrey, artista perturbado e pobretanas para o Joe Goldberg, stalker e serial killer amoral. E graças ao papel mais recente, em que ele assassinou um número de pessoas que dava para encher uma pequena sala de espectáculos, ainda havia mais gente a querer trepar por ele acima. O que é que eu concluí disto tudo que acabei de escrever? Muito pouco, que foi o mesmo que tirei da série. Sendo que já foi anunciada a segunda temporada. Eu disse que eu não tinha defesa possível. Aparentemente, ao contrário de mim, muita gente quer isto.