Jorge Nuno Pinto da Costa apresentou este domingo “Azul até ao fim”, o livro onde explora várias memórias do passado recente na liderança do FC Porto e o período imediatamente anterior a derrota para André Villas-Boas nas eleições de abril. Ainda assim, e num fenómeno que já motivou uma queixa-crime da editora Contraponto, têm sido vários os excertos a surgir nas redes sociais.

“A escolha da capa foi minha. Para morrer basta estar vivo, devemos encará-lo com naturalidade.” Pinto da Costa apresentou livro de memórias

De uma forma geral, e incluindo desde já algumas declarações do antigo presidente dos dragões na apresentação deste domingo no Centro de Congressos da Alfândega do Porto, é possível abordar as cinco principais revelações que Jorge Nuno Pinto da Costa faz em “Azul até ao fim”.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

A recandidatura e a renovação de Sérgio Conceição: as duas decisões que acabaram revertidas

Uma das primeiras revelações de “Azul até ao fim” acaba por ser uma espécie de “dois em um”: a decisão de não se recandidatar à presidência do FC Porto e a decisão de não renovar contrato com Sérgio Conceição. Ambas, como se sabe, foram revertidas cerca de um ano depois. Num dos excertos já divulgados, Jorge Nuno Pinto da Costa garante que, a 17 de março de 2023, tomou a inesperada decisão de não apresentar uma lista às futuras eleições do ano seguinte, que acabaria por perder, e também a de mudar de treinador.

Pouco mais de um ano depois, o antigo presidente do FC Porto decidiu não só recandidatar-se à liderança do clube, acabando por perder para André Villas-Boas, como também renovar contrato por mais quatro anos com Sérgio Conceição a dois dias do sufrágio — abrindo a porta à rescisão desse mesmo acordo quando o novo presidente tomou posse, para que Vítor Bruno pudesse assumir o comando técnico da equipa.

Em março de 2023, Pinto da Costa decidiu que não renovava com Sérgio Conceição e não era candidato. Um ano depois, tudo mudou

“Hoje tomei uma decisão. Vou cumprir o meu mandato até maio de 2024, mas depois não me recandidatarei. Dediquei a minha vida ao FC Porto, e vivi momentos felizes e inolvidáveis. Mas tudo tem um fim e se Deus me der vida e saúde terminarei a minha missão com 42 anos de presidência e 86 anos de idade. Tenho a consciência de que ‘lancei’ para o sucesso muita gente. Desde empresários, treinadores, jogadores e dirigentes, tenho imenso orgulho no seu sucesso”, pode ler-se no excerto já divulgado.

“A minha última aposta como treinador foi Sérgio Conceição, então treinador do Nantes. Contra a vontade de muitos, assumi essa contratação, na certeza de que triunfaria, como felizmente triunfou. Mas, porque faço da lealdade uma condição essencial para conviver, depois das declarações de Sérgio Conceição após o jogo FC Porto-Inter, não tenho condições de pensar em renovação, e depois desta desilusão, disse a mim mesmo: basta! Vou sair de consciência tranquila e continuarei a fazer o melhor que possa pelo amor da minha vida – o FC Porto”, acrescenta, referindo-se a uma flash interview do treinador na Liga dos Campeões.

Na altura, na sequência de um empate sem golos contra o Inter Milão que motivou a eliminação nos oitavos de final da competição europeia, Sérgio Conceição abordou a política de vendas e contratações do clube e não poupou palavras. “Muitas vezes andamos aqui às voltas daquilo que é o meu silêncio, do ruído que existe no futebol e tudo o que temos feito aqui parece que depois é zero… Tudo o que fazemos com 30% do plantel da equipa B, outros 40% que vieram de equipas médias como Santa Clara, P. Ferreira, Famalicão, Rio Ave e depois o mérito é zero, falam do Otávio, do Taremi que se atira para o chão, do Sérgio Conceição que é um arruaceiro, enfim… Daí o meu silêncio… Desculpem o desabafo mas é preciso mais de toda a gente do futebol português. Com aquilo que tem, e foram cinco anos e meio muito difíceis no FC Porto, com anos de fairplay financeiro, sem poder ir buscar nenhum jogador e vender só para equilibrar, o trabalho é mesmo muito pouco reconhecido, perdoem-me o desabafo…”, afirmou.

A Assembleia-Geral da “vergonha”

De forma natural, outro dos assuntos abordados por Jorge Nuno Pinto da Costa é a polémica Assembleia-Geral de novembro do ano passado, que foi interrompida devido a desacatos e que foi interpretada como uma espécie de “início do fim” para o então presidente. “Acorreram cerca de 2 mil associados. O local escolhido, como em todas as Assembleias-Gerais, o anfiteatro no Piso -3, foi pequeno, e tivemos de mudar para o Pavilhão Arena. Ainda antes do seu começo previ o que podia acontecer”, começa por referir, antes de dirigir críticas claras à postura de André Villas-Boas.

“O André Villas-Boas chegou, saiu da fila, falou para as televisões e foi embora, para Lisboa, onde ia, pela manhã, participar num evento. Vinha acompanhado por um agente da PSP e pelo conhecido sportinguista ‘Dr. Agulhas’. Isto foi tudo considerado uma provocação, até porque o agente da PSP empurrou violentamente um associado que invetivou André Villas-Boas. Estava lançado o rastilho”, descreve.

“Iniciada a Assembleia-Geral, o Presidente Lourenço Pinto deu-me a palavra. Disse da minha independência da comissão dos estatutos, da isenção da mesma e da minha reprovação de três artigos. Fui ouvido sem qualquer contestação, em completo silêncio e respeito. Depois falaram o Dr. Miguel Brás e o Dr. Hugo Nunes. Enquanto iam explicando como se chegou a esta versão final dos estatutos, se não houve silêncio total, foi possível terminarem as suas intervenções. Quando o Henrique, conhecido por ‘Tagarela’, falou, iniciou-se o caos”, pode ler-se no capítulo que tem como título “Assembleia-Geral — Uma vergonha”.

As personas non gratas do funeral e exigência do azul

Tal como tem acontecido recorrentemente nos últimos anos, principalmente a partir do momento em que se tornou genericamente público que tinha sido diagnosticado com um problema oncológico, Jorge Nuno Pinto da Costa fala abertamente sobre os planos que tem para o próprio funeral — incluindo as pessoas que não quer que apareçam.

“Gostava de ter ao meu lado o António Henrique, que é o padrinho da Joana [Pinto da Costa], o Pedro Pinho, o [Adriano] Quintanilha, o Fernando Póvoas, o Luís Gonçalves, o António Oliveira, o Hugo Santos, a Sandra Madureira, o Fernando Madureira, o Caetano, o Marcos Polónia”, começa por escrever, antes de se dirigir às presenças não pretendidas.

“Não quero mal a ninguém mas porque tanto prejudicaram a paz dos meus últimos dias não gostaria que lá estivesse alguém da atual direção do clube. Nenhum dos ex-jogadores que sempre estiveram comigo e me traíram (por exemplo, Helton, Maniche, Eduardo Luís, André, Sousa). Poderia acrescentar mais nomes, como Antero Henrique, Raúl Costa, Joaquim Oliveira, Tiago Gouveia, Pedro Bragança, mas não é preciso, porque estou certo que não terão ‘lata’ para lá ir”, pode ler-se noutro excerto entretanto divulgado.

Já este domingo, na apresentação do livro no Centro de Congressos da Alfândega do Porto, o antigo presidente do FC Porto voltou a sublinhar outro pormenor que também já tinha abordado: o facto de não querer ninguém vestido de preto no seu funeral, apenas de azul. “Não quero ver lá ninguém de luto ou de preto em sinal de tristeza. Quero ver toda a gente vestida de azul. Por três razões: azul é cor do céu, do manto da Nossa Senhora e do FC Porto”, atirou.

A venda de Luis Díaz para compensar as contratações “ruinosas” de Sérgio Conceição

Nos últimos dias, outra das revelações polémicas de “Azul até ao fim” prendeu-se com a gestão do mercado de transferências durante a era de Sérgio Conceição. No livro, Pinto da Costa justifica a venda de Luis Díaz, em janeiro de 2022, com a necessidade de equilibrar financeiramente o clube depois das contratações “ruinosas” de Nakajima e Zé Luís.

“Ficámos, a dois dias do prazo dado pela UEFA, num dilema — ou vendíamos o passe de um jogador ou não íamos às competições europeias. Esta segunda solução, para mim, era inaceitável. Já tinha avisado os meus colegas que se tal acontecesse me demitiria (…) Essas dívidas eram fundamentalmente por dois atos de gestão ruinosos: a compra do José Luís e do Nakajima. Não servia de desculpa a pressão que o treinador nos fez para a compra desses jogadores, porque os culpados fomos nós em ceder a essa pressão”, escreveu, abordando depois a escolha pelo avançado colombiano.

“Tínhamos então de negociar um jogador e fomos para o mercado. Recebemos propostas pelo Vitinha, pelo Fábio Vieira e pelo Taremi, que considerei lamentáveis pois eram autenticamente um aproveitamento da nossa situação. Restava o interesse de alguns clubes pelo Luis Díaz — Liverpool, Tottenham, Newcastle, Barcelona. O que nos apresentou melhor melhores condições foi o Liverpool e foi aquele que o jogador preferiu e aceitou. Foi uma saída de um excelente jogador, mas infelizmente inevitável”, acrescenta.

Entretanto, ao jornal A Bola, fonte próxima de Sérgio Conceição lembrou que, durante os sete anos que passou no FC Porto, o treinador procurou ter o plantel mais competitivo possível, tendo em conta a “estrutura cada vez mais débil e as graves limitações impostas pelo fairplay financeiro”, resumindo ainda os resultados financeiros dos dragões no mesmo período, com 347 milhões de euros de receitas na UEFA e mais de 530 milhões em vendas de jogadores.

A capa que chocou e que foi uma decisão própria

Por fim, também este domingo e já na apresentação, Jorge Nuno Pinto da Costa assumiu total responsabilidade pela polémica capa do livro, onde surge junto a um caixão com uma bandeira do FC Porto, e garantiu que nem sempre teve intenção de editar e publicar o que foi escrevendo ao longo dos anos.

“Comecei a escrever não para ser um livro, escrevi para mim. Não queria que ninguém soubesse, como está escrito. Resolvi escrever para mim e senti que quem sofre um choque como sofri, que tinha um tumor maligno… É um choque. Quem passou por isso sabe do que estou a falar, quem não passou espero que nunca passe. Então resolvi escrever para mim, era uma forma de desabafar”, disse o antigo presidente dos dragões durante o discurso deste domingo.

“Acho que as pessoas que gostam de mim vão ler o livro. Encarei o diagnóstico com realidade, não tenho que me queixar. Tinha 84 anos e hoje estou com 86. Espero fazer os 87. Só tenho de agradecer a Deus a vida que me deu, que me permitiu fazer o que quis e gostava de fazer. Ter os amigos que queria e saber ignorar e esquecer os inimigos. Só peço a Deus que todos vós durem pelo menos até aos 86, como eu. Seria bom para todos”, acrescenta Pinto da Costa, reiterando que “na página 54 está escrito que o livro não era para editar” e que foi apenas “escrevendo sobre o que sentia no dia a dia”.