A associação das Unidades de Saúde Familiar acusa o Governo de fazer um “uso abusivo” do nome USF no diploma das USF C e questiona a falta de ligação entre a qualidade e carga de trabalho e os salários dos profissionais.
Numa reação à promulgação, no fim de semana, pelo Presidente da República, do decreto-lei que altera o regime jurídico de organização e funcionamento das Unidades de Saúde Familiar (USF), definindo o que são as USF C, geridas por privados e pelo setor social.
“Não se trata de USF. O que o diploma faz é extirpar tudo o que é inovador, diferenciador de uma USF e chama-lhe ‘USF’ C”, considera a Associação Nacional das Unidades de Saúde Familiar (USF-AN), acrescentando que “só está a haver uma utilização abusiva do bom nome das USF para outros fins”.
Com a atual clarificação do que são as USF C, que o Governo quer ter no terreno, a associação considera que estas unidades não podem ser chamadas USF porque para isso era exigível terem “uma equipa multiprofissional, autosselecionada, com autonomia técnica e funcional, com contratualização de objetivos e recursos para os atingir”.
Diz ainda que, para serem consideradas USF, teria de haver uma relação entre a remuneração dos profissionais e a carga e qualidade do trabalho, além da eleição do coordenador e do conselho técnico, pela equipa, e uma “gestão participativa”.
“Também não se conhecem os estudos que dizem que esta solução possa ser melhor ou menos onerosa do que as USF B”, escreve a USF-AN, numa nota enviada à Lusa, questionando como vão ser definidas as remunerações destes profissionais.
“Vão ganhar o mesmo (ou mais?) que os profissionais das USF B sem terem de cumprir os mesmos padrões de qualidade”, questiona.
Como único ponto positivo do diploma, a associação aponta o facto de o documento prever que as USF C tenham “caráter complementar face às USF modelo B“, servindo para “colmatar as necessidades verificadas numa determinada Unidade Local de Saúde (ULS), no âmbito da prestação de cuidados de saúde primários”.
Segundo a USF-AN, tal definição faz antever que, quando essas necessidades forem colmatadas por USF B, as USF modelo C deixem de existir.
A associação lembra ainda os dados divulgados na última edição do estudo “O Momento Atual da Reforma dos Cuidados de Saúde Primários em Portugal 2023/2024”, publicado este mês, que mostram que a constituição de USF C “apenas têm a aprovação de 27,8% dos coordenadores das atuais USF B”.
“Lembramos também que já houve experiências semelhantes no passado para uma carteira de serviços nos cuidados de saúde primários a que chamaram “Convenção em Concorrência” e cujos pagamentos pelo Estado pela sua atividade não tiveram evolução ao longo dos anos”, avisa a associação.
O diploma do Governo altera o regime jurídico das USF foi publicado no sábado pelo Presidente da República, que considerou a presente versão “mais clara quanto ao cabimento na Lei de Bases da Saúde e na legislação aprovada sobre as USF tipo C no último Governo constitucional” e disse esperar que a aplicação deste regime “permita ajudar a resolver necessidades muito urgentes de vazio de médicos de família”.
Segundo o decreto-lei, os profissionais de saúde das USF C não podem ter vínculos permanentes com o Serviço Nacional de Saúde nos últimos três anos, exceto em casos de formação especializada ou aposentação.
O modelo C prevê que a gestão das unidades de saúde familiar seja entregue aos setores privado ou social, com autonomia total na contratação de recursos humanos, sendo registadas e licenciadas pela Entidade Reguladora da Saúde.