A diretora do Serviço de Psiquiatria e da Unidade de Tratamento e Reabilitação da Toxicodependência da Madeira desvalorizou, esta segunda-feira, a criação de uma comunidade terapêutica como solução mais eficaz para combater o problema na região.
“Não faz muito sentido criar uma comunidade terapêutica”, disse Ivone Nunes, numa audição na Comissão Especializada de Saúde e Proteção Civil da Assembleia Legislativa da Madeira, no Funchal, uma iniciativa requerida pelo PSD para ouvir várias entidades “sobre programas de combate e dissuasão do consumo de drogas e substâncias psicoativas na região autónoma”.
No entender da responsável, citada na informação divulgada pelo parlamento madeirense sobre a audição, uma comunidade terapêutica “pretende desenraizar o utente da sua realidade, que é tóxica”, e “para que haja continuidade e viabilidade do tratamento é importante que ele se desenraíze do meio em que está inserido, e que tenha um espaço onde as memórias e as vivências relacionadas com os consumos sejam anuladas”.
Neste contexto, “uma comunidade terapêutica com utentes da região, em que todos se conhecem, seria complicado”.
Na reunião foi referido que em média, por ano, são reencaminhados cinco utentes para comunidades terapêuticas no continente.
Quanto ao Serviço de Psiquiatria e à Unidade de Tratamento e Reabilitação da Toxicodependência, está disponível internamento com seis camas, com uma taxa de ocupação de cerca de 88%. “A média de dias de internamento para desintoxicação é de 14 a 21 dias”, explicou Ivone Nunes.
Internamentos devido a consumo de droga na Madeira aumentaram com a pandemia
A responsável elucidou que a qualquer pessoa que precise de ajuda e recorra ao serviço é dada uma data para o acolhimento, “feito pelo assistente social, pelo psicólogo e pelo médico”.
“A partir daí é traçado um tratamento para a pessoa, que pode implicar ou não internamento para desintoxicação, ou tratamento em ambulatório”, indicou.
Ivone Nunes referiu que a maioria dos utentes volta a recorrer ao serviço — a sua “grande desmotivação” para o tratamento, a falta de emprego e a falta de habitação são as principais razões da recaída.
Para a especialista no tratamento das toxicodependências, é mais importante criar um centro de dia “para dar continuidade ao tratamento e ajudar a pessoa a ter uma vida com outras características”. Por isso, apelou à criação de “centros de rua, onde seja possível os utentes dormirem, tomarem banho, trocarem de roupa”.
Visando dotar o serviço de mais eficácia, a responsável salientou a necessidade de mais investimento em recursos humanos e em equipamentos.
Na sua opinião, “não foi uma mais-valia” a deslocação do serviço para o Hospital dos Marmeleiros, na freguesia do Monte, e são necessárias melhores condições de trabalho para a equipa que está sediada no Centro Dr. Agostinho Cardoso, no Funchal.
Comunidade terapêutica não é “panaceia” para problema de toxicodependência na Madeira
O diretor da Unidade Operacional de Intervenção em Comportamentos Aditivos e Dependências da Madeira defendeu, esta segunda-feira, que a criação de uma comunidade terapêutica não é “a panaceia” para resolver o problema da toxicodependência, agravado pela nova Lei da Droga.
“É importante não esquecer que uma comunidade terapêutica não é a panaceia para resolver a toxicodependência, mas sim uma unidade de saúde que tem critérios muito rigorosos para internar”, disse Nelson Carvalho, na Assembleia Legislativa da Madeira, no Funchal.
Segundo a informação divulgada pelo parlamento regional, para este especialista, a comunidade terapêutica “é apenas mais uma resposta para a Madeira e mais um instrumento que vai ficar disponível para a região para recuperar os doentes”, mas onde as taxas de recuperação são reduzidas, “apenas 3%”.
O diretor admitiu que, apesar de durante algum tempo ter sido contra este instrumento, mudou de opinião, sendo agora “a favor da comunidade terapêutica” interligada com um centro de dia, visando a introdução da pessoa na sociedade para “motivar e ocupar o toxicodependente no seu dia-a-dia”.
Falando sobre a alteração da Lei da Droga, Nelson Carvalho manifestou a sua discordância, argumentando existirem presentemente “950 novas substâncias de drogas psicoativas identificadas e monitorizadas pela Agência Europeia da Droga”.
“Em termos legislativos não tem sido fácil criminalizar estas drogas, na nossa opinião devíamos criminalizar todas as drogas”, sustentou, acrescentando que, se a lei fosse alterada, podia “facilitar as ferramentas aos polícias e aos tribunais”, porque a lei “é fundamental para um combate mais eficaz”.
Afirmando que, com a nova lei, “agudizou-se este fenómeno”, o responsável disse esperar que o “Tribunal Constitucional reverta a lei, pois o artigo 40 da nova lei da droga é assustador e preocupante”.
Contudo, Nelson Carvalho frisou que, apesar do impacto das novas substâncias psicoativas (NSP) na comunidade, “o grande problema de saúde pública é o álcool”.
“As NSP como dão alucinações, delírios e surtos psicóticos geram a violência e a agressividade, no entanto 75% dos casos registados em violência doméstica, têm álcool à mistura, assim como a maior parte dos acidentes rodoviários. A maioria tem álcool no sangue”, sublinhou, defendendo que, “não chama tanto a atenção na rua como delírios e surtos, mas não pode ser menosprezado”.
Nelson Carvalho enfatizou que “não é só a Região Autónoma da Madeira e a Região Autónoma dos Açores que têm este problema” de consumo de NSP.
“Os Países Baixos, por exemplo, estão com um problema com a substância do bloom, estão a vender em lojas em formatos de saquetas comercializadas. A Europa no geral também está a ser assolada com estas novas substâncias psicoativas”, vincou.
Na sua opinião, “a prevenção é uma das etapas mais importantes e passa por várias fases”, recordando existirem 22 projetos em curso em várias áreas desde a escola, que é a área mais trabalhada, estando a decorrer um programa em 15 escolas, desde o segundo e terceiro ciclos.
Também há uma aposta na formação aos professores na Madeira e Porto Santo, trabalho com o sindicato dos professores e é feita a monitorização em jogos da prevenção feitos para o primeiro ciclo, que estão presentes em 27 escolas da região, que abrangem 2067 alunos, indicou.
O diretor da Unidade Operacional acrescentou ainda que está a ser desenvolvido um trabalho nos contextos de meios noturnos, nos vários festivais de música e arraiais da região, considerando que “o grande desafio da prevenção são os pais”, que só “aparecem nas iniciativas do primeiro ciclo, a partir daí, raramente voltam a aparecer para complementar esta parte da prevenção”.
“Isto é uma das partes mais difíceis de combater”, concluiu.