Estávamos a 14 junho quando o ministro da Educação, Fernando Alexandre, deixou claro qual o objetivo que queria atingir até ao final do primeiro período: “Reduzir em 90%, no final do primeiro período do próximo ano letivo, o número de alunos sem aulas desde setembro.” No briefing do Conselho de Ministros em que definiu publicamente esta meta, apresentou também um conjunto de 15 medidas para colmatar a falta de professores. Esta sexta-feira, cinco meses depois, o ministro da Educação fez um ponto de situação e anunciou que a redução feita até ao momento era de 89%. Mas agora o PS duvida dos dados e põe em causa a transparência do Governo, acusando o Ministério da Educação de comparar universos diferentes.
A questão é complexa e está a causar uma “guerra de números” entre o PS e o Governo — batalha que Fernando Alexandre disse esta sexta-feira não querer travar. Os números começaram por ser avançados pelo jornal Expresso e mais tarde confirmados em conferência de imprensa pelo responsável pela Educação: na semana de 20 de novembro deste ano, 2.338 alunos estavam sem aulas a pelo menos uma disciplina desde o início do ano letivo, em setembro. Face à última semana do primeiro período do ano letivo anterior (2023/2024), houve uma redução do número de estudantes nesta situação em 89%. Significa isto que, de acordo com as contas do gabinete de Fernando Alexandre, para atingir o objetivo delineado basta reduzir o número de alunos sem professor a pelo menos uma disciplina para 2.088 (menos 250 que o universo apresentado esta sexta-feira).
Como foram feitas as coisas de Fernando Alexandre?
Questionado sobre a metodologia utilizada para fazer os cálculos que levaram aos resultados apresentados esta sexta-feira, o responsável pela Educação explicou que, à semelhança do que tem sido feito nos anos anteriores, um aluno pode ser contabilizado mais do que uma vez. Isto acontece quando o mesmo estudante não tem professor a mais do que uma disciplina (por exemplo, Português e História) desde o início do ano.
“Destes 2.338, que na verdade são menos, mais de mil são os que não têm Educação Moral e Religiosa, mas o sistema de informação não está organizado por alunos. Temos isto contado com base em horários de turma, por disciplina”, detalhou, garantindo que os dados foram todos fornecidos pela DGEstE (Direção-Geral dos Estabelecimentos Escolares).
Para chegar à conclusão de que houve uma redução de 89% do número de alunos sem professor a pelo menos uma disciplina desde o início do ano letivo, o Ministério de Fernando Alexandre teve como termo de comparação o número de alunos que estava nessa situação no final do primeiro período de 2023, ou seja, 20.887 alunos. E é este número que o PS contesta.
Qual é a acusação do PS?
Acusando o ministro da Educação de confundir “o filme com a fotografia”, a líder do grupo parlamentar do PS defendeu que, “quando falamos de alunos sem aulas, estamos a falar de dois universos diferentes“. “Um universo”, disse Alexandra Leitão, “são os alunos que, desde o início do ano letivo e até agora, estiveram continuamente sem aulas a pelo menos uma disciplina por falta de um professor; outro universo é o de alunos que, em algum momento ao longo deste período, estiveram sem aulas”.
O que o Ministério de Fernando Alexandre faz é comparar universos incomparáveis, acusa a líder parlamentar do PS: “O número de alunos que, em 2023, estava sem aulas num dado dia [comparativamente] com o número de alunos que, desde o início [deste ano letivo], esteve continuamente sem aulas”, disse Alexandra Leitão. As declarações foram feitas à margem do debate do Orçamento do Estado para 2025, em conferência de imprensa. No momento, a socialista aproveitou para lamentar as “incorreções, omissões – propositadas ou não –, falta de transparência quando toca a números”.
Simplificando: a socialista argumenta que os dados de referência usados pelo Governo relativos a 2023 (20.887 alunos sem aulas) incluem os alunos sem aulas durante todo o primeiro período e aqueles que estiveram pontualmente sem aulas (porque o professor adoeceu, por exemplo), enquanto o número apresentado para 2024 (2.338) diz apenas respeito aos alunos sem aulas durante todo o primeiro período. Isto significa que a comparação feita pelo Governo social-democrata não seria correta.
Enquanto o Governo manipula os números, 41.000 alunos continuam sem aulas. Esta manipulação estatística é um desrespeito às famílias e uma admissão tácita do falhanço das políticas educativas da AD.#PartidoSocialista#AForçaDoProgresso pic.twitter.com/g4EsN7gLGH
— Pedro Nuno Santos (@PNSpedronuno) November 22, 2024
Já ao final da tarde, o líder do PS veio acusar o Governo de “manipular” os números e de não olhar para o verdadeiro problema em cima da mesa: “Verdadeiramente importante são so 41 mil [alunos] que não têm professor ou não têm aulas a uma disciplina neste momento, mesmo que no início do ano letivo tenham tido professor a todas as disciplinas. Hoje não têm.”
Esta não é a primeira vez que o PS põe em causa os dados apresentados pelo Governo sobre o número de alunos sem professores. A 13 de setembro, o antigo ministro da Educação João Costa alertou, na Comissão Parlamentar de Educação e Ciência, para a possibilidade de o novo ministro da Educação querer inflacionar valores para, mais tarde, apresentar “como um grande resultado, uma redução com base num número que não é real”. E disse que no final do primeiro período do ano letivo 2023/2024 faltaram professores a cerca de 15 mil, número que reduziu para 2 mil no final de dezembro.
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A origem dos dados? “Têm de perguntar ao PS”, diz Ministério
Em resposta às críticas socialistas, desta sexta-feira, Fernando Alexandre acusou o PS de trabalhar os dados da DGEstE. “Têm de perguntar ao PS [a origem dos cálculos deles]. Porque os dados deles são deles, não são os dos serviços. Vi o ficheiro [do PS] esta manhã e confirmei com os dados da DGEstE. Os dados que temos são os da DGEstE e o meu gabinete não mexeu neles“, garantiu, rematando que “não estamos numa guerra de números”.
De acordo com o responsável pela Educação, não houve uma comparação de universos incomparáveis. Isto porque a forma de calcular os números continua a ser a mesma e porque os 20.886 alunos de 2023 se referem apenas ao número de alunos sem professor durante todo o primeiro período do ano letivo passado. Assim, estão em causa universos iguais, garante Fernando Alexandre.
Até porque, segundo os dados do Ministério da Educação, os 2.338 alunos sem professor a pelo menos uma disciplina desde setembro inserem-se num universo ainda maior. No total, na semana de 20 de novembro, eram 41.573 os alunos sem aulas a uma disciplina, valor onde se incluem aqueles que estão sem professor de forma contínua e aqueles que estão nesta situação de forma temporária (por exemplo por motivo de doença).
Já antes de Fernando Alexandre detalhar os cálculos que foram feitos e a origem dos números, o primeiro-ministro saía em defesa das contas do ministério do seu Governo. “Estamos empenhados em ser transparentes, verdadeiros e em fazer de forma tranquila e serena uma abordagem com critérios de rigor”, disse Luís Montenegro, acrescentando que quer evitar “falsas querelas”. E logo destacou uma medida que poderá ter impacto no número de alunos sem aulas (mas apenas a partir das próximas semanas): “Vamos acolher mais 200 novos docentes no Algarve e mais 1.200 novos docentes aqui na região de Lisboa. O que contribui de forma muito significativa.”
Além de Montenegro, também o ministro da Presidência, questionado sobre os números, defendeu os cálculos do Ministério de Fernando Alexandre, sublinhando que se trata de “um dos melhores resultados, das melhores novidades, que os portugueses tiveram em anos” no que toca à área da Educação. “Percebo que custe a alguns. É um dia histórico saber que um Governo que enfrentou o problema o resolve”, rematou António Leitão Amaro.