A verificação de alguns erros num acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, assinado por três juízes desembargadores, levou vários advogados a desconfiar da utilização de inteligência artificial para redigir o documento, referindo que o mesmo tem “parecenças várias com um texto gerado por inteligência artificial ou alguma outra ferramenta de natureza informática ou digital”, lê-se no requerimento apresentado e divulgado pelo Correio da Manhã. Em resposta à Lusa, o Tribunal da Relação de Lisboa considerou a alegação da defesa “completamente descabida”.

O acórdão em questão está relacionado com o caso de adjudicações na Santa Casa da Misericórdia e entre os vários arguidos está a antiga deputada do PSD Helena Lopes da Costa. Na instrução, o juiz Nuno Dias Costa decidiu não levar os arguidos para julgamento, mas a decisão foi revertida no mês passado com o acórdão contestado agora por vários advogados da defesa.

A defesa aponta no requerimento, também citado pelo Público, um “gigantesco e flagrante lapso, porventura de natureza informática e similar”. “O que os signatários nunca viram acontecer, como acontece neste caso, é um texto apresentado como acórdão citar artigos legais que não existem, nem sequer alguma vez existiram, e louvar-se em jurisprudência que não existe”, acrescentam.

Um dos exemplos dados pela defesa, para demonstrar que o acórdão “ultrapassa a fronteira do imaginável” está relacionado com o crime de abuso de poder, cujo artigo citado se refere ao crime de peculato, levando os arguidos a ser julgados por crimes pelos quais não foram acusados pelo Ministério Público. Além disso, acrescentam os advogados, também a referência a jurisprudência “que não existe”: “Dos 14 acórdãos citados ao longo do texto, 12 deles (…) não existem nas bases de dados internas dos respetivos tribunais superiores”.

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Mas há mais: no documento assinado pelos juízes desembargadores Alfredo Costa, Hermengarda do Valle-Frias e Margarida Ramos de Almeida há ainda a referência ao crime de participação económica em negócio, cuja redação “não encontra a mínima correspondência na lei — nem na portuguesa, nem, diga-se em qualquer outra”.

O requerimento da defesa dos vários arguidos já foi enviado há cerca de três semanas, mas os advogados ainda não tiveram qualquer resposta. Depois de noticiado o caso, o Conselho Superior da Magistratura, que não recebeu qualquer queixa sobre o assunto, defendeu que “os juízes gozam de independência e autonomia no exercício das suas funções jurisdicionais, incluindo na seleção das fontes que utilizam para se documentar e fundamentar as suas decisões”.

Esta segunda-feira, à Lusa, a juíza desembargadora que preside ao TRL, Guilhermina Freitas, garantiu que lhe foi transmitido pelo juiz desembargador relator, Alfredo Costa, “que a argumentação do recurso à inteligência artificial é completamente descabida”. “O processo está a seguir os seus trâmites normais e a decisão das reclamações ainda não foi proferida por impossibilidade de natureza pessoal de um dos juízes adjuntos”, acrescentou a desembargadora.