Chegar ao topo é a missão de qualquer atleta. Manter-se no topo é, provavelmente, a tarefa mais complicada. É uma frase clichê, bastante reproduzida por aqueles que, tendencialmente, têm mais poder, mas podia perfeitamente aplicar-se a Sir Bradley Wiggins. Despontou no ciclismo “tarde”, chegou ao World Tour apenas aos 28 anos, mas ainda a tempo de vencer a Volta a França de 2021 e conquistar oito medalhas nos Jogos Olímpicos. Contudo, quase oito anos depois do término da sua carreira, os problemas chegaram em catadupa.
Atualmente com 44 anos, Wiggins acumulou várias dívidas ao longo dos últimos tempos, que atualmente suplantam os dois milhões de euros, perdeu uma fortuna estimada em 13 milhões de libras [cerca de 15,6 milhões de euros] e declarou falência. Tudo aconteceu devido à Wiggins Rights Limited, empresa de direitos de imagem fundada em 2004 pelo ex-ciclista, a sua companheira Catherine e a sua mãe Linda. Estas empresas são utilizadas por ser menos taxadas, mas tudo começou mal já que, no primeiro ano, os fundos dos acionistas pouco ascenderam dos cinco mil euros. A partir daí a empresa começou a relatar prejuízos em quase todos os anos.
SIR BRADLEY WIGGINS ANNOUNCING RETIREMENT FROM PROFESSIONAL CYCLING. You can find the full statement on our Facebook page #WIGGINS pic.twitter.com/6S2zXM1vYT
— Team WIGGINS Le Col (@OfficialWIGGINS) December 28, 2016
Em 2009, já depois de ter conquistado dois ouros nos Jogos Olímpicos de Pequim, em 2008, Wiggins assinou com a agência de marketing desportivo MTC e começou a correr na Garmin-Slipstream (atual EF Education-EasyPost) a troco de um ordenado anual estimado de 420 mil euros. No ano seguinte chegou à Sky, a grande potência do ciclismo de estrada, onde auferiu um ordenado estimado superior a três milhões. Coincidentemente, a Wiggins Rights aumentou o investimento nessa altura. Antes de voltar a somar medalhas em Londres-2012, o inglês assinou um contrato de seis anos com a Fred Perry, marca de moda.
Com as vitórias olímpicas, na Volta a França, o prémio de personalidade desportiva do ano da BBC e o título de cavaleiro, as ações da Wiggins Rights atingiram os milhões. Foi também nessa altura que o império começou a cair, já que, em 2013, Wiggins rescindiu com a MTC devido a uma disputa pelos seus ganhos, de quase um milhão de euros. O então ciclista também teve de fechar a sua fundação de caridade, que estaria a gastar demasiados fundos, e foi acusado de utilização indevida da sua empresa de direitos de imagem. Em novembro do mesmo ano, assinou com a XIX Entertainment, de Simon Fuller, com a qual criou a 101 Ride Limited, que tinha como diretores a esposa de Wiggins e um representante da agência.
What a joy it was to be back on the bike again at the @LeTour! Signed and sealed with a win from none other than the man himself @MarkCavendish x pic.twitter.com/LWiAqkoLKq
— Brad Wiggins (@SirWiggo) July 6, 2021
Menos de um ano depois foi criada a equipa Team Wiggins, que levou à formação de mais uma empresa, a New Team Cycling. “Todas essas empresas eram subsidiárias da empresa principal, a minha empresa de direitos de imagem. Como vemos agora pelos advogados, isso foi feito propositadamente para que a empresa principal sofresse se houvesse algum problema nas outras. Deviam ter sido empresas separadas”, lamentou Wiggins, citado pelo Telegraph. O problema voltou a aparecer quando a equipa começou a ter grandes perdas, já que o orçamento inicial era de “780 mil euros”, mas foram gastos “1,2 milhões”.
“Tive que sustentar aquela equipa com o meu próprio dinheiro da Wiggins Rights. Havia muito dinheiro a sair da empresa principal para sustentar esses empreendimentos. A empresa principal sofreu os maiores golpes e acumulou uma dívida de quase 1,8 milhões de euros, que me foi atribuída como um empréstimo de diretor. Eu não era o diretor à data e tive que ser nomeado diretor para pagar o empréstimo sem o meu conhecimento. Ainda corria na altura. É uma grande confusão e eu não estava ciente da confusão até me retirar”, acrescentou. Em janeiro de 2017, Wiggins assinou com a M&C Saatchi e, um ano depois, rompeu com a XIX, o que levou as ações da Wiggins Rights a caírem para cerca de 560 mil euros. A Team Wiggins fechou, o ex-ciclista tentou voltar ao desporto no remo. Também assinou um contrato com o Eurosport e começou a estudar para ser assistente social. Em junho deste ano foi considerado falido e acumula agora dívidas superiores a 2,3 milhões de euros.
Bradley Wiggins vai competir em remo nos Jogos Olímpicos de 2020
“Houve momentos muito extremos. O último foi há cerca de um ano, sem entrar em muitos detalhes. Estive num lugar muito sombrio, num quarto escuro durante muitos dias, num hotel. O meu filho foi quem interveio e me fez perceber o modo auto-destrutivo em que estava. Recusava-me a aceitar ajuda. Pensava: ‘Nenhum terapeuta vai ser educado o suficiente para entender o que está a acontecer na minha cabeça’. Havia sempre algo a causar-me problemas, a impedir-me de ser feliz”, disse o inglês no podcast High Performance.
“Honestamente estou no melhor lugar em que estive em 44 anos de vida. Isso deve-se, em grande parte, ao facto de ter vivenciados os piores momentos e enfrentado lugares muito sombrios por várias razões. Passei os últimos cinco anos a colocar a minha vida em ordem. Finalmente, assumi a responsabilidade e saí da posição de culpar os outros”, concluiu.
“Armstrong ajudou-me muito”
A viver, provavelmente, a fase mais complicada da sua vida, Bradley Wiggins revelou recentemente que o ex-ciclista Lance Armstrong “ajudou-o muito nos últimos anos” e se ofereceu para pagar terapia em saúde mental nos Estados Unidos. No podcast High Performance, Wiggins partilhou que a ideia de Armstrong passa por levá-lo para um “lugar grande em Atlanta”, onde ficará “uma semana sem telemóvel”. Wiggins aceitou o convite, tendo em vista lidar melhor com os traumas do passado, que também incluem abusos sofridos na juventude, por um treinador.
Os dois estiveram juntos em outubro, no podcast de Lance, tendo Bradley partilhado que “devia ter prestado mais atenção” à sua situação financeira. A amizade entre ambos é notória e levou o britânico a defender o norte-americano no maior escândalo de doping do ciclismo, que levou Lance Armstrong a perder as sete vitórias na Volta a França. Bradley Wiggins afirmou que “não tolera” o uso de drogas que melhorem o desempenho físico, mas considerou que a punição de perder os resultados e ficar irradiado do desporto não foi justa quando comparada com outros ciclistas. “Ele é um bom homem. Fez o que fez. Não quero tolerar o que ele fez, todos nós sabemos disso. Mas é um pouco desproporcional comparado com o que algumas pessoas conseguem fazer neste mundo”, partilhou.
Bradley Wiggins (Gbr) winner of the World Individual Time Trial Championship in 2014. pic.twitter.com/I7ApwOUKJO
— The World of Cycling (@twocGAME) September 25, 2024
“Lance tem cinco filhos, é casado e tem um coração escondido por baixo. Ele também tem um ego do tamanho de uma casa, não me entendam mal. O ego é o motivo pelo qual ele ganhou sete Tours“, acrescentou Wiggins.