“Um novo ciclo da vida cultural portuguesa é o que fundamenta a exoneração de Francisca Carneiro Fernandes”, disse a ministra da Cultura, Dalila Rodrigues, na manhã desta quarta-feira no Parlamento, onde foi chamada depois de ter decidido afastar a presidente do CCB no dia 29 de novembro. “Acabaram-se os compadrios, os lobbies, as cunhas que levaram, de resto, à constituição da atual equipa do CCB”, afirmou em resposta à deputada do Partido Socialista, Maria Begonha. “Assalto ao CCB é absolutamente inadmissível”, disse Dalila Rodrigues.
Esta manhã, o jornal Público noticiou que a ex-presidente do Centro Cultural de Belém, Francisca Fernandes, vai impugnar a exoneração que surpreendeu o meio artístico. O episódio levou ao lançamento de uma petição, que reuniu mais de duas mil assinaturas, e à divulgação de comunicados por estruturas europeias do setor que no passado já trabalharam com a agora exonerada presidente do conselho de administração da fundação CCB.
Perante os deputados, Dalila Rodrigues reiterou a justificação para a exoneração de Francisca Fernandes com a necessidade de dar ao CCB um “âmbito nacional”. “Trata-se de garantir que o CCB passe a programar em circuito aberto, a prestar um serviço nacional”, explicou. “Deve programar de forma alargada, participada, em circuito aberto e não em circuito fechado”, continuou, “independentemente do grau de aproximação às estruturas do poder”.
“É um serviço público que o Estado por meio do CCB presta ao país. É difícil de entender? Não é, só de quem estiver de má vontade neste desígnio”, lançou. Ao Observador, a presidente do conselho de administração do CCB exonerada diz que está disponível para “mostrar a verdade” caso seja chamada a prestar esclarecimentos na Assembleia da República. Também a Comissão de Trabalhadores do CCB diz ao Observador estar “disponível para ajudar ao encontro da verdade”.
O Bloco de Esquerda e o Livre querem ouvir no parlamento a anterior presidente da Fundação Centro Cultural de Belém e a Comissão de Trabalhadores da instituição. No requerimento interposto pelo Livre, com data de terça-feira, os deputados defendem que, “dado a relevância, pertinência e atualidade deste tema, (…) não pode (…) ficar de fora do esclarecimento cabal dos acontecimentos a própria visada, Francisca Carneiro Fernandes, e a Comissão de Trabalhadores do Centro Cultural de Belém”. Também o BE entende que, “na sequência da audição da ministra da Cultura sobre a exoneração [da ex-presidente do CCB], é necessário esclarecer algumas questões”, lê-se no requerimento dos bloquistas esta quarta-feira.
No Parlamento, Dalila Rodrigues confirmou que se reuniu a 28 de maio com Francisca Fernandes — como mencionou esta última numa nota enviada à comunicação social ao início da manhã. “Reuni com a Francisca Fernandes e com os dois administradores”, começou por dizer a ministra perante os deputados. “Nessa reunião pedi à Francisca Carneiro Fernandes se queria partilhar a sua visão para o CCB comigo. Não foi capaz de o fazer”. Aliás, “até ao momento em que foi exonerada [Francisca Fernandes] não me apresentou uma linha relativa ao contrato de programa”, revela Rodrigues.
Sobre as manifestações de apoio a Francisca Carneiro Fernandes, a ministra fez por notar que na festa de Natal, há um ano, depois de tomar posse, a ex-presidente do conselho de administração do CCB anunciou um aumento salarial. “É a melhor forma de se tornar popular entre os trabalhadores”, apontou Rodrigues, notando como a atitude podia colocar em risco a sustentabilidade da instituição.
Novo presidente do CCB inicia funções a 1 de janeiro com “possibilidade de escolher uma equipa”
“Respondendo à questão do exercício em funções dos dois vogais da fundação CCB, devo dizer que é importante que a nova presidência possa ter a possibilidade de escolher uma equipa, de ter uma equipa”, disse Dalila Rodrigues. “Estou evidentemente aberta.” Segundo a ministra da Cultura, Nuno Vassalo e Silva inicia funções como presidente do CCB a 1 de janeiro.
Questionada sobre se os atuais vogais do Conselho de Administração do CCB, Madalena Reis e Delfim Sardo, se mantêm, a ministra da Cultura anunciou que “os dois vogais cessam os seus mandatos em março”. “Haverá uma equipa, um sentido de cumprimento da missão entre o presidente e os dois vogais. São três elementos, mas bastam duas assinaturas para que tenha consequência o ato jurídico ou administrativo”, disse, lembrando o processo que levou Aida Tavares ao cargo de Diretora de Artes Performativas e Pensamento. “Foi assim que aconteceu quando a Sra. Francisca Fernandes quis nomear sem processo concursal Aida Tavares”, continuou. “Nessa consideração solicitou a concordância dos dois vogais, e um dos vogais, a Dra. Madalena Reis manifestou a sua discordância. Repito: a Dra. Madalena Reis opôs-se à contratação de Aida Tavares, tendo a ata respetiva refletido essa discordância.”
Madalena Reis, confirmou o Observador junto da Comissão de Trabalhadores do CCB, é atualmente a presidente interina do CCB, tendo sido nomeada por despacho no dia 5 de dezembro. Na nota enviada à comunicação social esta manhã, e a que o Observador teve acesso, Francisca Fernandes notava: “Parece estranho que sendo a Fundação CCB dirigida por um órgão colegial, a tutela tenha concluído pelo incumprimento de apenas um dos três membros do Conselho de Administração que estava em funções”.
Dalila Rodrigues insistiu que a nomeação de Aida Tavares foi pouco transparente e diz que o antigo presidente do CCB, Elísio Summavielle, foi mesmo forçado a sair por se ter recusado “a contratar, diretamente, sem concurso, a programadora Aida Tavares”, recordou a ministra, evocando um artigo da revista Sábado. “Isso é público e está publicamente referido, não se trata de nenhuma invenção”, afirma Dalila Rodrigues. “Pelos vistos ninguém foi chamado a esta casa da democracia para esclarecer dúvidas ou prestar esclarecimentos”, disse, rematando: “Nunca será tarde.”
Questionada novamente sobre as críticas feitas à administração, a ministra da Cultura recorda a realização do festival FeliCidade, no CCB, em maio. “450 Mil euros em dois dias é absolutamente inadmissível do ponto de vista da boa gestão dos dinheiros públicos”, criticou, lembrando as remunerações de curadores que participaram neste evento. ” Não queria chegar a este ponto, não penso ser muito elevado da minha parte…”.
Confrontada pelos deputados com o facto de não ser a primeira vez que um evento no CCB lida com verbas semelhantes no mesmo espaço temporal, lembrando o festival Dias da Música, que acontecia no CCB, Rodrigues respondeu com semelhantes críticas. “Sempre fui uma crítica dos Dias da Música, como em poucos dias se gastavam 500 mil euros. Tenho esta noção muito clara e precisa de que os dinheiros públicos não devem ser apenas bem canalizados, mas alvo de escrutínio e rigor. É dinheiro dos contribuintes”, disse. “Mete-me imensa aflição que se gaste em dois dias o que corresponde à subvenção pública do estado do Museu Arpad Szenes – Vieira da Silva. Estamos a falar do mesmo montante.”
Na sequência de interpelações de vários deputados que afirmaram a necessidade de ouvir no Parlamento também a presidente exonerada, Francisca Carneiro Fernandes, Dalila Rodrigues, contestou: “Se querem ouvir a Comissão de Trabalhadores do CCB, a presidente cessante, o Dr. Elísio Summavielle, o ex-ministro da Cultura Pedro Adão e Silva, ouçam também Paula Fonseca e Margarida Serrão, que foram dispensadas para que a contratação de Aida Tavares tivesse plena justificação”.
Nomeação de Nuno Vassalo e Silva não é “favor por questões políticas”
Sobre o próximo presidente do CCB, Nuno Vassalo e Silva, a ministra da Cultura sublinha que não se trata de um “favor por questões políticas”. “Vejo nesta pergunta uma visão redutora”, defendeu-se Dalila Rodrigues, que sublinha o trabalho de Nuno Vassalo e Silva. “O seu trabalho fala por si, tem formação em história de arte e relevante experiência em gestão cultural, desempenhou funções em instituições nacionais e internacionais, por exemplo na Fundação Gulbenkian em Paris”.
Explicando que a nomeação não resulta de “uma análise curricular específica”, deu o exemplo do currículo de Francisca Carneiro Fernandes. “Muito aquém de qualquer especificação, é jurista. Nada contra, mas não vamos exibir aqui as especificidades para justificar um reconhecimento ou a ausência dele”, apontou.
Dalila Rodrigues, que tutela a pasta da Cultura desde abril, fez questão de frisar que tem nomeado “pessoas com distintos perfis, com distintas opções políticas ou mesmo partidárias”, elencando os exemplos de André Tavares e Álvaro Teixeira Lopes, na administração da Casa da Música, ou Diogo Ramada Curto, na direção da Biblioteca Nacional. “Eu sirvo o país, não estou a servir nenhum partido político”, frisou.
No seguimento das notícias publicadas sobre a comissão, Pedro Adão e Silva mostrou-se disponível para ir ao Parlamento “esclarecer” o caso. “Espero o mais rapidamente possível ser chamado à Assembleia da República para esclarecer todas as questões, em particular sobre o CCB, uma instituição que encontrei capturada pelo Senhor José Berardo e de costas voltadas para as artes performativas”, disse numa nota por escrito enviada aos jornalistas, em que explica que não pode acompanhar a audição parlamentar por se encontrar fora de Portugal.
“Dos relatos que me chegaram, registo que a Senhora Ministra tem tido como únicas formas de afirmação exonerar dirigentes, desmantelar o trabalho feito e, agora, lançar injúrias graves”, acusou Adão e Silva. “Essa postura tem sido muito prejudicial para as políticas culturais e explica o abandono que o setor sente e que tem manifestado”.