Tudo poderia ser diferente. Até à saída de Ruben Amorim, o Sporting era a equipa de todas as respostas. O conjunto adversário marcava primeiro, havia uma resposta que aparecia. A defesa contrária jogava com bloco mais baixo, havia uma resposta que aparecia. A estratégia adversária trancava o corredor central, havia uma resposta que aparecia. No Campeonato foram 11 respostas noutros tantos jogos, na Liga dos Campeões foram três respostas e meia em quatro jogos. A versão mais trabalhada da era Amorim tinha resultados práticos em campo até que um convite do Manchester United mudou tudo e todos, e trouxe sobretudo perguntas.

Foi essas perguntas que o próprio Frederico Varandas, presidente do Sporting, foi abordando no seu habitual discurso na gala dos Prémios Stromp, que pela terceira vez o distinguiu como dirigente do ano do clube. Foi dando respostas diretas a todas elas, deixou as restantes respostas nas entrelinhas e, admitindo que efetuou “o convite mais ingrato e o presente mais envenenado para um treinador”, quis mostrar que era complicado fazer melhor num contexto que o clube nunca procurou. Mais: rematou tudo isso com a garantia de que, apesar do atual momento, aquele Sporting que chegava ao Natal já a pensar na próxima temporada deixou de existir. “Não sei se vamos ser bicampeões, tricampeões, mas da forma A, B, C, D, E ou F, vamos continuar a lutar por títulos. Isso nunca mais volta para trás. Este é o lugar que nunca deveria ter deixado de ocupar. As gerações mais novas conhecem o verdadeiro Sporting. Esse é o Sporting que continuará”, frisou.

“2024 ficará na história como um dos melhores anos, das mais bonitas páginas da nossa história. É encorajador em relação ao que conseguimos mas também ao futuro. É um ano de tanto sucesso, que acabamos o ano a sentirmo-nos vítima do nosso sucesso. Venho aqui falar de forma transparente e clara sobre o momento atual. Já muito, muito foi falado… Nas conferências de despedida do ex-treinador, na apresentação do novo… Tínhamos, na verdade, um plano definido e possível de realizar, com o compromisso de todas as pessoas. No final da época passada, Ruben Amorim, um dos melhores treinadores da história do Sporting, informou-nos que seria o momento de terminar o ciclo. Queria terminar com o bicampeonato. Preparámos o grupo para isso e assim arrancámos a época, como terminámos a anterior, com uma máquina afinada”, recordou o líder leonino na parte inicial do discurso, mais virada para fora do que para dentro.

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“Um grande clube europeu chegou e o nosso treinador aceitou. A partir daqui, tudo o que estava planeado, mudou. Tínhamos planeado um fim de ciclo? Tínhamos. Seriam três campeonatos em cinco anos… O nosso treinador iria depois aceitar um novo projeto, o Sporting iria proceder a uma modificação. Iríamos iniciar um novo ciclo: terminar a época, sair dois ou três jogadores, entrar cinco ou seis, entrar um novo treinador, iniciar um novo processo, mesmo com dores de crescimento. Não foi o Sporting que escolheu o timing do fim desse ciclo. A verdade é que em novembro o nosso treinador deixa o Sporting…. O que aconteceu ao Sporting, nunca aconteceu em Portugal… É a primeira vez que um treinador saiu, por sucesso, a meio de uma época. Muitos treinadores saíram para ligas e projetos superiores mas nunca um clube perdeu um treinador a meio da época”, prosseguiu, balizando aquilo que aconteceu após a saída de Ruben Amorim.

“Sabíamos que era difícil substituir o segundo treinador com mais títulos. Podíamos antecipar o plano. Podíamos trazer alguém de fora mas com sete jogos em 26 dias, não iria ter tempo para treinar. Sabíamos, sobretudo, o grupo que temos, um grupo que ganhou tudo e de forma ímpar em Portugal. Iriam ter dificuldade em entender alguém que dissesse: agora vamos jogar assim e jogar assado. Entre os prós e os contras, antecipámos João Pereira. Um treinador que não tem tempo, tem uma máquina afinada à qual tem de se adaptar. Vou carregar este convite para o resto da minha vida como o convite mais ingrato e o presente mais envenenado para um treinador. O clube não queria que fosse este momento, o João Pereira não queria que fosse este momento. Mesmo sabendo que posso sacrificar um treinador, um jogador ou um presidente, vou sempre fazer o que considero melhor ao Sporting”, apontou Varandas.

“Não foi só isso. Perdemos Nuno Santos, perdemos Pote. Só nestes dois jogadores está uma média, em quatro épocas, de 27 golos e 21 assistências”, referiu, numa estatística utilizada já antes por João Pereira antes do encontro com o Boavista. “Tivemos Morita, Bragança, Inácio e Quaresma lesionados… Uma média, por jogo, de cinco a seis titulares fora. O que tivemos de fazer? Dois miúdos de 17 anos, com a estreia de Mauro Couto e a promoção do Arreiol. Agora tirem cinco titulares aos nossos rivais e pensem se a equipa não vai sofrer. Sofre… Só que para além do choque emocional que houve, da perda do nosso treinador, aconteceu nos nossos adeptos, staff, jogadores… Era inevitável haver um choque emocional. Aí juntamos a esse exercício… Podemos olhar para o City, que perdeu jogadores nucleares, que nos últimos 11 jogos ganhou um. A explicação para a imprensa é clara: onda de lesões. Aqui não. Cinco titulares não tem peso. O que tem peso? O chavão das quatro derrotas seguidas…”, lamentou o presidente dos verde e brancos, citado pelo Record.

“Há um ano, no melhor Sporting dos últimos 60, perdemos com a Atalanta. Há dois anos, muito criticaram por não passarmos um grupo com Marselha, Eintracht Frankfurt e Tottenham. Não temos capacidade de lutar contra estes orçamentos. Vou sempre dizer o que penso e não o que gostariam que acreditassem. Perdemos fora, em Bruges, num jogo onde fomos melhores. Perdemos um aquecimento, outro durante os 90 minutos… Outra derrota incrível. Faltam duas derrotas: Santa Clara e Moreirense. O Sporting esteve brilhante? Não. Jogou muito bem? Não. Mas analisem… Estatística não explica tudo mas não mente. Merecíamos não só empatar, como vencer. E como o Conselho de Arbitragem disse, com arbitragens infelizes. Continuo a acreditar nesse órgão. Não há nenhuma conspiração dos árbitros”, referiu Varandas.

“A equipa hoje de futebol não apresenta a qualidade que tinha. Está a sofrer? Sim. Era inevitável? Não… Neste momento, o Sporting vive circunstâncias que não foram escolhidas por si mas era impossível continuar tudo como se nada fosse com estas variáveis: choque emocional, cinco titulares, arbitragens infelizes… O plano A já foi, não há nada a fazer. O que fazemos? Lutamos, adaptamo-nos. Venho de uma instituição em que é preciso esquecer o plano A mal entramos no terreno. Entra o plano de contingência. O que fazemos? Chorar? Não voltava ninguém. Olhem para o exemplo dos nossos jogadores, do nosso capitão em campo, ele morre em campo. Olhem para o exemplo do Viktor. Viktor, Trincão, Morten… Vão para o sétimo jogo com 90 minutos seguidos. Um menino, o João Simões… Vocês não veem a frustração do Pote, do Nuno ou do Bragança, que não conseguem ajudar a equipa. O Trincão está morto e sabe que domingo não pode haver cansaço. Não é por acaso que usam o escudo de campeões nacionais”, apontou sobre a equipa.

Antes o drama era não passarmos o Natal, hoje é, se calhar, não sermos campeões outra vez. Cresci com o dezembro a pensar já no próximo ano. Mas vejo que somos líderes no Campeonato, que passámos aos quartos da Taça, que estamos na Champions e na Final Four da Taça da Liga. Um clube que tem 90% da SAD, onde acabou o medo de a entregar aos bancos…”

“Não se iludam. Muitas das críticas que existem sobre o momento dramático têm um nome: João Pereira. Mas não é a ele que são dirigidas e eu percebo. E se estivesse do lado de lá, perceberia ainda melhor. Abriu-se uma brechazinha onde os rivais achavam que voltaríamos a ser o clube que em dezembro pensaria para o ano, que está falido… Mas não. Lamento. O Sporting não volta para trás“, concluiu Varandas.