Há um lance inevitável que ficará para sempre marcado neste dia histórico para Portugal na segunda final no Campeonato da Europa de futsal: aquele em que Ricardinho, na sequência de uma linha de pressão mais alta do que é normal, recuperou a bola, avançou e disparou fortíssimo sem hipóteses para Paco Sedano com apenas 59 segundos jogados. Foi um golo fantástico do melhor jogador do mundo, que conseguiu também bater mais um recorde: depois de se ter tornado o maior goleador em fases finais de Europeus, apontou o golo mais rápido de sempre numa final da competição. Mas há outro lance que explica o porquê de ter sido um triunfo que ficará para sempre.

Com cinco minutos jogados, já depois de André Coelho ter ameaçado na área e de Bruno Coelho ter rematado a rasar o poste após nova recuperação no meio-campo espanhol, André Coelho passou para trás quando Pany Varela já estava mais à frente e os rivais ibéricos saíram para rápidos para o ataque. O remate, em zona central, acabou por sair para canto. E porquê? Além de Tiago Brito, que ficou na marcação à direita, os restantes três jogadores (André Coelho, Pany Varela e Fábio Cecílio) saltaram de qualquer maneira para o chão para evitar o tiro. E conseguiram, André Sousa viu o perigo sair pela linha de fundo com uma fabulosa entreajuda.

Em 26 encontros com a Espanha, Portugal tinha conseguido apenas uma vitória e num particular, em setembro de 2005 (3-2); de resto, quatro empates e 22 derrotas, uma das quais na única final do Europeu em que a Seleção Nacional tinha participado (2010, na Hungria, 4-2). Mas as estatísticas estiveram longe de contar na Eslovénia, onde a equipa foi apoiada por uma fantástica claque com estudantes de Erasmus.

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Durante os primeiros 15 minutos, os comandados de Jorge Braz foram superiores, mas tiveram um contratempo que seria importante no resto do jogo: Bruno Coelho sofreu uma lesão com gravidade suficiente para não voltar a entrar na quadra nos minutos seguintes. A isso acresceu um outro pormenor: a quinta falta quando faltavam ainda quatro minutos e meio para o intervalo. Portugal viu-se obrigado a baixar um pouco as linhas por estar “tapado”, teve ainda uma boa oportunidade por Nilson na sequência de um canto aliviado para a entrada da área (defesa de Paco Sedano), mas sofreu mesmo o empate a pouco mais de um minuto do intervalo, na sequência de uma combinação descaído sobre a esquerda com o remate final de Marc Tolrà a bater o guarda-redes André Sousa.

Nada estava perdido e foi isso que Ricardinho, que entretanto tinha ameaçado marcar de uma baliza à outra aos 10′ (Paco Sedano ainda conseguiu corrigir a posição excessivamente adiantada em relação à baliza), tentou transmitir aos companheiros. Ele que, antes de toda a comitiva ter rumado para a Eslovénia, tinha referido que esta equipa de Portugal tinha sangue novo e que estava pronta para escrever história, mesmo que todos os dados colocassem o conjunto espanhol como favorito à conquista do oitavo troféu na competição.

O recomeço não foi fácil: após o falhanço de Pola logo aos 15 segundos do segundo tempo, a Seleção Nacional teve um período com mais falhas de marcação e precipitações no passe. A Espanha cresceu e duas faltas desnecessárias acabaram por complicar a situação, colocando Portugal com três infrações nos primeiros três minutos e meio da etapa complementar. Mas a reação foi excelente. Cheia de raça. Seguindo o exemplo de Bruno Coelho.

O ala não estaria provavelmente a 100% após o problema físico contraído na primeira parte, mas cerrou dentes e foi de novo chamado à quadra. E entrou numa altura onde Portugal voltou a estar perto do segundo golo: após uma excelente intervenção de André Sousa a remate de Joselito na área, André Coelho acertou no poste com estrondo e Pedro Cary teve nos pés, segundos depois, a oportunidade para fazer por 2-1 (defesa de Paco Sedano no chão). Havia empate no resultado e também nas bolas ao poste, após um tiro de Miguelín ainda desviado por André Sousa (30′). O duelo ibérico parecia um encontro de siameses e o que um fazia, o outro imitava: Ricardinho atirou por cima isolado, Pola atirou por cima isolado. Grande espetáculo, com intensidade máxima e muito equilíbrio.

Estava complicado desatar o nó, mas foi a Espanha que o conseguiu fazer puxando o fio à meada na sequência de um livre em posição frontal perto da área: assistência de Miguelín, toque final de Lin encostado ao poste e 2-1 a pouco mais de oito minutos do final. De seguida, Tunha carregou Ortiz e Portugal ficou tapado nas faltas a seis minutos e meio dos 40. A tarefa começa a ficar mais complicada para as ambições nacionais e só não ficou mais porque Miguelín, na sequência de um livre direto, acertou com estrondo na trave da baliza de Vítor Hugo.

Os minutos passavam, a Espanha estava em vantagem mas a Seleção Nacional teve o mérito de nunca perder a calma em busca do empate. Jorge Braz pediu um tempo técnico a três minutos do final, deu a camisola de guarda-redes avançado a Pedro Cary. Os jogadores portugueses iam arriscar o 5×4 no resto do jogo. Mais: para o primeiro dia do resto das suas vidas. E após uma excelente combinação, Bruno Coelho, encostado ao poste, fez o 2-2 a 1.46 minutos do fim do tempo regulamentar. O prolongamento era mesmo um cenário inevitável.

A primeira parte, de cinco minutos, teve poucas oportunidades; a segunda arrancou da pior forma possível: num lance casual com Pola, em que o companheiro de equipa no Inter Movistar acabou por cair em cima do capitão nacional, o Mágico ficou a contorcer-se de dores, teve mesmo de sair ao pé coxinho amparado pelos médicos nacionais e ouviu uma enorme ovação quando passava pela bancada onde estavam os adeptos… espanhóis. Tal como Ronaldo, o melhor do mundo no futebol que se lesionou na final do Europeu de 2016 com a França, também a principal referência abandonou a quadra em lágrimas. De dor. Que passariam a ser de alegria.

A Espanha chegou à quinta falta e Solano, num lance desnecessário, acabou por cometer falta sobre Pedro Cary ainda no meio-campo de Portugal. Livre direto para Bruno Coelho. O mesmo Bruno Coelho que tinha saído com muitas queixas durante a primeira parte do tempo regulamentar. O mesmo Bruno Coelho que tinha regressado ainda com algumas limitações durante a segunda parte do tempo regulamentar. O mesmo Bruno Coelho que voltou à quadra no prolongamento, mesmo não estando nas melhores condições físicas. Esse Bruno Coelho, o Bruno Coelho que foi o melhor marcador na fase de qualificação e deixou marca nos cinco jogos disputados neste Europeu, bateu Paco Sedano e deu vantagem a Portugal quando faltavam apenas 56 segundos para o final do tempo extra. E só por isso não é Éder: o ala foi uma espécie de herói na sombra que apareceu a marcar em todos os jogos.

Os espanhóis ainda arriscaram o 5×4, tiveram uma boa oportunidade defendida por André Sousa, mas a história estava mesmo feita: ao 27.º jogo, a Seleção Nacional conseguiu pela primeira vez vencer um duelo ibérico oficial e quebrou a hegemonia da Espanha na prova (sete títulos em dez edições). André Sousa, Bebé, Vítor Hugo, André Coelho, João Matos, Pedro Cary, Nilson, Bruno Coelho, Ricardinho, Fábio Cecílio, Tiago Brito, Pany Varela, Márcio e Tunha, os 14 heróis nacionais, estão de parabéns. Tal como Jorge Braz e a sua equipa técnica. Tal como a Federação e todo o seu staff. “Tudo é considerado impossível. Até acontecer”, escreveu o Twitter da Seleção. E esse é o melhor final possível para mais uma página de glória no desporto nacional, dez anos depois da conquista do Mundial Universitário com elementos como André Sousa, Pedro Cary ou Jorge Braz na comitiva.

Portugal é campeão europeu de futsal após vencer Espanha no prolongamento