“A partir de segunda-feira, vou pegar no meu carro e vou a todos os cantos de Espanha para ouvir aqueles que não foram ouvidos.” A promessa foi deixada por Pedro Sánchez no seu discurso de despedida, onde anunciou com lágrimas a sua demissão do cargo de secretário-geral do Partido Socialista Operário Espanhol (PSOE) e o seu regresso à condição de militante de base.

Estávamos em finais de outubro de 2016 e Sánchez anunciava assim a sua saída de cena depois de uma dupla derrota política: por um lado, a incapacidade de vencer as eleições legislativas contra Mariano Rajoy; por outro, a cedência à vontade do partido, que não concordou com a proposta de Sánchez de não permitir ao Partido Popular (PP) de Rajoy que formasse Governo.

O PSOE tinha registado o seu pior resultado de sempre em eleições ao conseguir apenas eleger 85 deputados. Os barões do partido esperavam que Sánchez se demitisse de imediato, mas o político espanhol tinha outras ideias: “não é não”, disse, referindo-se à possibilidade de o PSOE se abster para que Rajoy pudesse formar Governo e propondo antes que os socialistas tentassem formar a sua própria maioria no Congresso dos Deputados. O aparelho do PSOE, contudo, não concordou e Sánchez acabaria por admitir a derrota. Disse que recusava ir contra a vontade do seu próprio partido e apresentou a demissão — do cargo de secretário-geral e também do mandato de deputado, para não ter de votar a favor de um Governo do PP.

Muitos pensaram que o episódio ditaria o fim de um político que, até chegar ao cargo de secretário-geral em 2014, era apenas um militante quase desconhecido das bases do partido. Mas não. Depois do seu périplo pelo país, Sánchez regressaria no ano seguinte — e com estrondo. Na corrida para secretário-geral, não só venceu como deixou a toda-poderosa presidente da Andaluzia, Susana Díaz, a mais de 10 pontos de distância. Sánchez, escrevia à altura o El Confidencial, conseguiu assim o impossível: “Conseguiu renascer das suas próprias cinzas. Reinventar-se. Resistir quando os seus inimigos o davam como morto. E ganhar, ganhar de forma rotunda contra os prognósticos.”

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A perseverança e a sua capacidade de resistência não foram apenas fruto destas circunstâncias, mas sim principais traços de personalidade do agora novo presidente do Governo de Espanha. No reverso da moeda está o facto de ser “por vezes pouco empático e fechado”, escreve o El País esta sexta-feira. “Os seus críticos acusam-no de ser inconsistente e irregular”, acrescenta o jornal, que caracteriza o secretário-geral do PSOE como “o sobrevivente inesperado”. E, de facto, todo o percurso de Sánchez na política não deixava adivinhar que chegaria aqui.

De fontanero na sombra até ao lugar central da política espanhola

Nascido em 1972 em Tetuán, no coração de Madrid, Sánchez cresceu numa família onde ”se respirava ambiente socialista”. O pai — um empresário que lhe emprestou o nome Pedro —, era militante do PSOE; a mãe, funcionária da Segurança Social, simpatizante. Aos 21 anos, fundou a Juventude Socialista de Tetuán, da qual foi secretário-geral, quando estudava Ciências Económicas e Empresariais na Universidade Complutense. A decisão foi uma forma de apoiar o partido, numa altura em que o socialista Felipe González estava à beira de perder as eleições, em 1993 — o que acabaria por não acontecer, apesar da perda elevada de deputados do PSOE.

Só a partir dessa altura Sánchez se conseguiu dedicar à política, já que até aí o basquetebol — que praticava desde criança — lhe ocupava grande parte do tempo. Era um “extremo com um grande físico” graças ao 1,90m de altura, recordava ao Tiempo de Hoy José Asensio, diretor-geral do clube Estudiantes onde Sánchez jogou, em 2014.

Prosseguiu os estudos académicos em Bruxelas — onde aprendeu a falar francês —, depois Navarra e de novo na Complutense. Seguiu-se o trabalho como consultor em Nova Iorque, onde melhorou o inglês — tornando-se um dos poucos políticos espanhóis a dominar duas línguas estrangeiras. Em 1996, embarca num projeto totalmente diferente, ao ser convidado para o cargo de consultor económico da ONU em Sarajevo, durante a guerra da Bósnia. Mais tarde, acabaria por trabalhar na equipa da eurodeputada do PSOE Barbara Dürhkop.

A entrada a sério na política partidária aconteceu pela mão de Pepe Blanco, de quem se tornaria fontanero — termo utilizado pelos espanhóis para definir o papel dos homens de confiança que reúnem apoios e organizam tarefas para um político mais conhecido. Para Blanco, recorda o El Diário, Sánchez fazia “geralmente o trabalho menos vistoso: redigir propaganda eleitoral, responder a emails de cidadãos em nome de outros, ou encarregar-se de mobilizar o partido nos locais mais pequenos.”

O seu perfil discreto acabaria, contudo, por levá-lo à política local de Madrid, embora graças a um golpe de sorte. Em número 23 na lista de candidatos do PSOE à Câmara, falhou inicialmente a eleição — o PSOE elegeu 21 vereadores. Um ano mais tarde, Sánchez conseguiria finalmente o lugar, depois da renúncia de Elena Arnedo.

O “sonho” de chegar ao Congresso dos Deputados

A sorte ditou que o mesmo voltasse a acontecer no Congresso dos Deputados. Candidato pelo PSOE em 2008, pelo círculo de Madrid, falha de novo o lugar. Um ano depois, contudo, tem a sua oportunidade graças à saída de Pedro Solbes do lugar de deputado. No Parlamento, Sánchez chega a porta-voz adjunto do partido na Comissão de Política Territorial.

Ao longo dos anos, Sánchez vai fazendo o seu trabalho de formiguinha enquanto deputado e cimenta o seu lugar no partido. Em 2011, dizia em entrevista ao El País não ter grandes ambições políticas: “Estar no Congresso dos Deputados para mim é a culminação de um sonho”, afirmava.

Três anos depois, Sánchez já tem sonhos diferentes. Em 2014, na sequência da demissão de Alfredo Rubalcaba do cargo de secretário-geral do PSOE, Sánchez aparece de rompante na corrida. Apresentando-se como um novo rosto que viria quebrar os velhos vícios do partido, Sánchez sai inesperadamente vencedor da eleição, derrotando Eduardo Madina e José Antonio Pérez.

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Os anos à frente dos socialistas não correram, no entanto, sempre pelo melhor. Na primeira grande oportunidade de chegar ao poder, nas legislativas de 2015, Sánchez não conseguiu derrotar um Mariano Rajoy que estava no poder desde 2011, abalado pela crise económica e pelos escândalos de corrupção do PP. Sem maioria para formar Governo, os espanhóis regressaram às urnas e  voltaram a dar a vitória a Rajoy. Foi então que se precipitou a crise que levou à demissão de Sánchez do cargo de secretário-geral.

Esse foi o momento mais difícil da sua carreira política, superando o anterior, ocorrido em 2011. Na sequência das eleições desse ano, conta o El Diário, Sánchez esteva à beira de desistir da política, desiludido. Isto porque, pela terceira vez consecutiva, o socialista não foi eleito por não estar suficientemente acima na lista do seu partido: em 11.º lugar na lista de Madrid, ficou aquém da eleição por apenas um deputado.

A sua paciência e resiliência, como de costume, compensaram: em janeiro de 2013, Cristina Narbona abandonou o Congresso para entrar no Conselho de Segurança Nuclear, dando-lhe a oportunidade de fazer o seu grande comeback. Sánchez agarrou-a com unhas e dentes e mergulhou de novo de cabeça na política, preparando o caminho para o topo. Primeiro na liderança do PSOE, reeleito incontestado. Agora, na Moncloa, Pedro Sánchez enfrenta o grande desafio da sua carreira ao chegar a presidente do Governo — um lugar aonde, mais uma vez, chegou sem os votos da maioria dos espanhóis.