Se há uma certeza que “A Vida de Depois de Yang”, de Kogonada, sul-coreano radicado nos EUA, nos deixa, é que, no futuro, por mais evoluída que esteja a tecnologia, os serviços de apoio ao cliente e de assistência pós-venda de material eletrónico continuarão exatamente como são hoje. O Yang do título é um andróide adolescente e chinês que Jake (Colin Farrell) e a mulher Kyra (Jodie Turner-Smith) compraram para servir de “irmão mais velho” à filha adotiva chinesa, Mika, e a “manter ligada” à sua herança e cultura. Só que um belo dia, Yang avaria-se, fica parado e mudo, e como Jake e Kyra não querem ver a menina triste, decidem mandar consertá-lo em vez de arranjar um novo (“Isso seria estranho”, diz Kyra. E comprar um irmão andróide, já não é?).
Aí começam os trabalhos de Jake, porque apesar de nesta sociedade do futuro em que ele e a sua família (modelarmente multicultural) vivem se poderem fazer clones dos filhos, as casas serem super-inteligentes e os carros se guiarem sozinhos, parece que consertar um andróide de família é uma tarefa praticamente impossível – e completamente implausível. Mesmo que o argumento, escrito pelo realizador e por Alexander Weinstein com base num conto deste, o procure justificar por Yang ter sido comprado em segunda mão num revendedor e não na marca, e a loja ter entretanto fechado. A própria natureza da avaria nem sequer é minimamente explicada ou racionalizada.
[Veja o “trailer” do filme:]
Enquanto Jake anda de Herodes para Pilatos com o inerte Yang às costas, surge na história um interessante elemento. Um dos técnicos que ele consulta para que examine o andróide, revela-lhe que este modelo tinha embutido um sistema de recolha de dados que implicava a violação da privacidade de quem o comprasse. Mas o filme não desenvolve esta linha narrativa, preferindo centrar-se na recuperação das memórias digitais que Yang tem armazenadas. O que faz de forma muito pouco “high tech” e totalmente anti-espectacular em termos visuais: aqui, nem sombra de deslumbrantes e elaboradas paisagens virtuais.
Isto porque “A Vida Depois de Yang” está interessado apenas numa das mais velhas perguntas da ficção científica, que outros filmes antes dele também puseram (e muito poucos com pertinência e originalidade), e que tem sido muito mais bem explorada pela literatura do género do que pelo cinema: será que as máquinas, sobretudo na sua expressão mais sofisticada de inteligência artificial antropomórfica, podem ter consciência própria e desenvolver sentimentos, terem desejos de serem, também elas, “humanas”? E ao mesmo tempo, a fita quer dizer coisas profundas e tocantes sobre os humanos daquele futuro e o estado das suas vidas, por interpostos andróides.
[Veja uma conversa com o realizador:]
Só que Kogonada, em vez de apresentar o seu ponto de vista sobre a questão, escolhe não dar respostas e fica-se por uma abordagem presunçosamente superficial ao tema e uma coleção de lugares-comuns fofinhos, “sensíveis” e inefáveis (ver a conversa em “flashback” entre Jake e Yang sobre o chá). Tão fofinhos, “sensíveis” e inefáveis como o próprio filme e os climas físicos, íntimos, emocionais e espirituais que contempla. Apesar de uma alusão fugaz a uma guerra entre os EUA e a China, de que não se veem sinais, a sociedade tecnologicamente desenvolvida e politicamente corretíssima de “A Vida Depois de Yang” e as pessoas que a habitam, existem numa espécie de harmonia anestesiada, numa prosperidade geral que esconde mal um torpor asséptico.
[Veja uma cena do filme:]
É um mundo onde não parece bem, nem convém, fazer ondas, levantar a voz, ferir sentimentos, provocar confrontos e sobretudo nunca contrariar as crianças, que Kogonada, autor do muito elogiado mas sobrevalorizado e chatíssimo “Columbus”, filma com uma afetação meticulosa, e impondo aos seus atores interpretações sonâmbulas e átonas, que por vezes nos faz perguntar se as personagens humanas não serão também robôs e o ignoram. “A Vida Depois de Yang” é ficção científica “soft”, insossa e a armar ao “metafísico”, que mais parece feita por um andróide com pretensões a humano, do que por um realizador de carne e osso. Se o Yang da história rodasse um filme, seria algo muito semelhante a este.