Roberto Martínez é o novo selecionador nacional. O treinador de 49 anos, que comandou a Bélgica até à eliminação precoce no Mundial do Qatar, foi o escolhido pela Federação Portuguesa de Futebol para suceder a Fernando Santos e confirmado esta segunda-feira como o senhor que se segue na Seleção Nacional.
Espanhol, nascido na Catalunha nos anos 70, Roberto Martínez é adepto do Barcelona e um aficionado pelas ideias de Johan Cruyff — sendo até melhor amigo do filho, Jordi, e padrinho do neto da estrela neerlandesa. Filho de um dono de uma sapataria que foi treinador e jogador do local Balaguer, ainda representou o Zaragoza mas depressou começou uma carreira no Reino Unido que o levou depois a orientar Swansea City, Wigan e Everton já enquanto técnico.
Orientou a Bélgica no Mundial 2018, no Euro 2020 e no Mundial 2022, alcançando o melhor resultado da história do país com o 3.º lugar que conquistou na Rússia, mas nunca conseguiu tirar todo o potencial daquela que é unanimemente considerada a melhor geração de sempre do futebol belga. Confirmou a saída ainda no Qatar, na sequência da eliminação precoce na fase de grupos, e é agora o novo responsável pelo futuro da Seleção Nacional.
Os primeiros passos no Zaragoza, os “Three Amigos” em Inglaterra e o salto no Swansea City
Nascido no início dos anos 70, em Balaguer, Roberto Martínez cresceu ao lado de um pai que foi jogador e treinador do clube da terra enquanto geria uma sapataria de relativo sucesso. “O meu pai foi sempre muito competitivo, um apaixonado pelo futebol que queria sempre ser o vencedor. Ao longo do meu crescimento, tive sempre noção dessa mentalidade”, contou o treinador espanhol no livro “Kicking Every Ball”, a autobiografia que lançou em 2008.
De forma natural, nascido e criado em plena Catalunha, Martínez cresceu enquanto adepto do Barcelona e depressa integrou as camadas jovens do local Balaguer. Médio defensivo de origem, representou o clube ao longo de todos os escalões de formação, durante oito anos e enquanto a equipa principal do Balaguer estava na Terceira Liga espanhola, e mudou-se para o Zaragoza já em plena adolescência. Depois de cumprir o percurso lógico e natural pela equipa B, estreou-se oficialmente pelo Zaragoza em junho de 1993 e na última jornada da La Liga, num empate contra o Atl. Madrid.
Na época seguinte, com apenas 20 anos, foi maioritariamente utilizado na equipa B e acabou por regressar ao Balaguer, onde se tornou uma das figuras da equipa principal e também coordenou a formação do clube enquanto alternativa ao serviço militar que não cumpriu. Em 1995, diretamente contactado pelo presidente Dave Whelan, mudou-se para o Wigan e para a Terceira Liga inglesa a custo zero e juntou-se aos também espanhóis Jesús Seba e Isidro Díaz, com quem tinha jogado no Zaragoza B — os três, em conjunto, formaram o trio que em Inglaterra ficou conhecido como os “Three Amigos”. Marcou na estreia, apontando o único golo do Wigan numa derrota contra o Gillingham, e terminou a temporada 1995/96 enquanto melhor marcador do clube e Jogador do Ano para os adeptos.
O Wigan conquistou a Terceira Liga inglesa em 1997, Roberto Martínez renovou contrato por quatro anos no final dessa mesma época e só saiu do clube em 2001, transferindo-se a custo zero para o Motherwell da Escócia. Cumpriu apenas 16 jogos pelos escoceses, rescindindo por mútuo acordo no final da primeira temporada e depois de o clube entrar em falência técnica, e regressou a Inglaterra para representar o Walsall — que, na altura, estava na First Division, a atual Premier League. O espanhol voltou a não ser utilizado regularmente e saiu no mercado de inverno de 2003, caindo para a Terceira Liga e juntando-se ao Swansea City para assumir o papel de capitão de equipa.
Contribuindo largamente para a manutenção dos galeses no terceiro escalão, resistiu às abordagens de vários clubes da First Division e renovou com o Swansea City. Saiu em 2006, cumprindo uma única temporada no modesto Chester City, e regressou ao clube do País de Gales já enquanto treinador e para substituir Kenny Jackett. Martínez ainda procurou assumir o cargo enquanto treinador-jogador — porém, como assinou contrato fora da janela de transferências de jogadores, não foi inscrito no plantel e acabou por decidir terminar a carreira aos 33 anos. “Difícil não era aceitar a proposta do Swansea. Difícil era pendurar as botas e deixar de jogar”, confessou alguns anos depois.
“El Judas” e a histórica Taça de Inglaterra conquistada no Wigan
Até ao final da temporada e com Roberto Martínez enquanto treinador, o Swansea City perdeu uma única vez em 11 jogos e assegurou a presença no playoff de acesso ao Championship — falhando a promoção ao perder com o Blackpool. O treinador espanhol renovou em 2008, já depois de ter garantindo a tal subida ao segundo escalão inglês e ser abordado por vários clubes das ligas superiores, e garantiu que só deixaria os galeses se fosse “obrigado a sair”. Não foi preciso: novamente contactado por Dave Whelan, que ainda era presidente do Wigan, saltou para a Premier League e voltou ao clube onde tinha vivido os melhores dias enquanto jogador.
Rapidamente apelidado de “El Judas” pelos adeptos do Swansea City, justificou-se com a ideia de que treinar no principal escalão inglês era uma oportunidade “demasiado boa para poder recusar”. Garantiu a manutenção do Wigan ao longo de três temporadas consecutivas, onde o claro sucesso chegou a aproximá-lo do Liverpool no pós-Kenny Dalglish e pré-Brendan Rodgers, e a última época no Wigan acabou por trazer uma sensação agridoce.
Depois de vencer o Everton nos quartos de final e o Milwall nas meias-finais, o Wigan apurou-se para a primeira final da Taça de Inglaterra da história do clube em 2012/13. Contra o Manchester City de Roberto Mancini, que já tinha Aguero, Tévez e Silva, um golo solitário de Ben Watson já no período de descontos foi o suficiente para garantir a história vitória do Wigan em Wembley e o primeiro título de sempre do emblema. Ainda assim, no final dessa mesma temporada, Roberto Martínez não evitou a despromoção e o Wigan caiu da Premier League para o Championship.
Contudo, a prestação do treinador espanhol tanto na Taça de Inglaterra como nas épocas anteriores garantiu-lhe o salto para o Everton e a manutenção na Premier League — substituindo David Moyes, que tinha sido o escolhido pelo Manchester United para suceder ao legado de Alex Ferguson. Em Liverpool, porém, o sucesso foi moderado. O espanhol prometeu o apuramento para a Liga dos Campeões e não ficou longe na temporada de estreia, terminando em 5.º, mas não foi capaz de manter o ritmo e acabou despedido em maio de 2016 e numa altura em que o Everton ocupava a 12.ª posição da liga inglesa.
O 3.º lugar na Rússia, a liderança do ranking e a desilusão no Qatar
Ora, em 2016, França recebeu o Campeonato da Europa que Portugal conquistou ao vencer precisamente os franceses na final de Paris. A Bélgica caiu nos quartos de final desse mesmo Europeu, sendo eliminada por um País de Gales que acabou afastado pela Seleção Nacional nas meias-finais, e Marc Wilmots não resistiu à derrota. Em agosto desse mesmo ano, menos de um mês depois do histórico golo de Éder em Saint-Denis, a seleção belga confirmou Roberto Martínez como o novo selecionador nacional.
O treinador perdeu o jogo de estreia — curiosamente, contra Espanha — mas tornou a Bélgica na primeira seleção europeia a carimbar o apuramento para o Mundial da Rússia. Aí, em 2018 e já com Thierry Henry enquanto adjunto, Roberto Martínez começou a mostrar ao mundo aquela que foi e continua a ser a melhor geração da história do futebol belga: com Courtois, Hazard, De Bruyne, Lukaku e companhia, venceu todos os jogos da fase de grupos, eliminou o Japão nos oitavos de final e o Brasil nos quartos e só caiu com França, a futura campeã mundial, nas meias-finais. Depois disso, ainda derrotou Inglaterra para conquistar o terceiro lugar do Campeonato do Mundo, alcançando o melhor resultado da história da Bélgica em fases finais de grandes competições.
Pelo meio, entre as vitórias acumuladas nas qualificações e a boa prestação no Mundial, a seleção belga assumiu a liderança do ranking FIFA em setembro de 2018 e só a perdeu para o Brasil em fevereiro de 2021 — ainda que, nessa janela temporal, não tenha conquistado qualquer título. No Euro 2020, depois de voltar a vencer o respetivo grupo e eliminar Portugal nos oitavos de final, a Bélgica caiu nos quartos de final e novamente com a futura campeã, Itália.
Nesse período, Roberto Martínez acabou por tornar-se o selecionador mais bem sucedido da história do país, com um recorde de vitórias, e afastou as contínuas abordagens do Barcelona — que, entre a saída de Ernesto Valverde, a escolha de Quique Setién e a passagem de Ronald Koeman antes da chegada de Xavi, olharam sempre com bons olhos para um treinador catalão.
Até que, finalmente, chegamos ao Mundial 2022. No Qatar, no meio de um grupo que também incluía Marrocos, Croácia e Canadá, Roberto Martínez foi traído pelos problemas de balneário que os jogadores belgas não conseguiram colocar de parte. Naquela que foi a última competição de Eden Hazard, com os confrontos muito públicos entre Vertonghen e De Bruyne e egos difíceis de gerir entre Courtois, Lukaku e Alderweireld, a Bélgica venceu o Canadá, perdeu com Marrocos e empatou com a Croácia, falhando o apuramento para os oitavos de final e motivando a saída imediata do selecionador espanhol.
“Este foi o meu último jogo. É emocionante, como podem imaginar. Não sei se consigo continuar a falar. Podemos ficar orgulhosos do que esta equipa fez até aqui. Os verdadeiros adeptos da Bélgica sabem disso. Acho que é realmente a hora de dizer que foi o último jogo. Poderia ter saído antes, para uma equipa de topo. Mas quis continuar e acabar a minha missão. Não estou a despedir-me, estou a dizer que saio no final do meu contrato. Não tenho arrependimentos. Acho que está muito claro que, hoje, fomos nós próprios. Não é fácil ganhar um jogo no Campeonato do Mundo. Ganhámos o primeiro sem sermos nós próprios. No segundo, tivemos uma derrota muito merecida porque não estávamos prontos. Hoje estávamos prontos. Criámos muitas, muitas oportunidades. Podemos sair de cabeça erguida”, disse Martínez depois do empate com os croatas que ditou a eliminação ainda na fase de grupos.
Um fisioterapeuta apaixonado por presunto que é padrinho do neto de Cruyff
Ao contrário de Pep Guardiola, de quem é um discípulo assumido, Roberto Martínez nunca defendeu a causa independentista da Catalunha e sempre deixou bem claro que é “espanhol e catalão”. Ainda assim, nunca treinou qualquer equipa espanhola e até deixou fugir o comboio da seleção quando, após a saída de Julen Lopetegui para o Real Madrid e o período interino de Fernando Hierro durante o Mundial 2018, a La Roja o abordou para aceitar um cargo que acabou por ser de Luis Enrique.
Longe de Espanha há mais de 20 anos, o treinador tenta matar saudades do país de origem sempre que pode — de acordo com o La Vanguardia, encomenda regularmente presunto da região de Jabugo, em Huelva, o seu preferido. Licenciou-se em fisioterapia enquanto ainda jogava no Zaragoza e concluiu uma pós-graduação em Gestão de Empresas já em Inglaterra, na Universidade Metropolitana de Manchester. Conheceu a mulher Beth na Escócia, no período em que representou o Motherwell, e casou já em Swansea e em 2009, tendo agora duas filhas.
Adepto confesso do Barcelona, apaixonou-se pelo futebol de Johan Cruyff quando era adolescente e no final dos anos 80, altura em que o neerlandês assumiu o comando técnico dos catalães. Em 1995, quando já jogava no Wigan, cruzou-se com Jordi Cruyff num restaurante de Manchester — e decidiu abordar o filho do antigo treinador, que na altura estava integrado na equipa B do Barcelona. Martínez e Cruyff tornaram-se melhores amigos e, em 2009, o neerlandês foi mesmo padrinho de casamento do espanhol. Anos mais tarde, foram padrinhos dos filhos um do outro.