O dia era o 9 de novembro de 2016. Ou melhor, a noite. Dos Estados Unidos, a eleição de Donald Trump soprava um autêntico vendaval sobre o mundo. Em Lisboa, haveria de ser pretexto para dois desconhecidos travarem duas horas de conversa depois do segundo dia de Web Summit — tornando-se, mais tarde, provavelmente o primeiro casal apadrinhado pelo maior evento tecnológico da Europa. Sim, porque nem só de negócios se faz a conferência de Lisboa.
Joana Panda, então com 28 anos, trabalhava em recrutamento de tecnologia de informação no escritório da consultora Haze, em Lisboa. Nuno Rafael Rocha, com 30, era chefe de engenharia no escritório de Braga da empresa Seegno. Ambos rumaram ao Parque das Nações com o mesmo propósito — conhecer as novidades da área em que trabalhavam — mas vindos de pontos diferentes do país. E provavelmente nunca se teriam conhecido se um táxi não os tivesse atirado para o mesmo lado da calçada e se Trump não tivesse soprado o tal vendaval que incendiou a conversa entre os dois.
Tudo aconteceu em frente ao bar Maria Caxuxa, no Bairro Alto. Joana tinha acabado de jantar com um amigo, Nuno tinha feito o mesmo com um grupo de colegas de trabalho que também frequentavam o evento. Alguns dos amigos de um e de outro já se conheciam — e por isso é que os caminhos daquela noite desaguaram no mesmo bar lisboeta. Mas não foi isso que os juntou. “Costumo dizer que houve um alinhamento não de estrelas, mas de táxis a passar na rua”, conta Nuno entre gargalhadas, para depois explicar melhor: “Sabe como é. As ruas são estreitas, havia muitos carros a passar e as pessoas iam-se dividindo pelos passeios”.
A exiguidade da rua colocou-os no mesmo lado da calçada. A eles e ao americano Ben. A eleição de Trump estava fresquinha — e também a perplexidade dos três pelo que se passava do outro lado do mundo. “Estávamos um pouco indignados e ansiosos, a pensar como era possível aquilo ter acontecido”, lembra Joana. “O Ben estava muito ansioso com a perda intelectual que os Estados Unidos iriam ter com aquele presidente e com o facto de isso levar a que algumas pessoas com possibilidade de se mudar para a Europa o fizessem”.
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Uma conversa que começou a três rapidamente passou a ser a dois — nem Nuno nem Joana se lembram do momento em que Ben os deixou. Ficaram ali, apenas concentrados um no outro e naquela conversa. “Fiquei curiosa com ele, com quem ele era e em como seria a vida daquela pessoa. Fiquei com vontade de conversar mais”, diz Joana. Do outro lado, Nuno sentiu o mesmo. “Sentimo-nos desafiados um pelo outro”.
A troca de palavras vinha, no fundo, confirmar o que a primeira impressão já tinha sugerido. Nuno lembra-se de virar o rosto para o chão, rumo aos 1,52 metros de Joana. “Olhei para baixo e pensei: ‘Olha uma rapariga baixinha, tão gira'”. Joana estava mais focada nos ténis do agora companheiro — que eram pretos com pintinhas brancas. “Achei que tinha um ar simpático e afável, ao contrário de outras pessoas que ali andavam com um ar muito sério ou muito ‘seca’. Lembro-me de o achar sorridente e de achar que tinha umas sapatilhas muita giras“, recorda ao Observador.
A conversa durou duas horas — até Joana se lembrar que, com uma entrevista marcada para o dia seguinte às 8h30 da manhã, era melhor ideia abreviar a noite e regressar a casa. Mas Nuno ficou-lhe na cabeça. “Quando cheguei pensei: ‘Fogo, não lhe pedi o número nem sei quem ele é'”, lembra. Foi então que pensou numa estratégia. “Liguei aos meus amigos que sabia que ainda estariam com o Nuno e pedi-lhes que descobrissem o número dele. Começaram a gozar comigo e a dizer que, se aquilo desse alguma coisa, eles seriam os padrinhos”.
E deu — mas ainda seria preciso esperar alguns meses. No dia a seguir ao encontro, mais uma vez Joana tomou a iniciativa. “Então, estás cheiroso? Onde vais hoje?” — perguntou-lhe por mensagem. A partir daí começaram a chover os telefonemas e as mensagens entre os dois. Passado um mês, Nuno veio a Lisboa em trabalho e acabaram por se encontrar. Passados dois, em mais uma deslocação de Nuno ao escritório da empresa em Lisboa, os dois resolveram começar a namorar. Assim, de forma um tanto racional. “Conversámos para perceber se aquilo fazia sentido para os dois…”, diz Nuno. Joana termina-lhe a frase: “…perceber em que é que aquilo se estava a tornar, se estávamos numa altura da nossa vida em que queríamos assumir um compromisso ou não. Foi mais uma conversa do que um pedido de namoro”, diz.
Do namoro à distância à primeira procura de emprego
Foram sete os meses em que o casal se relacionou à distância. As saudades iam sendo suavizadas pelas mensagens, pelos telefonemas e pelos fins-de-semana passados juntos, ora em Lisboa, ora em Braga. Tempos que, dizem, foram aproveitados ao máximo, apesar dos 350 quilómetros entre eles. “Aproveitámos imenso a vida, mais do que muitos casais que vivem na mesma cidade. Por força das circunstâncias, fomos mais organizados, estávamos muito disponíveis para fazer muitas coisas quando estávamos juntos. Todas as oportunidades eram aproveitadas”, considera Joana. “E havia outra coisa boa” — diz. “Tínhamos muito espaço para pensar. Muitas vezes as pessoas estão juntas e a relação suga-as, não há tempo para refletir se as coisas fazem sentido”.
Depois de meio ano passado à distância, o casal resolveu juntar os trapos. Ainda pensaram fazê-lo em Lisboa — “mas não fazia sentido porque o Nuno estava com projetos muito interessantes na empresa dele”, conta Joana. Por isso, tomou ela a iniciativa de rumar a norte, o que implicou deixar a empresa onde trabalhava e procurar um novo emprego. Acabou por encontrá-lo na Primavera software, onde assumiu a área dos Recursos Humanos.
Joana e Nuno estavam, enfim, juntos. A uni-los, além da recente proximidade física, estava o gosto por passear e andar a pé, por jantar fora e pelo rock dos anos 80. Mas, mais do que isso, a paixão por desfrutar de cada momento. “O que temos mais em comum é que gostamos mesmo a sério de aproveitar a vida”, atira Joana. “Não deixamos passar oportunidades. Se aquele restaurante está na ‘Restaurant Week’ e gostávamos de lá ir mas só há mesa para quarta-feira à noite e no dia seguinte há uma reunião às 8h30 da manhã, vamos na mesma, aproveitamos”, conclui.
Não admira, pois, que viajar seja um dos gostos em comum. A deslocação ao Japão, em maio deste ano — e que incluiu no roteiro passagens por Tóquio, Quioto, Osaka, Nikko, Nara e Hiroshima — foi a mais marcante, mas já estiveram juntos em Copenhaga e Berlim, já fizeram uma road trip por Espanha e já palmilharam tudo de norte a sul de Portugal. “Quando estamos juntos, ou não estamos em casa ou, se estivermos, provavelmente estamos a planear onde é que vamos a seguir”, sintetiza Joana.
A mudança para Bruxelas e a segunda procura de emprego
Agora, há mais um check do casal no mapa-mundo. Mas não de forma fugaz. É que, no mês passado, Joana e Nuno mudaram-se para Bruxelas. “Há muito tempo que tínhamos o objetivo de viver e trabalhar fora, ter uma experiência internacional. Por isso, assim que surgisse uma oportunidade, íamos aproveitá-la”, explica Nuno. A escolha do lugar não foi fácil. Os dois começaram por elaborar uma lista com as cidades onde mais gostariam de viver — mas logo perceberam que a estratégia não ia resultar. “Chegámos a um ponto em que eu estava a fazer uma candidatura para um sítio e o Nuno a receber um convite para outro, então percebemos que um dos dois tinha de arranjar primeiro uma oportunidade que realmente quisesse aproveitar e depois o outro teria de ter a flexibilidade de encontrar um emprego nessa cidade”, elucida Joana.
Mais uma vez, foi Nuno a dar o pontapé de saída. Agarrou a oportunidade na Data Camp, empresa belga onde é responsável por duas equipas de engenharia, e Joana voltou aos sites de emprego. Não foi preciso navegar muito — apenas 15 dias depois, foi escolhida pela start-up belga Collibra para voltar ao recrutamento tecnológico.
A experiência fora de portas, diz o casal, não podia estar a ser melhor. “Está a corresponder ao que queríamos, está a ser um desafio. Portugal era muito confortável para nós. Tínhamos tudo garantido, sabíamos que havia sempre um backup se alguma coisa corresse mal“, explica Joana. Nuno complementa: “A grande diferença é cultural e queríamos estar expostos a isso. Contactar não só com belgas mas com todas as outras culturas aqui presentes”. “Essa é uma parte muito interessante”, interrompe Joana. “A diversidade cultural é mesmo muito grande. Temos conversado muito sobre isso, sobre todos os preconceitos que nos são incutidos. Aqui, somos confrontados com isso. Em Bruxelas, a maior parte das pessoas com quem nos cruzamos na rua vêm das comunidades árabes ou africanas. Esse impacto é mesmo mesmo muito interessante”, revela.
Para já, o futuro vai ser passado longe de Portugal, a explorar o mundo, a viver a aventura. As novas façanhas além-fronteiras não lhes permitem, este ano, regressar ao lugar onde tudo começou. Mas, garantem, a Web Summit — e aquela noite de 9 de novembro onde foram atirados para o mesmo lado da calçada — vão ser comemorados à distância, em Bruxelas. “Vamos descobrir um restaurante e fazer um jantar de comemoração”, avança Joana. “Também já comprámos bilhete para uns concertos de música clássica que vão acontecer num parque aqui perto de casa”, acrescenta Nuno. “Vamos à descoberta, não conhecemos”, diz. Uma vez mais, vão à aventura.