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Há formas de a banca fazer uma transformação sem deixar populações sem acesso a balcões.
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Há formas de a banca fazer uma transformação sem deixar populações sem acesso a balcões.

Chris Hondros/Getty Images

Há formas de a banca fazer uma transformação sem deixar populações sem acesso a balcões.

Chris Hondros/Getty Images

"Banca portuguesa era vista como uma das mais inovadoras. Hoje não", diz a consultora McKinsey

Nuno Ferreira, que liderou estudo global da McKinsey sobre futuro da banca, diz que Portugal chegou a ser visto como um pólo de inovação no setor, mas isso perdeu-se, deixando os bancos vulneráveis.

No final dos anos 90 e no início da década de 2000, a banca portuguesa era vista como uma das mais inovadoras da Europa – profissionais do setor e consultores de vários países vinham a Portugal inspirar-se naquilo que era feito pela Nova Rede (grupo BCP) e outros. “Quando entrei na McKinsey, em 2005, Portugal ainda era visto como um mercado bancário muito inovador, nos modelos de balcão, nas dinâmicas comerciais… Mas hoje em dia não, não há grande inovação“, afirma Nuno Ferreira, partner da McKinsey que liderou um estudo global da consultora acerca do futuro da banca, no qual se avisa que “deixou de ser uma ideia exagerada” dizer que grandes tecnológicas como a Amazon, a Google e o Facebook podem tornar os bancos obsoletos.

O co-fundador da Microsoft Bill Gates afirmou, em 1994, que “a banca é necessária, mas os bancos não são“. A frase é recuperada no estudo anual feito pela McKinsey e que, este ano, teve um português como autor principal. Nuno Ferreira diz, em entrevista ao Observador, que aos olhos de hoje a frase “não é desprovida de sentido mas também não acho que vá acontecer tão cedo” os bancos perderem a sua relevância e o papel que têm na sociedade. “Nós achamos é que os bancos que nós conhecemos têm de se transformar“, comenta.

“Se pensarmos naquilo que é o negócio da banca mais tradicional – o chamado negócio do balanço, isto é, receber depósitos e dar crédito –, há uns anos, um presidente de um banco entrava no dia 1 de janeiro com 70% do ano feito, porque trazia o crédito de trás e fazia os depósitos que rendiam dinheiro para o banco”, salienta. Mas há vários anos que isso deixou de ser assim, “porque as taxas de juro estão tão baixas que o valor que existe no balanço rende pouco” – daí que seja preciso mais “originação”, ou seja, “mais produção nova de crédito, serviços de pagamentos, distribuição de fundos, etc“.

O problema para os bancos, diz Nuno Ferreira, é que está a ser precisamente nessas áreas que os players mais tecnológicos estão a querer entrar. Tanto grandes tecnológicas de escala global, como a Amazon e a Google, como empresas fintech mais recentes, como a Revolut e a N26, estão a ganhar mercado em vários países do mundo – incluindo em Portugal – porque, salienta o especialista, tiraram partido das novas tecnologias digitais de uma forma que poucos bancos “tradicionais” conseguiram fazer.

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“Em Portugal ainda há muito a lógica de que a digitalização é o cliente poder fazer no canal digital aquilo que antes fazia no canal físico, mas a digitalização é muito mais do que isso“, afirma Nuno Ferreira, defendendo que cabe aos bancos criar novas formas de servir os clientes digitais – que é uma percentagem relativamente elevada, sublinha.

Portugueses estão inscritos na banca digital, mas fazem pouco lá

Nuno Ferreira diz que “é uma falácia acharmos que o nível de digitalização bancária entre os portugueses é menor. Portugal tem níveis de enrollment de clientes – ou seja, clientes que receberam credenciais para usar as plataformas digitais – de cerca de 75%“, o que não compara mal com os melhores números na Europa, afirma o sócio da McKinsey.

Porém, “depois quando olhamos para aquilo que é a atividade dos clientes, a frequência de utilização (log-on) e as coisas que os clientes fazem na app, aí o caso muda de figura”. Entre os clientes digitais, na banca portuguesa, “temos cerca de 60% que são clientes mais ativos, o que compara com entre 80% e 90% na Europa, em média”, apurou a consultora.

Por outras palavras, “em Portugal houve um esforço de garantir que as pessoas tinham a app, que têm as credenciais para usar os meios digitais, mas a utilização é menor“, afirma Nuno Ferreira, acrescentando que isso limita o negócio dos bancos. “As vendas digitais dos bancos em Portugal são 10% a 20% (sem contar com depósitos) ao passo que na Europa é 40% e há países onde é 55%”, afirma.

"Em Portugal houve um esforço de garantir que as pessoas tinham a app, que têm as credenciais para usar os meios digitais, mas a utilização é menor"
Nuno Ferreira, partner da McKinsey

Parte desta discrepância pode justificar-se pelo baixo investimento que os bancos portugueses fizeram na área digital nos últimos anos – segundo dados da McKinsey, na segunda metade da década passada, o investimento em digital nos bancos portugueses foi 4% dos ativos, na Europa em média foi 8%, o dobro.

“Os bancos nos últimos 10 anos estiveram a fazer aquilo que podiam fazer, reduziram os custos, reforçaram o capital, a gestão ficou mais profissional”, diz Nuno Ferreira, argumentando que “os bancos tornaram-se mais resilientes, respondendo aos imperativos regulatórios num contexto de taxas de juro muito desafiante”. Mas ficaram para trás na inovação, o que os deixam numa posição de maior vulnerabilidade.

Ser cliente de um banco, mas não saber exatamente de qual

partner da consultora McKinsey admite que é possível que, dentro de alguns anos, muita gente poderá receber o ordenado e ter um crédito para a casa ou automóvel e não ser cliente de um banco tradicional – ou, então, ser cliente de um banco mas nem saber exatamente qual.

“Pode haver uma situação em que os bancos continuam a ter aquilo que é o negócio de balanço e, depois, há uma fintech ou uma empresa tecnológica armada com uma licença bancária que se coloca no meio e faz a curadoria do cliente“, diz Nuno Ferreira – e é essa empresa “intermediária” que vai criar a relação com o cliente, colhendo a parte mais sumarenta dos proveitos e relegando o banco a uma função comoditizada, indiferenciada e cujos rendimentos estão basicamente dependentes daquilo que forem as taxas de juro em cada momento.

“Dizer que as empresas tecnológicas, equipadas com licenças bancárias, vão um dia tomar o lugar dos bancos como principais fornecedores de serviços financeiros já não parece uma ideia exagerada”
McKinsey, relatório "The Great Divergence"

A única forma que os bancos têm de reagir é aproveitar “a base de dados de clientes fantástica que têm e, a partir disso, disponibilizar outros serviços que não apenas os financeiros”, diz Nuno Ferreira, defendendo que “não há razão nenhuma para os bancos não terem parcerias com outros players, empresas de outros setores, e criarem ecossistemas focados nas necessidades do cliente“.

“Como banco, eu tenho o cliente, eu conheço o património dele, eu sei quais os gastos dele, eu até consigo prever comportamentos com base na transacionalidade. Porque é que eu não uso essa informação para monetizar esse cliente para além da intermediação financeira, e cobrar comissões?”, pergunta Nuno Ferreira.

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Comissões são sempre um tema sensível, quando se fala em banca, mas “os clientes não têm problema nenhum em pagar comissões“, diz o partner da McKinsey. “As pessoas não têm problema nenhum em pagar 10 euros por mês ao Netflix mesmo que seja para passar mais tempo a fazer scroll na biblioteca de filmes do que, propriamente, a ver filmes”, afirma.

“As pessoas, quando veem que há um valor que está lá, não se importam de pagar. Mas aumentar a comissão do cartão de crédito de 20 para 25 euros só porque sim, isso é que os clientes não percebem”, atira Nuno Ferreira.

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No relatório anual da McKinsey, dá-se o exemplo do WeBank, um banco chinês que foi criado em 2014 e onde trabalham apenas duas mil pessoas. Não tem qualquer sucursal mas serve 200 milhões de clientes, totalmente por via digital, o que permite ter uma rentabilidade próxima dos 25%.

Essa rentabilidade é o grande desafio dos bancos tradicionais, ainda mais os portugueses. O return on equity (ROE) dos bancos nacionais está entre 5% e 6%, segundo os cálculos da McKinsey, e o cenário central é que cresça para entre 7% e 8% nos próximos anos. Na Europa, a trajetória será a mesma, embora o ROE seja três a quatro pontos percentuais superior.

"Embora o modelo do WeBank não possa ser replicável por parte da maioria dos bancos, este caso ilustra como pode reduzir-se drasticamente os custos de serviço por cliente se um banco centrar o negócio nos canais digitais, reduzir os custos com operações de apoio ao cliente, transformar radicalmente a produtividade tecnológica e baixar a pegada de infraestruturas físicas".
McKinsey, relatório "The Great Divergence"

Mesmo com os cortes que já foram feitos nos últimos anos, Nuno Ferreira diz que “em Portugal há potencial para continuar a reduzir e a transformar a rede de distribuição física”, já que Portugal tem mais balcões per capita do que muitos países, concluiu a análise da McKinsey.

E há formas de fazer essa redução (e essa transformação) sem deixar populações sem acesso a balcões. “No Reino Unido, por exemplo, estão a ser testados modelos de balcões conjuntos“, diz Nuno Ferreira, dando um exemplo concreto: “Em Boticas há três balcões porque há três bancos lá presentes. Porque não é só um balcão partilhado? Porque é que nuns dias da semana não funciona um banco e nos outros não funciona outro?”.

E “porque é que não se usa a junta de freguesia, porque não se usa essas instalações para se garantir a bancarização? Vemos muita lógica de partilha de custos que os bancos lá fora estão a adotar”, diz o especialista.

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Por outro lado, sublinha, a “bancarização não implica necessariamente um balcão físico de um banco“. Basta ver que o “Nubank, no Brasil, não tem balcões mas está a promover a bancarização de um grande segmento de clientes, tendencialmente um segmento de menores recursos, que os bancos incumbentes não conseguiam”. “Esta ideia de que só se bancariza clientes havendo balcões está longe de ser verdade”, defende Nuno Ferreira.

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“Quando olhamos para a dimensão do mercado português, existem cinco bancos que são grandes (isto é, grandes em Portugal mas sem têm dimensão europeia). Depois, existem mais dois bancos médios e quatro ou cinco bancos pequenos. Ou seja, temos aqui 11 ou 12 bancos para 10 milhões de habitantes, com 7 milhões de bancarizados”, diz Nuno Ferreira.

Este é um rácio que “parece um pouco excessivo quando se compara com outros mercados”, diz o partner da McKinsey, notando que “o mercado português não é um mercado que vai crescer desalmadamente, para eu ganhar quota alguém tem de perder. Por isso, outra via para ganhar quota é através da via inorgânica”, isto é, bancos a comprarem ou fundirem-se com outros bancos.

Na opinião deste especialista, “a consolidação tem condições para acontecer em Portugal. Mas a verdade é que já poderia ter acontecido e não aconteceu”. “Isso é daquelas coisas que se fazem, não se falam”, diz Nuno Ferreira, notando que “há uma ou duas situações em Portugal que devem acontecer – mas quando, não conseguimos dizer”.

Por outro lado, no que diz respeito aos recursos humanos, também “há potencial para continuar a otimizar”, diz o especialista da McKinsey. O que é que isso significa? Significa que “há espaço para mais reduções, por via da automação, da melhoria dos processos, da redução da manualidade do backoffice dos bancos”. “Mas o desafio é mais a reconversão do talento que fica e o recrutamento de novo talento“, afirma.

“Hoje em dia um licenciado em analítica avançada, por exemplo, não pensa em ir para a banca – há 20 anos era diferente, era vista como uma carreira interessante, que pagava bem…”, diz o especialista. Hoje, porém, “o desafio é continuar a otimizar mas, ao mesmo tempo, adquirir talento em áreas de inovação”. A pesquisa da McKinsey revelou que há bancos que têm mais de 70% dos seus funcionários a fazer tarefas em digital e analytics. “Em Portugal acredito que seja inferior a 20% de certeza, em alguns bancos menos de 10%”, atira Nuno Ferreira.

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