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Em silêncio. Após a derrota nas urnas, Jair Bolsonaro não se pronunciou, não congratulou Lula da Silva e isolou-se no Palácio da Alvorada, em Brasília. Nem sequer é público quando é que fará o discurso. No Rio de Janeiro, os seus apoiantes choram e rezam após o revés do ainda Presidente, muitos alegando que o processo eleitoral foi fraudulento. Os quatro anos de mandato do atual chefe de Estado estão a chegar ao fim, mas será que Bolsonaro (e os seus seguidores) vão aceitar uma transição serena do poder?
As dúvidas são muitas e o silêncio de Bolsonaro deixa no ar a possibilidade de poder repetir-se um cenário idêntico à invasão no Capitólio, nos Estados Unidos (desencadeado por apoiantes de Donald Trump), desta feita mais a sul do continente americano. Junto ao Planalto, os organizadores de um evento da campanha do Presidente comentaram mesmo que as “eleições ainda não acabaram”, pelo menos até à derrota ser reconhecida. “Não vamos entregar o país a bandidos.”
O futuro político de Jair Bolsonaro permanece uma incógnita depois da derrota nas eleições mais disputadas de sempre: 50,90% vs 49,10% . É que embora tendo perdido esta batalha determinante, o bolsonarismo e as suas ideias não morreram. Prova disso é que 58 milhões eleitores votaram no atual chefe de Estado, que perdeu por uma margem de pouco mais de dois milhões de votos. O Brasil está partido ao meio e Lula da Silva, no discurso, prometeu unir o país. Mas será que haverá tentativas da direita para contrariar esse esforço?
O bolsonarismo não morreu
A vitória da noite de domingo pertence a Lula da Silva, ainda que as sondagens tivessem previsto uma distância com uma margem mais alargada para o candidato do Partido dos Trabalhadores. Jair Bolsonaro caiu, mas ainda tem vários apoiantes. Em São Paulo, o maior colégio eleitoral do país, o atual Presidente venceu com 55,24% dos votos. E venceu igualmente no Rio de Janeiro, com 56,53%, tendo conquistado a maioria dos votos em outros 12 estados, num total de 14 contra 13 de Lula.
Aliás, Jair Bolsonaro obteve mais 400 mil votos votos do que em 2018 e conseguiu angariar mais cinco milhões de votos em relação à primeira volta, enquanto Lula da Silva conseguiu apenas somar mais dois milhões.
Ouça aqui o episódio do podcast “A História do Dia” sobre a vitória de Lula da Silva.
Vários responsáveis políticos ligados a Jair Bolsonaro foram também eleitos para cargos importantes, o que permite manter o bolsonarismo vivo regionalmente. O nome mais sonante foi o do antigo ministro das Infraestruturas do ainda Presidente, Tarcísio de Freitas. Com 55,27% dos votos, foi eleito governador de São Paulo, o maior estado do Brasil, tendo admitido — contrariando as indicações de algumas fações da campanha — que irá colaborar com Lula da Silva.
A vantagem política não se centra somente em algumas regiões. Também na Câmara dos Deputados, o Partido Liberal, a que pertence Jair Bolsonaro, é o que, neste momento, tem mais deputados. Isso vai tornar a convivência democrática com Lula da Silva mais difícil — criando-lhe dificuldades — e continua a dar espaço para que as ideias do ainda Presidente tenham eco — e, além disso, uma plataforma.
O bolsonarismo institucionalizou-se e é agora uma realidade no panorama político brasileiro. Como escreve a Folha de São Paulo, a ideologia de Jair Bolsonaro e dos seus apoiantes foi-se consolidando ao longo destes quatro anos como opção política da direita e os seus eleitores dificilmente votarão em alguém que não use o mesmo discurso ou defenda as mesmas opiniões políticas.
Poderá haver golpe?
Não assumindo a derrota, Jair Bolsonaro deixa em aberto o que poderá fazer — ou aceita os resultados nas próximas horas ou pode contestá-los, pedindo a sua impugnação ou até ir mais longe e, no pior cenário, tentar um golpe de Estado (não sendo o esperado, é sempre uma possibilidade).
Caso aceite os resultados, o atual Presidente pode fechar este capítulo mais negro da sua trajetória política e pode continuar a liderar a oposição da direita mais conservadora, contando para o efeito com a presença do partido na Câmara de Deputados e em várias regiões do Brasil. É também uma forma de não prejudicar politicamente os governadores, senadores e deputados eleitos que estão de alguma forma ligados a si.
Se optar pela contestação dos resultados, Bolsonaro poderá abrir fações entre os seus apoiantes e manchar a credibilidade do partido que lidera. Adicionalmente, dependendo do que possa vir a fazer (desde recursos a ações mais violentas), o ainda Presidente brasileiro poderá ter de enfrentar instituições como o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) ou mesmo o Supremo Tribunal — e sair prejudicado até em termos criminais.
Numa guerra contra instituições e contra um Presidente eleito, o desfecho seria provavelmente o mesmo do que o de Donald Trump: não iria conseguir travar a chegada ao Planalto de Lula da Silva, descredibilizando o espetro político que representa.
O presidente do TSE, Alexandre de Moraes, já veio tentar colocar água na fervura, dizendo que não vislumbra “nenhum risco real de contestação”. “O resultado foi proclamado, foi aceite e aqueles que foram eleitos serão diplomados e tomarão posse”, afirmou citado pela Folha. Também vários apoiantes de Bolsonaro vieram a público aceitar os resultados, tentando tirar pressão desta ausência de Bolsonaro da noite eleitoral, entre eles o seu ex-ministro da Justiça, Sergio Moro, que escreveu no Twitter que o “resultado de uma eleição não pode superar o dever de responsabilidade” que se tem com o Brasil.
A democracia é assim. O resultado de uma eleição não pode superar o dever de responsabilidade que temos com o Brasil. Vamos trabalhar pela união dos que querem o bem do País. Estarei sempre do lado do que é certo! Estarei na oposição em 2023,respeitando a vontade dos paranaenses.
— Sergio Moro (@SF_Moro) October 30, 2022
Serão as declarações do TSE e a força de alguns aliados para travar o radicalismo de alguns apoiantes e até do próprio Bolsonaro? O cenário ainda não é claro, mas é provável que, com uma qualquer ação irrefletida, o ainda Presidente do Brasil possa assinar a sua morte política.