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Carolina Markowicz e o seu "Pedágio", filme sobre terapias de conversão gay no Brasil. "A devoção à Igreja é uma fábula para os pecados"

Estreia-se esta quinta-feira a coprodução portuguesa "Pedágio", filme sobre terapias de conversão para homossexuais no Brasil. Falámos com a realizadora Carolina Markowicz.

Tentar transformar um pénis de plasticina numa vagina. Uma ideia que podia ter saído de um sketch humorístico, mas não. Saiu de uma terapia de conversão para homens e mulheres homossexuais no Brasil, em que o pastor Isac (Isac Graça), português, estrangeiro, “ajuda” milhares de família desesperadas no país por uma cura que volte a colocar os seus filho e filhas nos eixos da família tradicional. Apesar da oferta de uma suposta cura, tudo tem um preço. Suellen (Maeve Jenkins) sabe disso. Trabalha numa portagem, acorda de madrugada, é solteira tem pouco dinheiro e vive numa casa com poucas condições. Mas o que realmente a preocupa é o seu filho homossexual que adora cantar em playback músicas de grandes artistas norte-americanas, cheio de purpurinas e glitter. Tudo isto está em “Pedágio”, filme realizado por Carolina Marcowicz, coprodução portuguesa com a produtora Som e Fúria, de Luís Urbano, que teve um bom ano de 2023, depois de passar, com distinção, em festivais como o de San Sebastian e o de Toronto.

Mas se se podia estar à espera de ver um filme que colocaria esta mãe, e toda uma comunidade brasileira ultraconservadora, evangélica, que se tornou mais vocal no período em que Jair Bolsonaro governou o país, o que Carolina Marcowicz propõe é precisamente um exercício que parece, aos dias de hoje, impossível: o de olhar para as “sombras humanas”, sem trincheiras, que levam tanta gente a ver na Igreja a salvação da sua vida e a dos seus. Mesmo que isso implique impedir o outro de ser o que quiser. De o odiar. De achar que um filho seu tem algo de errado. “Deus está sempre lá para estas pessoas que pensam que podem cometer os seus pecados. Se sou devoto, se vou à igreja, rezo, vou ao culto, posso. É como muita gente vive no Brasil. Nessa família tradicional mas que é a favor do porte de arma. Claro que há imensos casos fora do casamento. É, por isso, uma fábula”, disse em entrevista ao Observador durante a sua breve estadia em Lisboa, para estrear “Pedágio” no festival Indielisboa.

A realizadora, que tem usado o sarcasmo para colocar estas personagens, ou, se quiser, os políticos e pastores a quem estas personagens juram uma quase total devoção, no campo “do ridículo”, não tem, por isso, qualquer vontade de ostracizar. Ou de vingar toda uma comunidade LGBTQI+ que tem sofrido na pele uma cada vez mais crescente homofobia ou transfobia no Brasil. Marcowicz gosta do conflito entre a realidade e a ficção. De pisar o risco. De ficcionar sobre as feridas abertas da sociedade brasileira. E da mistura de tons que o cinema permite explorar. Depois de “Carvão” (2022) e de “O Orfão” (2018), “Pedágio” é, então, um filme que busca a hipocrisia em cada uma dessas mentes mais conservadoras ao mesmo tempo que tenta oferecer ao seu público uma oportunidade de entender o outro lado. “Não queria que a Suellen fosse um monstro porque não acho que seja. Há ali uma certa ignorância e inocência e um papel social que te obriga a cumprir metas que não correspondem à realidade. Portanto, sim, de certa forma, queria que fosse possível perceber esta mãe. E de não haver uma divisão entre vilão e vítima, principalmente nestes casos”, contou.

Maeve Jinkings é a mãe Suellen

Apesar das distinções pelo mundo inteiro e de saber que o seu filme origina fricções, sobretudo no seu país, tem gostado da vida além da estreia que “Pedágio” tem tido”. Esta história do menino Tiquinho e da sua mãe Suellen tem originado reações diferentes: a de quem não aceita o sarcasmo sobre um tema que leva ao suicídio (as terapias de conversão no Brasil), e a de quem tem uma história igual. “As culturas são muito diferentes, é verdade, mas os problemas são universais. A mãe que não aceita um filho é um problema universal. Seja no Canadá ou em Marrocos”. O certo é que o cinema do Brasil continua a dar cartas, depois de um período conturbado na era Bolsonaro, e esse regresso sente-se no cinema que Carolina Markowicz tem feito. A realizadora nasceu em São Paulo mas o cinema chegou-lhe, pela primeira vez, na cidade de Bragança, na fazenda dos avós, quando se alugavam cassetes VHS para ver na televisão. O que se segue na sua carreira? Ninguém sabe. É um pouco como o final de “Pedágio”. “Não sabemos se aquela mãe e aquele filho vão conseguir relacionar-se. É um work in progress. O cinema não acaba com a estreia do filme. Faz com que as personagens se mantenham vivas”, finalizou.

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[trailer oficial do filme “Pedágio”, que se estreia esta quinta-feira]

Vamos começar de maneira diferente. Habitualmente fala-se dos protagonistas de um filme mas eu quero olhar para a personagem secundária, a Tema, interpretada por Aline Marta Maia. Religiosa, com casamento duradouro, que trai o marido em lugares escondidos junto à portagem de onde trabalha. É ela que aconselha a mãe Suellen a colocar o filho numa terapia de conversão de homossexuais. E é ela que simboliza a sua provocação em relação ao eixo da família tradicional.
É uma imposição da imagem enquanto pessoa religiosa, católica ou evangélica, com uma comunidade muito grande no Brasil e que vão construindo personas que devem ser seguidas. Em relação à família tradicional, é mesmo isso: ousar não se encaixar nesse modelo, de que existe algo de errado contigo. O “Pedágio” é sobre este tema. A perceção da mãe em relação ao filho e essa amiga, que vive uma fantasia, que é devota, de Deus em primeiro lugar, usa Deus como salvo conduto para permitir qualquer coisa. Deus está sempre lá e “eu posso cometer os meus pecados”. Se sou devoto, se vou à igreja, rezo, vou ao culto, posso. É como muita gente vive no Brasil. Nessa família tradicional mas que é a favor do porte de arma. Claro que há imensos casos fora do casamento. É, por isso, uma fábula. Esta personagem representa essa hipocrisia que me interessa muito no cinema.

É o que lhe tem interessado em filmes como “Carvão” ou “Órfão”.
Sim. Gosto de tratar essa hipocrisia de maneiras diferentes. É uma característica humana de todos nós. A sociedade obriga-nos a cumprir um papel socialmente aceite, bem visto por conta da religião e também do capitalismo. Mas não só. As pessoas são obrigadas a encaixar-se. O ser humano não é assim. Conheço muita gente que são como a Telma. Claro que esta sátira não deixa de ser cinema. Gosto desse lugar maniqueísta, porque as pessoas têm nuances. Não são só boas ou más. Têm sombras. E isso é cinema. De fazer o que eu digo e não o que eu faço.

No entanto, quis dar alguma espécie de compaixão a estas personagens que podem ser vistas como homofóbicas. O cinema tem essa dimensão de dar o outro lado de quem não gostamos?
Nós colocamos as pessoas de uma maneira absoluta. Não tenho muito apreço por essa visão. É absurdo. Gosto de olhar para elas, como tomam decisões que não tomaria, que são corretas ou incorretas. O que é verdade ou não. Mas o que é a verdade? A mãe do “Pedágio” tem problemas reais. Ganha pouco, tem de acordar às quatro da manhã para trabalhar. Ficar numa portagem é um horror. É um confinamento. Os automóveis a passar o dia inteiro, estás com milhões de pessoas e sozinha ao mesmo tempo. Uma mãe solteira com um adolescente. Só que a principal dificuldade dela é que o filho é gay. E não é porque ela é má. É porque foi socialmente ensinada a achar que o filho tem algo de errado. Se ele não se encaixa num perfil de homem heterossexual, se se veste de uma certa maneira, então está errado. Não queria que a Suellen fosse um monstro porque não acho que seja. Há ali uma certa ignorância e inocência e um papel social que te obriga a cumprir metas que não correspondem à realidade. Portanto, sim, de certa forma, queria que fosse possível perceber esta mãe. E de não haver uma divisão entre vilão e vítima, principalmente nestes casos.

Falemos da influência das igrejas evangélicas no Brasil. O ano passado, um dos filmes favoritos, o “Retratos Fantasmas”, do Kléber Mendonça Filho, falava sobre essa substituição: dos cinemas pelas igrejas no Recife. Com a ascensão de Jair Bolsonaro a influência evangélica tornou-se ainda mais dramática no país. O cenário está a melhorar com a saída de cena desse presidente?
A Igreja representa um cidadão vulnerável. Entra no lugar de ausência do Estado. Representa um alento. Não olho para estas pessoas como ignorantes ou ingénuas. É preciso ter uma razão para continuar a viver e a acreditar. Depois, há o lado do espetáculo. De lazer. De ir à igreja ao fim de semana. Olhas para aqueles pastores a falar, é um espectáculo. São personagens. Portanto, sim, há uma carência de algo. De saúde, de educação, do próprio Estado. A igreja toma conta das necessidades básicas, inclusivamente da cultura. Ou seja, substitui muita coisa.

Mas essa influência aumentou com Bolsonaro? Ou ficou mais visível? Já lá estava, digo.
Sim. Bom, despertou certamente. Já vem de há muito tempo. O Bolsonaro prega para o público. Falaciosamente, mas prega. Os pastores orientaram muita gente a votar nele. Mas voltando à pergunta, sim, acho que essa substituição existe mas não é só por esse motivo de influência. O streaming, a vulnerabilidade financeira faz com que as pessoas deixem de ir ao cinema. Claro que a igreja, quando chega, chega com tudo. Oferece muitos tentáculos para suprimir as necessidades.

"Não queria fazer um documentário. Queria colocar as pessoas que acreditam nesta cura sob um ponto de vista ridículo. De alguém que quer curar algo que não é uma doença. Ninguém deveria querer influenciar a sexualidade do outro. O ridículo é termos uma pessoa que se coloca com o bastião da sabedoria, que sabe o que está certo ou errado na sexualidade"
Carolina Marcowicz, realizadora do filme "Pedágio"

Queria olhar para o facto do “Pedágio” ser uma coprodução portuguesa. Tem um ator português, o Isac Graça, a fazer de pastor. Mas antes, perguntar-lhe que reação teve este filme no Brasil? Fez uma boa campanha pela Europa mas, no seu país, imagino que não tenha estreado sem polémica.
É difícil medir. Tentei caracterizar uma igreja neopentecostal com um pastor estrangeiro. Geralmente, o pastor é um homem mais velho, vestido de fato, a falar num púlpito, cheio de cadeiras brancas. Tentei sair dessa imagem, não me interessava muito. E, depois, tudo isto não gira só à volta da Igreja evangélica mas também da católica.

Em Portugal foram relatados casos de terapias de conversão.
Difícil de acreditar, não é?

Sem dúvida.
Mas para lhe responder: como a questão da cura foi retratada com sarcasmo, de forma ridícula, houve gente a questionar. De estar a falar de algo tão sério, onde há pessoas que sofrem, que morrem, que se suicidam, desta maneira mais sarcástica. Só que eu queria que fosse assim. Não queria mostrar a violência real e gráfica que acontece. Não queria fazer um documentário. Queria colocar as pessoas que acreditam nesta cura sob um ponto de vista ridículo. De alguém que quer curar algo que não é uma doença. Ninguém deveria querer influenciar a sexualidade do outro. O ridículo é termos uma pessoa que se coloca com o bastião da sabedoria, que sabe o que está certo ou errado na sexualidade. Daí que, sim, houve polémica no Brasil com o “Pedágio”. Para mim essa perspetiva é conservadora porque o cinema tem de oferecer vários tons. Tem de permitir tomar esse risco e pensar de maneiras diferentes para contar histórias. Portanto, a polémica foi mais relacionada com o tal sarcasmo e não tanto por estar a falar da Igreja evangélica.

Teve alguma mãe como a Suellen a vir falar consigo?
Muitas. Mães, psicanalistas, aconteceu no mundo inteiro. Foi impressionante. As culturas são muito diferentes, é verdade, mas os problemas são universais. A mãe que não aceita um filho é um problema universal. Seja no Canadá ou em Marrocos. Existe um grupo de mães em São Paulo, de onde eu nasci, que vieram falar connosco. Foi incrível. Os psicanalistas de que falei também escreveram sobre o filme.

Imagino que também tenha sido aberta uma grande discussão sobre o final do filme porque não há um final feliz.
Sim. Não sabemos se aquela mãe e aquele filho vão conseguir relacionar-se. É um work in progress. Daí que senti que as pessoas se identificaram com esse lado do “Pedágio”.

O cinema para si não acaba só com a estreia do filme.
Exato. Só gosto de estar nesta área assim. De ser uma história que continua. Faz com que as personagens se mantenham vivas. Não se fecha com os créditos. Para mim é fundamental.

Quer que o público depois construa o resto da história.
Dantes havia sempre finais felizes. O cinema mudou muito. Adoro finais abertos. Há quem não goste, claro. É mais fácil deixar o final. É bom imaginar o que aquelas pessoas irão fazer a seguir. Pensar o que se seguirá. Claro que há finais fechados em que a história não termina. Depende da complexidade que se dá às personagens e ao momento que estão a viver. O mais interessante é dar a oportunidade para que elas vivam além da tela. No final do “Pedágio” não há propriamente um entendimento entre os dois. Nem que existe nem que não existe. De se saber o que vai acontecer no dia seguinte. Não acho necessariamente que seja um final triste. É contemplativo. O filme tem que deixar-te a pensar. O que aconteceu com aquelas pessoas, com a cidade à sua volta.

É verdade que nós sentimos a carga toda daquela relação no momento em que o Tiquinho está a fazer o playback com a mãe a olhar para ele.
Exato. E agora o resto… logo se verá.

O ator português Isac Graça é o Pastor Isac

Falemos do ator português. Porquê um pastor português? Surgiu-lhe logo essa ideia?
Não. Testei muita gente no Brasil. Não ia ser português inicialmente. Só que incomodou-me estar atrás dessa caracterização de homem mais velho, muito intenso. Abri a mente e procurei um perfil diferente. De encontrar alguém de quem não se estava à espera. E, nesse momento, uma das produtoras, a Karen e o Luís Urbano, da Som E Fúria, apresentaram-me o Isac. Achei uma figura muito interessante. Muito improvável.

Parece um messias tecnológico de Silicon Valley.
É, é. Tudo muito low-fi com aquele computador gigantesco. Parece uma seita com um guru. Gostei dessa ideia. De falar com seriedade sobre aquelas práticas. Foi um amor à primeira vista com o Isac. Portanto, nunca tive a imposição de colocar um português por ser uma coprodução com Portugal.

Fez muita investigação sobre terapias de conversão no Brasil, imagino.
Conversei com muita gente, visitei imensas igrejas. Até há pouco tempo, no Brasil, era proibido agora voltou a poder-se fazer. Mesmo que seja proibido, continua a existir clandestinamente. No “Pedágio” é tudo ficcionado. Claro que o escárnio com que a corrente ultraconservadora olha para as comunidades LGBT é aviltante. Já vimos uma ex-ministra dos direitos humanos, senadora mais votada, a dizer que as meninas não podem brincar com a boneca da Frozen porque é lésbica. Há outro deputado na Baía, por exemplo, que diz o menino tem pénis, apontando para o pénis dele. É inacreditável. Parece ficção. É absurdo. Um absurdo quase vulgar. Outro deputado de Minas Gerais, que também deve ser dos mais votados, apresentou-se com uma peruca para gozar com a comunidade transsexual. É um teatro tosco. São pessoas que mandam no país. Uma loucura. É política. Não é um stand-up ridículo de rua. Tudo isto sempre me deixou abismada. Como essas pessoas são levadas a sério.

E esse discurso tem uma consequência.
Sim, porque estás a tentar que a pessoa deixe de ser como é. E essas pessoas continuam a ser levadas a sério. Queria muito levá-las para o lugar onde deviam estar: no ridículo. Agora, quanto aos exercícios e aquilo que vemos nas cenas da terapia de conversão, sim, vêm dessa performance, mas inspiradas na cena política conservadora do Brasil.

"Tudo demora a voltar quando algo é destruído. Não se reconstrói do dia para a noite. O cinema brasileiro agora está a ser reconstruiío. De voltar a ter os fundos, os meios para ser feito de maneira mais proporcional ao tamanho do país. É um processo lento mas que, graças a Deus, já terminou com o terror absoluto que vivemos. Claro que vai levar tempo para entrar nos trilhos".
Carolina Marcowicz, realizadora do filme "Pedágio"

Queria olhar também para o ator que faz de Tiquinho. É peculiar, não é o protótipo de ator tradicional. Tem expressões dignas da sua idade, como se a câmara não lhe importasse. De quem não está ciente de que está a filmar.
Já tinha trabalhado com ele anteriormente. Fiquei muito encantada da primeira vez. Tem quase uma indiferença com o facto de estar a fazer um filme. Por ser o protagonista. Pode correr muito bem ou muito mal. Gosto desse risco. Traz uma certa naturalidade que procuro no meu cinema. No acting. Claro que pode ser um desafio para filmar. Para a concentração durante a rodagem. O Kauan Alvarenga  tem uma expressão de menino da cidade. Tem mesmo. São esses os momentos que mais me interessam nele. Claro que ele também se relaciona com a personagem.

Por último, o cinema brasileiro. Nunca parou mas passou por enormes dificuldades durante o bolsonarismo. Como é que avalia o atual momento sob a presidência de Lula da Silva? Contactei com alguns cineastas brasileiros em Cannes, o ano passado, e pareciam estar todos a respirar de alívio.
Uma pergunta bem relevante. Tudo demora a voltar quando algo é destruído. Não se reconstrói do dia para a noite. O cinema brasileiro agora está a ser reconstruído. De voltar a ter os fundos, os meios para ser feito de maneira mais proporcional ao tamanho do país. É um processo lento mas que, graças a Deus, já terminou com o terror absoluto que vivemos. Claro que vai levar tempo para entrar nos trilhos.

Kauan Alvarenga é Tiquinho

Deram-se muitos passos atrás? O Miguel Gomes, realizador português, que agora ganhou um prémio em Cannes, falou nisso: dos avanços e recuos no financiamento público.
No Brasil é igual. Só que é um país gigantesco.É muita gente a concorrer por poucos fundos. Houve uns que pararam completamente no governo de Bolsonaro. Tornou-se numa grande incerteza, sem ministério da cultura sequer. Se andamos para trás ou para a frente estamos sempre no mesmo sítio. O apoio para a cultura devia ser algo mantido ou aumentado. O cinema é uma arte que demora muito para ser feita. São três ou quatro anos para fazer um filme. Demora para vermos os frutos.

Depois de várias curtas-metragens, de duas longas-metragens, e falando novamente de momentos, este é o seu melhor momento?
Sou muito grata. Sinto-me privilegiada dos filmes terem tido um percurso bonito com reconhecimento internacional. Das pessoas se identificarem com a minha obra. De ver essas reações pelos diferentes países. É muito difícil fazer cinema. Sinto que ainda estou a subir degraus. Espero por momentos ainda melhores. Sinto-me ainda a construir a minha carreira.

E vai-se manter neste registo de provocação sobre tradições, estereótipos e por aí?
É difícil dizer. Para conseguir fazer cinema tenho de estar muito apaixonada pela história e pelas personagens. Interessa-me, como disse, as sombras humanas. O que nos motiva e o que nos influencia. Vejo a vida como uma mistura de tons. Não sentimos só uma coisa. Há elementos, por isso, que vão continuar no meu trabalho. Não sei é se os filmes vão ser diferentes. Prefiro não dizer.

Os seus pais não tinham nada a ver com o cinema. Onde o descobriu?
Tenho uma lembrança na cidade de Bragança, no Brasil, os meus avós tinham uma fazenda e víamos cinema todos juntos à noite numa televisão gigante. Alugávamos VHS que tínhamos de devolver na segunda-feira. Era um momento. Fascinava-me.  Sempre tive uma ligação com isso. Penso que terá começado aí.

Um momento religioso.
Totalmente!

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