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Como o póquer online regressou a Portugal

O póquer online regressou em força a Portugal, depois de um de interregno de quase dois anos. Somos um dos três países com mais jogadores em todo o mundo, à frente de França, Itália ou Espanha.

“O facto de Portugal estar entre as três redes de póquer online com maior tráfego em todo o mundo diz muito sobre o interesse dos jogadores portugueses”, analisa Eric Hollreiser, responsável máximo pela comunicação da PokerStars, enquanto aponta para o ecrã do computador portátil durante a entrevista com o Observador. Os dados são do Pokerscout, que se dedica a medir o tráfego de póquer online em todo o mundo, e não deixam espaço para grandes dúvidas: depois de ter voltado ao mercado português no início de dezembro, o site pokerstars.pt tem estado ininterruptamente entre as três plataformas com mais jogadores em todo o mundo, à frente de países como França, Itália ou Espanha.

A empresa, fundada em 2001 por um antigo programador da IBM, foi a primeira a obter a licença de póquer online em Portugal, depois de um período de quase dois anos em que esteve impedida de operar. Em Portugal, à semelhança do que aconteceu em vários Estados europeus, o jogo online percorreu um longo caminho de regulamentação. Agora, e com pouco mais de um mês de atividade nesta nova encarnação, a resposta do mercado português tem superado mesmo as melhores expectativas da companhia.

O fenómeno português, de resto, tem merecido o destaque de vários órgãos de comunicação e blogues especializados em póquer. Em Nassau, nas Bahamas, onde decorre o PokerStars Championship Bahamas, o tema surge invariavelmente nas conversas informais entre jornalistas de várias países. “Mas em Portugal toda a gente joga póquer!?”, pergunta, curioso, um jornalista norte-americano que acompanha esta realidade desde o boom do póquer, no início dos anos 2000. Não será toda a gente naturalmente, mas o caso português tem sido usado como prova provada de que as notícias sobre o declínio do póquer online eram manifestamente exageradas.

E embora prefira não divulgar o número de jogadores registados em Portugal ou a quantidade de dinheiro investido pelos jogadores portugueses desde o início de dezembro, quando a PokerStars reiniciou a sua atividade, Eric Hollreiser não esconde a satisfação com os primeiros resultados da companhia no mercado português.

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“Ao longo da nossa história, tivemos de entrar, sair e reentrar em diferentes mercados. É evidente que não é aquilo que procuramos para o nosso negócio, nós procuramos a consistência e previsibilidade para os nossos acionistas. Existem sempre riscos quando deixas o mercado. Nós vimos isso em várias jurisdições. As pessoas perdem o interesse ou encontram outros interesses. É um negócio de risco”, sublinha Hollreiser, em declarações ao Observador.

O responsável pela comunicação da marca ajuda a contextualizar os problemas que a companhia enfrentou quando o póquer online se tornou um fenómeno à escala mundial. “Como várias tecnologias disruptivas, o póquer online desenvolveu-se de forma muito mais rápida do que os reguladores. Ao longo da nossa história, temos tentado aproximar a tecnologia aos padrões de segurança que os consumidores e os Governos exigem. Mesmo assim, e tal como acontece em várias indústrias, os Governos não estão necessariamente preparados para isso”.

“Ao longo da nossa história, tivemos de entrar, sair e reentrar em diferentes mercados. É evidente que não é aquilo que procuramos para o nosso negócio, nós procuramos a consistência e previsibilidade para os nossos acionistas. Existem sempre riscos quando deixas o mercado. Nós vimos isso em várias jurisdições. As pessoas perdem o interesse ou encontram outros interesses. É um negócio de risco"
Eric Hollreiser, vice-presidente do departamento de comunicação da Amaya Inc., marca que detém a PokerStars

O longo período de espera parece, no entanto, ter compensado no caso português. Ainda assim, o póquer online em Portugal enfrenta agora novos desafios. Ao contrário do que antes acontecia, a regulamentação veio trazer uma realidade que antes não existia: a liquidez do mercado será apenas a que circula no domínio “.pt”, ou seja, à semelhança do que fizeram outros países na Europa, os legisladores portugueses optaram por um modelo de mercado fechado, pelo que os jogadores registados em Portugal apenas podem jogar contra outros jogadores registados no país. A equação é simples: um mercado fechado traduz-se em menos jogadores, menos competitividade e prémios mais baixos.

“De alguma forma, os legisladores portugueses estão a seguir o que consideram ser as melhores práticas e a tentar fazer aquilo que a maioria dos governos tenta fazer: primeiro, proteger os consumidores; e, segundo, obter lucro, ou seja, ser capaz de taxar a atividade. [Mas esta] não é a solução que nós recomendamos. E há várias razões para isso, muitas delas são do nosso exclusivo interesse, mas outras tem que ver com o interesse dos consumidores”, defende Eric Hollreiser, que é também o vice-presidente do departamento de comunicação da Amaya Inc., marca que detém a PokerStars.

Além disso, continua, “ao contrário do que acontece com os casinos, por exemplo, ter muitos jogadores é muito importante. Num mercado fechado estamos a reduzir significativamente os prémios em jogo e qualidade do jogo”.

O período em que o póquer online esteve proibido em Portugal levou a que muitos jogadores profissionais tivessem deixado o país à procura de destinos onde o jogo estava devidamente regulamentado, como Grécia ou Malta. Foi o caso de André Coimbra, cuja história já aqui foi contada pelo Observador. Uma história que tem um antes e um depois da ilegalização do póquer. Quando as casas de jogo online decidiram suspender a atividade em Portugal, André Coimbra viu-se obrigado a mudar para a Grécia para continuar a sua atividade. “Foi um ano difícil, em que estive longe da minha família e rotinas”, assume.

Na Grécia, dividia o tempo entre “treino no ginásio ou ioga de manhã”, começa por contar. Depois fazia uma transmissão em inglês onde jogava póquer e explicava as minhas jogadas. Dedicava o final do dia à minha mulher”.

A nova fase do póquer online em Portugal está a trazer de volta às mesas virtuais portuguesas muitos desses jogadores. Mas os obstáculos ainda são enormes: o novo modelo de mercado português continua a ser um handicap para quem se dedica exclusivamente ao jogo. Só que esta realidade pode mudar em breve.

A entrevista com Eric Hollreiser aconteceu precisamente no mesmo dia em que o Governo português entregou um projeto de regulamento junto da Comissão Europeia para tornar possível um modelo de mercado de liquidez partilhada. Se for aprovado, Portugal poderá juntar-se a países como Espanha, França ou Itália num mercado de póquer online partilhado e uniformizado.

Para o responsável, este é um passo decisivo para a evolução do mercado europeu e, naturalmente, para a evolução do mercado português. “Vai melhorar a experiência de jogo, vai melhorar as nossas receitas, naturalmente, mas também vai melhorar o mercado, o que vai resultar em mais receitas de impostos para o país”.

André Coimbra concorda. “Agora temos que continuar o caminho de modo a chegarmos a um mercado internacional onde possamos competir com jogadores de outras nacionalidades, com mais jogos mais frequentes e torneios maiores. Sempre nos disseram que o mercado fechado era uma situação temporária. Quantos mais países tivermos para competir connosco, maiores serão as grandes competições e melhor será a experiência dos jogadores”, sublinha.

Em termos de regulamentação do póquer online, a União Europeia, de resto, tem liderado um caminho que continua por cumprir em vários países da América Latina, como o Brasil, por exemplo, e, sobretudo, nos Estados Unidos, onde o póquer online está regulamentado apenas em três estados.

À semelhança do que aconteceu em vários países europeus, nos Estados Unidos, a ilegalização do jogo online que envolvesse qualquer quantia de dinheiro, num processo que ganhou força a partir de 2006, provocou um êxodo de jogadores profissionais e o afastamento das principais plataformas de póquer online. O mercado norte-americano nunca mais recuperou os níveis anteriores. A título de exemplo, o número de jogadores do estado de New Jersey — que, com cerca de 9 milhões de habitantes, foi o terceiro estado a regulamentar o jogo online nos EUA, em 2013, — está a anos-luz do número de jogadores registados em Portugal. Era isso que fazia notar o analista de póquer e especialista no mercado norte-americano Steve Ruddock, num artigo publicado no Online Poker Report onde se propunha a explicar precisamente o fenómeno português.

Poquer-Maos

Ilustração: Andreia Reisinho

Outro dos fatores usados por Steve Ruddock no seu exercício de comparação entre Portugal e o estado de New Jersey é a questão da idade legal para jogar póquer online: no estado norte-americano a idade mínima para jogar é de 21 anos, em Portugal é de 18 anos, o que pode ajudar a explicar, em parte, a discrepância.

A interdição de menores a apostas e jogo online foi precisamente uma das maiores preocupações dos legisladores portugueses quando pensaram e desenharam a lei aprovada na Assembleia da República, a 25 de julho de 2014, pelos grupos parlamentares de PSD e CDS. Ao Observador, Eric Hollreiser garante que a companhia obedece aos padrões mais rigorosos.

“Acredito que temos os melhores padrões no que diz respeito à proteção dos jogadores, sobretudo no que diz respeito à proteção dos jogadores vulneráveis, aqueles que não deviam estar a jogar. Fazêmo-lo através um sistema rigoroso de verificação. O que muitos estudos têm comprovado, aliás, é que é muito mais difícil para menor jogar online do que em casinos, por exemplo”, defende.

“De alguma forma, os legisladores portugueses estão a seguir o que consideram ser as melhores práticas e a tentar fazer aquilo que a maioria dos governos tenta fazer: primeiro, proteger os consumidores; e, segundo, obter lucro, ou seja, ser capaz de taxar a atividade. [Mas o mercado fechado] não é a solução que nós recomendamos".
Eric Hollreiser

Outra das críticas feitas com maior recorrência às plataformas que se dedicam ao jogo online prende-se com o facto de terem, na sua grande maioria, sedes fiscais em paraísos fiscais ou em regimes semelhantes. Com a PokerStars não é diferente: a empresa tem o seu quartel-general desde na Ilha de Mann, uma dependência da coroa britânica, considerada um paraíso fiscal. Confrontado com os potenciais prejuízos para a imagem da marca, Eric Hollreiser explica que foi uma escolha consciente e garante que a companhia opera dentro de todas as normas legais.

“Estamos sempre preocupados com a perceção da opinião pública. Ao mesmo tempo, temos de operar da forma mais eficaz possível, ainda para mais quando, enquanto parte de uma indústria global, estamos literalmente a pedir para sermos regulados. No futuro, isso vai reduzir progressivamente as nossas receitas e o nosso lucro. Dito isto, operamos respeitando todas as normas legais, procuramos aconselhamento legal e, como muitas companhias, atuamos em jurisdições mais vantajosas do ponto vista fiscal porque isso nos traz vantagens naturais”, argumenta o responsável pela comunicação da companhia.

No mesmo artigo publicado no Online Poker Report, Steve Ruddock adiantava ainda outro fator que pode ajudar a explicar o fenómeno português: a escolha de Cristiano Ronaldo para embaixador da marca. Não é o único desportista a constar na lista: nas mesas de póquer, assim como nos relvados espanhóis, Ronaldo tem a concorrência do craque brasileiro Neymar. Dwayne Wade, uma das muitas estrelas da NBA, também é uma aposta da empresa para divulgar e dar uma imagem mais positiva ao jogo. “O que acontece com muitos desportistas e ex-desportistas é que encontram no póquer a competição e os aspetos estratégicos dos desportos que praticam ou costumavam praticar”, explica Eric Hollreiser.

Uma estratégia global que se estende outras figuras do entretenimento como o comediante Kevin Hart ou o ator Aaron Paul, mais conhecido pelo seu papel como Jesse Pinkman na multi-premiada série Breaking Bad. Ou da moda, por exemplo, com destaque para Sara Sampaio, uma das novas caras da PokerStars. Hollreiser assume a estratégia e explica porquê: “É uma forma de levar o jogo a novas audiências. Procuramos pessoas que tenham uma enorme legião de seguidores mas que também gostem de póquer”, remata.

“Estou convencido que o póquer vai regressar em força”

Ulisses Pereira, um dos primeiríssimos embaixadores do póquer em Portugal, ajuda a pintar o quadro da realidade portuguesa. O analista financeiro, que durante largas temporadas ajudou a levar o póquer às televisões portuguesas, partilha as observações feitas por Eric Hollreiser em relação à forma como o mercado de póquer online está organizado em Portugal. “Com o mercado fechado os jogadores perderam a oportunidade de competir com mais gente, o que além de se poder vir a tornar frustrante, retira qualidade ao jogo”, explica.

Atualmente, em Portugal, os maiores prémios atribuídos em torneios virtuais rondam os 3 a 4 mil euros. Num universo que já deu prémios de mais de 9 milhões de euros (em torneios ao vivo) e 2 milhões de euros (em torneios online), o atual modelo “torna-se menos atrativo”, concede Ulisses Pereira.

Além disso, continua, o interregno provocado pela falta de regulamentação não só afastou muitos jogadores portugueses como teve um impacto profundo na visibilidade dada ao jogo: depois do boom do póquer, a transmissão dos maiores torneios do mundo desapareceu praticamente das programações das televisões portuguesas. “É muito importante que as televisões voltem a transmitir os torneios. Vai ser uma forma de voltar a massificar a competição”, explica.

“Estou convencido que póquer vai regressar em força Portugal. O póquer vei para ficar"
Ulisses Pereira, analista financeiro e comentador de póquer

Os casinos portugueses acabaram por aproveitar o espaço deixado pelo desaparecimento das salas virtuais: nunca se jogou tanto póquer nos casinos como nos últimos cinco anos. “Os casinos aproveitaram o hype criado pelo póquer online e adaptaram-se”. De jogo residual ou até inexistente nestes espaços físicos, o póquer ganhou um espaço próprio e tornou-se uma forma de se auto-promoverem. “Os casinos beneficiaram muito deste ano e meio de interregno”, nota Ulisses Pereira.

As perspetivas são agora mais animadoras. A confirmar-se a decisão de avançar para um mercado partilhado com outros países europeus, o póquer terá tendência a sair reforçado e a consolidar-se novamente como fenómeno de massas. “Estou convencido que póquer vai regressar em força Portugal”, sublinha o analista financeiro. Segredo que justifique tamanha popularidade do póquer em Portugal? Ulisses Pereira arrisca um: “Os portugueses gostam de jogar, gostam do risco. Basta olhar para o que aconteceu com o Euromilhões e para o fenómeno das raspadinhas. O póquer em Portugal veio para ficar”.

E desta vez é mesmo all-in.

*O Observador viajou a convite da PokerStars.

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