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Não tem um dia certo para acontecer, mas o fenómeno do “halving” da bitcoin está há várias semanas no radar do mundo das criptomoedas. Entre esta sexta e sábado, quando for minerado o bloco número 840 mil na blockchain de bitcoin (210 mil desde o último evento), a recompensa atribuída a quem minera a criptomoeda mais conhecida do mundo vai ser reduzida para metade. Passará de 6,25 para 3,125 bitcoins por bloco.
Em linhas simples, a mineração envolve a resolução de complexos problemas criptográficos, que mudam frequentemente, para gerar um bloco. É um processo que envolve competição entre quem minera para conseguir resolver o problema antes dos rivais. E, só quando a rede valida a integridade desse bloco, é que é atribuída a recompensa. Nos primeiros anos da bitcoin, era generosa, na ordem de 50 bitcoin, para incentivar a adoção.
O fenómeno “halving” está programado e faz parte das características da criptomoeda: consta do “whitepaper” lançado em 2009 por Satoshi Nakamoto, que se acredita ser o criador da criptomoeda, mas cuja identidade nunca foi confirmada. Assim, prevê-se que a recompensa a atribuir seja reduzida gradualmente a cada quatro anos até que seja minerado o valor máximo de 21 milhões de bitcoin, que deverá acontecer em 2140. Atualmente, já foram mineradas cerca de 19 milhões de bitcoin.
“É um mecanismo pensado pelo criador da bitcoin com o objetivo de, no início, quando a rede tinha pouca adoção, recompensar os mineradores com mais emissão de moeda”, explica ao Observador Hugo Volz Oliveira, secretário do New Economic Institute e porta-voz da Federação das Associações da Cripto Economia (FACE). À medida que a rede se expandiu “a estimativa era que o valor atribuído pelo mercado à moeda iria subir e que não faria sentido atribuir aos mineradores a mesma recompensa”, reduzindo-se assim o incentivo e, como tal, haver menos produtores e menos moeda produzida.
Noutros anos, o “halving” tornou-se uma fonte de entusiasmo no mundo das criptomoedas pelo impulso dado ao valor da bitcoin. Em teoria, se houver menos criptomoeda a ser minerada, menos oferta, o preço aumentaria para fazer face à procura. Volz Oliveira reconhece que, de forma simples, “as pessoas tendem a mencionar o corte na oferta como algo potencialmente benéfico para o preço”, mas, “nos dois últimos ciclos, no imediato, não houve avaliação positiva de preço, só chegou 6 a 18 meses após o ‘halving’”.
Quando aconteceram os cortes anteriores e qual foi a reação no preço?
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O “halving” acontece de cada vez que são minerados mais 210 mil blocos na blockchain de bitcoin, o equivalente a períodos de quatro anos. Qual a razão para serem 210 mil? É a estimativa de produção de seis blocos por hora, que representam 144 por dia, 52 mil por ano e, feitas as contas, 210 mil blocos ao longo de quatro anos.
O primeiro “halving” aconteceu a 28 de novembro de 2012, quando foi feito um corte na recompensa de 50 para 25 bitcoin recebidos por bloco. Nos seis meses seguintes, o preço da bitcoin disparou de 12,4 dólares para 132 dólares (dados Investing.com).
Cerca de quatro anos mais tarde, a 9 de julho de 2016, um novo corte, desta vez de 25 para 12,5 bitcoins por bloco. E mais uma subida de valor, de 662,8 para 827 dólares no espaço de seis meses.
A 11 de maio de 2020, o novo corte baixou a recompensa de 12,5 para 6,25 bitcoins por bloco. Na altura, a bitcoin disparou de 8.579,8 dólares para 15.695 dólares no prazo de seis meses.
O novo “halving” vai tornar a recompensa ainda mais baixa, que passará a ser de 3,125 bitcoin por bloco.
O próximo evento programado deverá acontecer em 2028, reduzindo a recompensa novamente para metade (1,5625).
Taxas de juro mais altas e um contexto geopolítico desafiante: um “halving” que promete ser diferente
Henrique Tomé, analista da XTB, nota que o fenómeno “influencia diretamente a oferta de bitcoin no mercado, podendo impactar o seu preço a longo prazo”. E, até ao momento, diz que o comportamento deste criptoativo “tem estado em linha com os últimos três ‘halvings’”. Antecipa que o preço da bitcoin, que tem estado acima dos 63 mil dólares, “deverá manter-se estável, para depois potencialmente voltar a subir, como aconteceu nos ciclos anteriores”.
Já Hugo Volz Oliveira, do New Economic Institute, admite que é normal que as pessoas antecipem “que o corte na oferta possa potencialmente ser benéfico para o preço”. Mas à medida que a bitcoin amadurece, o corte “também vai tendo menos impacto” no mercado, acredita.
“O choque da oferta vai ser muito menor do que foi há quatro ou oito anos”, completa Pedro Borges, CEO da corretora portuguesa de criptomoedas Mercado Bitcoin. Para já, porque os meses anteriores ao evento programado têm revelado um período um “bocadinho diferente”, nota. “Primeiro, porque o preço subiu bastante antes do ‘halving’, o que não é normal, provavelmente o mercado terá começado mais cedo a antecipar essa quebra na oferta.” Até este ponto do ano, esta criptomoeda soma 50%.
Por outro lado, realça a aprovação pelo regulador norte-americano dos mercados, a SEC, da cotação e negociação dos primeiros ETF (exchange-traded fund) com bitcoin. “Foi um absoluto virar de jogo e provavelmente um dos acontecimentos mais importantes da história da bitcoin”, assegura, até pelo “número de pessoas e clientes institucionais que entraram na indústria”.
A procura alavancada pela aprovação dos ETF ajudou a criptomoeda a subir de preço e a atingir um máximo histórico, quando ultrapassou os 73 mil dólares em março. Como nota Ricardo Martins, do Bison Digital Assets, é “algo inédito antes de um ‘halving’”. Recordando o que se passou nos eventos anteriores, este especialista refere que “normalmente a bitcoin ainda estava muito longe de um máximo histórico” antes do fenómeno programado.
Não é fácil antecipar o que pode acontecer ao preço da bitcoin nos próximos tempos, notam os especialistas, mas há um consenso de que o atual contexto macroeconómico promete fazer a diferença. “Não tenho uma bola de cristal, ninguém tem, mas há a noção de que os tempos são diferentes, de que há dinâmicas de mercado que também influenciam imenso o preço”, diz Ricardo Martins, do Bison Digital Assets. “Estamos a passar por uma altura macroeconómica de instabilidade mundial e de taxas de juro elevadas – a bitcoin passou quase toda a sua história com taxas de juro baixas, que tipicamente favorecem o risco e o arriscar um bocadinho num ativo menos conhecido.”
Há ainda que ter em conta conflitos de geopolítica, como a “instabilidade no Médio Oriente”, completa Hugo Volz Oliveira. “Nas últimas semanas já estamos a ver a diminuição do preço da bitcoin por causa da instabilidade geopolítica, que é um fator mais importante do que o ‘halving’”. Em tempos de instabilidade, há uma tendência para que haja um afastamento de ativos mais associados a risco, como ações ou criptomoedas.
“Halving” aumenta custos para quem minera bitcoin, mas mercado já se terá adaptado
O responsável pela área cripto do Bison Digital Assets fala num “evento muito simples, mas que tem grandes repercussões”. “É algo completamente único em todos os outros ativos financeiros” e que, ao mesmo tempo, é um lembrete de que “a cadência de emissão de bitcoin é algo previsível”.
Ao mesmo tempo em que é ajustada a emissão de bitcoin, também há efeitos no lado de quem minera. A mineração de qualquer criptomoeda precisa de recursos, sobretudo de energia e equipamento. Se há uma redução gradual dos incentivos à mineração, a atividade “torna-se automaticamente mais cara”, explica Pedro Borges, da Mercado Bitcoin. “Qanto é que o preço tem de subir para compensar que se mantenham mineradores a alocar esses recursos à atividade?” Segundo dados do JP Morgan, citados pela Bloomberg, produzir uma bitcoin ronda os 26.500 dólares. Com o “halving”, o custo para obter a mesma quantidade de criptomoeda duplicará para 53 mil dólares.
“Ao longo dos últimos anos vimos que muitos mineradores acabaram por ir à falência porque não se mantiveram competitivos no mercado”, diz Ricardo Martins. Mas acredita que o “halving” deste ano já terá sido contabilizado pelos grandes mineradores. “O que aconteceu nos últimos meses, à semelhança do que aconteceu no último ‘halving’, é que a indústria de mineração é mais sofisticada, com negócios muito bem organizados e que são mesmo muito competitivos”, contextualiza. “Os grandes mineradores já se posicionaram contando com este ‘halving’, andaram nos últimos meses a melhorar as suas infraestruturas para tornar a mineração mais eficiente.”
Há quem já cobice a primeira fração de bitcoin após o corte, que pode ser um artefato raro
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O “halving” deste ano promete ter outra diferença: é o primeiro desde o lançamento do protocolo Ordinals, uma forma que permite diferenciar as frações mais pequenas de bitcoin. E, consequentemente, também a raridade.
O valor mais pequeno de bitcoin é conhecido como satoshi ou “sats” – pensando num euro, o equivalente a cêntimos. De acordo com o site Coindesk, está instalada uma corrida entre os mineradores para arrecadar o primeiro satoshi após o evento programado, antecipando-se que possa ser raro e valer “milhões” de dólares. “É uma espécie de bilhete da lotaria”, disse um executivo ao site.
Goldman Sachs e JPMorgan pedem cautela nas expectativas de disparo de preço
Com os olhos postos na evolução do preço da bitcoin após este fenómeno programado, há já algum tempo que são feitos avisos para a comunidade cripto gerir as suas expectativas. O norte-americano Goldman Sachs, por exemplo, emitiu uma nota aos clientes para se prepararem para um cenário diferente dos últimos ciclos.
“Os três ‘halvings’ anteriores foram acompanhados por uma apreciação de preço após o corte, embora o tempo para chegar aos máximos tenha variado significativamente”, citou a Coindesk. “Deve ser tida cautela em relação a extrapolar conclusões a partir dos ciclos passados e o impacto do ‘halving’, tendo em conta a prevalência de condições macroeconómicas.”
Noutra nota divulgada esta semana, o JPMorgan avisou os clientes de que “não espera aumentos no valor da bitcoin após o ‘halving’, uma vez que já foi contabilizado”. O analista Nikolaos Panigirtzoglou, que assina a nota a que o The Block teve acesso, vê o cenário contrário: “uma quebra no preço da bitcoin por várias razões”, incluindo o máximo de preço atingido bastante antes do evento.