910kWh poupados com a
i

A opção Dark Mode permite-lhe poupar até 30% de bateria.

Reduza a sua pegada ecológica.
Saiba mais

i

JOSE COELHO/LUSA

JOSE COELHO/LUSA

Dr. Sérgio e Mr. Conceição. A fórmula que acabou com o jejum do FC Porto

Determinado e impulsivo, o treinador que nasceu em Ribeira de Frades e teve de superar a morte prematura dos pais tem, aos 43 anos, um estádio com o seu nome. E entra na lista de técnicos campeões.

Quando tinha oito ou nove anos chegava a casa a chorar se tivesse perdido o jogo na rua com os amigos de Ribeira de Frades, a dez quilómetros de Coimbra. Muito provavelmente foi essa vontade sanguínea em “ir além dos próprios limites”, revelada desde muito cedo, que o conduziu ao momento de maior glória da carreira de treinador, tornando o FC Porto campeão nacional depois de quatro anos de jejum – até porque, com as limitações que encontrou no Dragão devido ao garrote financeiro imposto pela UEFA, poucos apostariam cegamente na conquista da Liga portuguesa por parte de um técnico que chegou ao cargo sem qualquer título no currículo.

Sérgio Paulo Marceneiro Conceição, agora com 43 anos (nasceu em Novembro de 1974), teve de lidar desde cedo com muitos obstáculos. Aqueles que a vida lhe criou mas, também, os que a sua personalidade vincada foi arranjando ao longo de uma carreira iniciada nas camadas jovens da Académica. São muitas as histórias de “choques” com treinadores, adeptos adversários, árbitros e até, ou sobretudo, presidentes, o que lhe custou alguns castigos, expulsões (pelo menos oito, todas por vermelho direto) e saídas conflituosas.

“Não sou hipócrita”, disse após a derrota em Paços de Ferreira como justificação para não ter cumprimentado o técnico pacense João Henrique no final. A sua grande virtude transforma-se, por vezes, no principal defeito. Nada que impeça quem com ele jogou ou por ele foi orientado de exprimir a sua admiração pela “pessoa fantástica” que é o atual técnico do FC Porto, que já manifestou a sua intenção de dividir o prémio do título, um milhão de euros, com os seus adjuntos (Siramana Dembelé, Vítor Bruno, Diamantino Figueiredo e Eduardo Oliveira).

Espírito, vontade, ambição e tragédia

Sérgio Conceição entrou no mundo do futebol “a sério” em Coimbra. Segundo indicam os dados do site zerozero.pt, fez seis anos de formação na Académica e o certo é que deu nas vistas logo aí: a partir dos 16 anos começou a ser chamado às seleções nacionais, pelas quais somou um total de 20 internacionalizações (nove nos sub-16, três nos sub-17, onde sofreu a sua única expulsão com a camisola nacional, e oito nos sub-18, embora as últimas já como jogador dos azuis e brancos).

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

“Muitas crianças tiveram mais dificuldades do que eu, mas tenho orgulho naquilo que fiz. Para conseguir ir aos treinos tinha uma viagem de autocarro de seis quilómetros e depois andava bastante, porque o campo de treinos era perto da Universidade, na alta de Coimbra. Era preciso percorrer todo esse caminho e chegava já cansado. Às terças-feiras, nos dias em que os treinos eram mais leves, muitos faltavam, mas eu ia...".
Sérgio Conceição ao jornal Ouest France, na altura em que orientava o Nantes

“Muitas crianças tiveram mais dificuldades do que eu, mas tenho orgulho naquilo que fiz. Para conseguir ir aos treinos tinha uma viagem de autocarro de seis quilómetros e depois andava bastante, porque o campo de treinos era perto da Universidade, na alta de Coimbra. Era preciso percorrer todo esse caminho e chegava já cansado. Às terças-feiras, nos dias em que os treinos eram mais leves, muitos faltavam, mas eu ia… Não era um jogador muito dotado tecnicamente, fisicamente não tinha 1,90m, mas compensava com espírito, vontade e ambição. Por vezes chegava a lesionar-me”, contou o agora técnico ao jornal Ouest France, na altura em que orientava o Nantes.

Em 1991, acabou por rumar ao Porto, ele que até era sportinguista, “como quase toda a gente na minha aldeia” – tornar-se-ia portista, “um amor que tive depois de me dar tanto como pessoa e futebolista”, como justificou. Mas aquele que era um momento de absoluta felicidade para quem traçara o objetivo de vingar no mundo do futebol, começou da pior forma: no regresso a Coimbra depois de o deixar no Lar do FC Porto, o pai do então jogador morreu num acidente de viação.

“Foi uma história muito triste. Conhecemos o Sérgio numa terça e na quarta aconteceu aquilo”, relembra Bock, colega nos tempos de júnior. Pouco mais de dois anos volvidos, o extremo perderia também a mãe, numa altura em que estava no primeiro ano de sénior emprestado ao Penafiel. “Foi um episódio muito complicado… Aconteceu uma quinta ou sexta, eu estava à frente da equipa e nem contava com ele mas apareceu para jogar no dia seguinte. Sofreu muito, muito… o funeral foi complicadíssimo”, diz Adão, que passara por Varzim, Belenenses e Vitória de Guimarães e já estava na reta final da carreira ao serviço dos durienses.

No regresso a Coimbra depois de o deixar no Lar do FC Porto, o pai morreu num acidente de viação. Pouco mais de dois anos volvidos, o extremo perderia também a mãe, numa altura em que estava no primeiro ano de sénior emprestado ao Penafiel. “Tive uma infância muito difícil. Tinha 16 anos quando perdi o meu pai e 18 quando perdi a minha mãe. Foi um golpe duro porque sou de famílias extremamente humildes. Era como todos os jovens adolescentes, cheio de sonhos. Foi toda essa dificuldade que fez com me revoltasse com a própria vida".
Sérgio Conceição, à Flash

“Tive uma infância muito difícil. Tinha 16 anos quando perdi o meu pai e 18 quando perdi a minha mãe. Foi um golpe duro porque sou de famílias extremamente humildes. Era como todos os jovens adolescentes, cheio de sonhos. Foi toda essa dificuldade que fez com me revoltasse com a própria vida. Não foi um momento nada fácil”, confessou o próprio numa entrevista à Flash.

https://www.youtube.com/watch?v=QXzXQPrMHCU

Os cestos voadores

A tragédia inicial não impediu Sérgio Conceição de se afirmar nos juniores do FC Porto, onde esteve os dois anos da praxe. No segundo sagrou-se campeão nacional, ao lado de Bock, e desde o primeiro minuto não escondeu quem era.

“Aquilo que agora caracteriza o Sérgio como pessoa e treinador era aquilo que o caracterizava quando veio jogar comigo. Chegou novo da Académica, mas mesmo nos treinos era um chato, chato mesmo! Mesmo se perdesse uma pelada com os amigos era logo uma confusão terrível. Era mesmo assim. Desde muito novo que mostrava uma vontade de ganhar muito grande”, conta bem disposto Bock ao Observador, lembrando que “até os cestos voavam no balneário”: “Se a gente não lhe desse a bola, meu Deus! Queria ser sempre o centro das atenções no bom sentido. Se estivesse em melhor posição, tínhamos de o ouvir. Mas não era com maldade, ele vivia o jogo muito intensamente”.

“Até os cestos voavam no balneário”: “Se a gente não lhe desse a bola, meu Deus! Queria ser sempre o centro das atenções no bom sentido. Se estivesse em melhor posição, tínhamos de o ouvir. Mas não era com maldade, ele vivia o jogo muito intensamente”.
Bock, ex-colega de Sérgio Conceição nos juniores do FC Porto

Enquanto espera pelo jantar que Sérgio prometeu pagar no final do campeonato – os convívios com os colegas dos juniores ainda se mantêm –, o antigo goleador que passou boa parte da longa carreira (só deixou os relvados em 2016) no Freamunde faz questão de salientar o seu apreço pelo técnico do FC Porto.

“Sempre foi muito ligado aos amigos. Desde muito novo que namorava com a Liliana e com a situação da morte do pai teve de ser homem muito cedo. Vivia muito para a mãe e para a namorada, casou muito cedo. Por isso, era muito humilde e trabalhador e notava-se que queria ser alguém no futebol, o que felizmente conseguiu. Muito focado no jogo, no treino e na família. Se saísse aos 80 minutos já era um problema, se não fosse titular, o que aconteceu pouco, ou não jogasse, o falecido Costa Soares já não tinha uma semana fácil. Não era com maldade, toda a gente tem o seu feitio e eu era igual. Não lidava bem com o banco, era logo uma confusão tremenda, nem que fosse num particular. Conseguiu aquilo que conseguiu também pelo feitio dele”, assinala Bock.

Sempre nos limites

Cumprido o trajeto jovem, assinou contrato profissional com o clube das Antas e foi cedido ao Penafiel no primeiro ano sénior. Mas nem a passagem para um meio diferente alterou o que quer que fosse na atitude do jovem Sérgio – por isso, e apesar dos 19 anos, foi utilizado em 30 dos 35 jogos que o clube disputou nesse ano, tendo assinado o seu primeiro golo a Álvaro, da União de Leiria, num triunfo por 2-0 dos penafidelenses.

“Não era um talento mas em termos de trabalho, entrega ao jogo e determinação era insuperável. Tinha uma condição física muito acima da média e isso permitiu-lhe ir evoluindo em termos técnicos. Muita agressividade no treino, muita disponibilidade, não dava uma bola como perdida… Nos lances com os colegas não evitava os contactos e por isso havia algumas quezílias naturais. Eu era mais velho e mesmo assim tivemos alguns ‘arrufos’ nos treinos. Jogava e treinava nos limites, tinha uma personalidade muito forte. Hoje, quando está no banco, ainda o vejo com a irreverência daqueles dias. Parece que está também a jogar. É ativo, não para, está sempre a tentar retificar e a incentivar”, diz Adão ao Observador.

“Não era um talento mas em termos de trabalho, entrega ao jogo e determinação era insuperável. Muita agressividade no treino, muita disponibilidade, não dava uma bola como perdida... Nos lances com os colegas não evitava os contactos e por isso havia algumas quezílias naturais. Eu era mais velho e mesmo assim tivemos alguns 'arrufos' nos treinos".
Adão, ex-colega de Sérgio Conceição no Penafiel

“Fora do campo era um rapaz excelente, amigo do amigo, sempre pronto a ajudar.  Ao longo da carreira dele ajudou muita gente. Sempre o admirei e de vez em quando vou-lhe mandando uma ou outra mensagem a que ele responde. Não se esquece dos amigos, sempre. Não convivíamos assim muito, porque ele era um jovem e eu na altura já era um veterano. Mas íamos a alguns jantares e havia sempre muita brincadeira. Era brincalhão e disponível. Mas no campo, fosse jogo ou treino, era intratável”, acrescenta.

O Penafiel salvou-se por pouco da descida e no ano seguinte rumou a Leça da Palmeira. Joaquim Teixeira não o utilizou tantas vezes mas foi campeão da II Divisão de Honra e contribuiu com com três golos nos 24 jogos que disputou (marcou mais um na Taça). Numa vitória em Torres Vedras viu o primeiro vermelho como sénior aos 67 minutos, depois de ter entrado aos 31.

De Felgueiras às Antas, das Antas a Itália and so on

Em 1995, Sérgio Conceição chegou finalmente à I Liga. Mais um empréstimo, desta vez com destino a Felgueiras, onde Jorge Jesus também se estreava. O impacto foi imediato, com uma assistência e um golo, na sequência de um livre indireto junto à pequena área, no primeiro jogo (empate a dois com o Desp. Chaves), e o choque com o treinador também não tardou.

Na Lazio

Descontente com o sistema tático que o deixava desprotegido – tinha a missão de fazer todo o corredor direito –, discutiu com Jesus e teve de ir treinar uns dias com os juniores. Nada que beliscasse o apreço do técnico pelo seu pupilo, como se viu mesmo esta época em que foram rivais nas lutas pelos títulos. “Os treinadores formam-se onde o Sérgio e eu aprendemos. Depois, é preciso vocação. E posso estar enganado, mas penso que o Sérgio vai dar treinador”, confessou o atual técnico do Sporting quando o defrontou pela primeira vez no banco em 2012. O Felgueiras, depois de uma primeira volta excelente, acabaria por descer mas para o extremo a hora da glória estava a chegar.

“Os treinadores formam-se onde o Sérgio e eu aprendemos. Depois, é preciso vocação. E posso estar enganado, mas penso que o Sérgio vai dar treinador”, confessou o atual técnico do Sporting quando o defrontou pela primeira vez no banco em 2012
Jesus sobre Sérgio Conceição, que treinou no Felgueiras

No ano seguinte, já não foi cedido. Nos dois anos com António Oliveira, firmou-se como titular dos dragões e sagrou-se bicampeão nacional, ganhou uma Taça de Portugal e uma Supertaça. A cobiça do estrangeiro não tardou e Itália foi o passo seguinte, a troco de verba avultada. Esteve dois anos na Lazio, onde venceu cinco troféus (incluindo uma Taça das Taças, um scudetto, uma Coppa e duas Supertaças, uma italiana e outra europeia), foi para Parma uma época (onde trabalhou com Arrigo Sacchi, que considerou o melhor treinador da sua carreira) e seguiu duas para o Inter antes de voltar a Roma para somar mais uma Taça de Itália ao palmarés, apesar de só ter feito meio ano.

Nos laziali deixou tão boa impressão que ainda em Novembro do ano passado recebeu o prémio “Lazialità”, galardão vencido noutros anos por nomes como Simeone, Verón, Signori ou Dino Zoff. O outro meio ano fê-lo no FC Porto de Mourinho, o que serviu para juntar mais um título de campeão nacional ao palmarés – mesmo que a saída no final da época não lhe tenha agradado. Sem papas na língua, criticou o técnico setubalense numa entrevista ao DN em 2007:  “Disse-me que eu era um jogador da casa e que, por isso, iria propor a minha continuidade no clube. Mas no relatório que elaborou, defendeu a minha dispensa. Fiz toda a minha vida sem padrinhos, com esforço pessoal, nunca fui amigo de treinadores nem de presidentes. No FC Porto nem sempre joguei nas condições ideais, fiz esse esforço e, no fim, mandaram-me embora. Servi, quando aos 22 anos fui vendido à Lazio, na altura, a transferência mais cara do futebol português. Também servi quando me foram buscar à Académica em troca de pouco mais de um equipamento. Depois, de repente, deixei de servir.”

“Disse-me que eu era um jogador da casa e que, por isso, iria propor a minha continuidade no clube. Mas no relatório que elaborou, defendeu a minha dispensa. Fiz toda a minha vida sem padrinhos, com esforço pessoal, nunca fui amigo de treinadores nem de presidentes. No FC Porto nem sempre joguei nas condições ideais, fiz esse esforço e, no fim, mandaram-me embora".
Sérgio Conceição sobre Mourinho, que o dispensou do FC Porto

Com 30 anos, cerrou uma vez mais os dentes. Rumou à Bélgica para representar o Standard Liège durante três temporadas para “travar uma batalha consigo próprio” e, pelo caminho, ganhou uma Bota de Ouro que premiou o melhor jogador da Liga local em 2005, conhecendo aqueles que considerou “os melhores adeptos” – “Só faltou um título”. Passou pelas Arábias, ao serviço do Qadsia SC do Koweit, “para rentabilizar os últimos anos da carreira”, que acabaria por terminar na Grécia, duas épocas ao serviço do PAOK, onde foi inclusivamente capitão.

A mágoa da seleção

Por essa altura, há muito que deixara de vestir a camisola da seleção nacional. Com a chegada de Luiz Felipe Scolari acabou por ser ostracizado, pelo que apenas somou 56 internacionalizações e 12 golos pela equipa principal de Portugal – antes, jogara sete vezes nos sub-21 (um golo).  Estreou-se a 9 de novembro de 1996 num triunfo inglório frente à Ucrânia nas Antas (1-0) no apuramento para o Mundial´98, despediu-se a 6 de setembro de 2003 numa derrota num particular com a Espanha (0-3) em Guimarães, já com o técnico brasileiro no comando.

“A forma como saí da Seleção foi uma desilusão e uma grande tristeza. Sou o verdadeiro 'portuga'. Sinto muito as coisas. Sempre que tocava o hino, emocionava-me. Não merecia sair da forma que saí, aos 28 anos. Foi uma decisão de um treinador que por acaso nem era português mas que usou um ou outro jogador para justificar um bocadinho aquilo que foi acabar com uma fase de muitos atletas com 28 anos, não percebi porquê".
Sérgio Conceição sobre Scolari, que o dispensou da selecção

“A forma como saí da Seleção foi uma desilusão e uma grande tristeza. Sou o verdadeiro ‘portuga’. Sinto muito as coisas. Sempre que tocava o hino, emocionava-me. Sinto muito o meu povo, o meu país, sentia que representava milhões de portugueses. Era fantástico. Esta era a parte positiva. Não merecia sair da forma que saí, aos 28 anos. Foi uma decisão de um treinador que por acaso nem era português mas que usou um ou outro jogador para justificar um bocadinho aquilo que foi acabar com uma fase de muitos atletas com 28 anos, não percebi porquê. Mas não foi só com o selecionador. Senti que merecia outro tipo de atitude. Uma palavra do presidente da Federação Portuguesa de Futebol, que na altura que era o Gilberto Madaíl. Acho que merecia ter jogado o Euro’2004. Disso guardo mágoa, de não ter jogado perante o meu povo”, confessou.

Ainda assim, jogou duas grandes competições internacionais, um Euro e um Mundial. Em 2000, fez o jogo que o deixou na história e que acabou por “obrigar” a federação alemã a rever toda a sua estrutura: numa equipa constituída por poucos titulares, marcou três vezes a Oliver Kahn e deu uma inesperada e irrepetível vitória a Portugal, que chegaria às meias-finais, sobre a “Mannschaft”.

Diferente de todos os outros

Penduradas as chuteiras em novembro de 2009, Sérgio Conceição tornou-se diretor desportivo do PAOK. A experiência durou até ao fim dessa época, com o antigo jogador a queixar-se de “sobreposição de funções” com o vice-presidente Vryzas para abandonar o cargo. “A partir do momento em que a decisão do diretor desportivo deixa de ser relevante como deveria ser, sigo outra estrada”, esclareceu na altura.

Mais uma vez, marcou desde logo a sua posição: se as coisas não corriam conforme desejava, não se importava de colocar um ponto final na relação. Algo que aconteceria várias vezes na carreira de treinador, que começaria com um regresso à Bélgica para ser o braço direito de Dominique D’Onofrio, irmão do seu empresário Luciano, no Standard Liège. “Foi o melhor adjunto que tive, o complemento ideal”, confessou posteriormente o falecido técnico italiano, que também deixou a sua marca no “aprendiz” e vinha frequentemente a Portugal ter com o seu amigo, ou para passar uns dias de férias ou para uma jantarada.

Mike Hewitt/Allsport

Com a saída de Dominique dos “rouches”, Sérgio fez questão de o acompanhar. E, a meio da época seguinte, começava a voar sozinho no Olhanense, substituindo Daúto Faquirá. “O nosso principal objetivo é conseguir os pontos para assegurar a manutenção”, disse na sua apresentação. Um discurso inócuo que não tinha correspondência na forma como marcou o plantel, conforme recorda a o Observador Fernando Alexandre, atual jogador da Académica e que na altura vestia a camisola dos algarvios.

“Primeiro estávamos apreensivos, porque vinha um treinador novo. E estávamos um pouco mais que o normal, por tudo aquilo que ele foi enquanto jogador. Mas surpreendeu-nos, e a mim pessoalmente, porque era diferente de todos os técnicos que tinha apanhado. Não era muito duro, era sim muito exigente e, como ficou provado, tirou o máximo de cada jogador. As ‘explosões’? São fruto da exigência e da perfeição que ele quer, procura e trabalha para conquistar. A forma como ele vive o jogo é apaixonante e cativa qualquer jogador. É que além de ser exigente também tem o lado ‘bom’. Não é só exigir e nada dar em troca. Na minha opinião, sabe gerir muito bem um plantel”, assinala o médio.

“Surpreendeu-nos, e a mim pessoalmente, porque era diferente de todos os técnicos que tinha apanhado. Não era muito duro, era sim muito exigente e, como ficou provado, tirou o máximo de cada jogador. As 'explosões'? São fruto da exigência e da perfeição que ele quer, procura e trabalha para conquistar. A forma como ele vive o jogo é apaixonante e cativa qualquer jogador"
Fernando Alexandre, jogador que Sérgio Conceição treinou no seu primeiro ano como técnico, no Olhanense

“Só posso dizer bem. Comigo sempre exigiu o máximo, eu sempre tentei dar o máximo e acho que ele entendeu isso. O que é certo é que me senti melhor jogador trabalhando com ele e isso também faz com um atleta siga as suas ideias e trabalho. E parece-me que isso tem sido um facto em todos os plantéis por onde ele tem passado”, continua o futebolista.

A brincadeira que os seus jogadores lhe fizeram quando estava em Braga – roubando-lhe o Porsche e cobrindo-o de post-its com palavras como “És o pai do Agra”, “Estás na azia” e “Comes limões todas as manhãs”, que o técnico levou para casa e fixou em dois quadros – ficou como exemplo da boa relação que consegue com os atletas. “É um tipo de  liderança que faz com que não haja muita gente a pisar o risco. Se alguém mete os seus interesses à frente dos da equipa, isso tem consequências”, acrescenta o “estudante”, como Tiquinho Soares ficou a perceber esta temporada depois de protestar uma substituição.

A brincadeira que os seus jogadores lhe fizeram quando estava em Braga – roubando-lhe o Porsche e cobrindo-o de post-its com palavras como “És o pai do Agra”, “Estás na azia” e “Comes limões todas as manhãs”, que o técnico levou para casa e fixou em dois quadros – ficou como exemplo da boa relação que consegue com os atletas. “É um tipo de  liderança que faz com que não haja muita gente a pisar o risco. Se alguém mete os seus interesses à frente dos da equipa, isso tem consequências”.
Fernando Alexandre, jogador que Sérgio Conceição treinou no seu primeiro ano como técnico, no Olhanense

Para Fernando Alexandre, a chegada ao topo do antigo técnico, com quem também trabalhou em Coimbra, não foi uma surpresa. “Primeiro que tudo é totalmente justo, para ele e para a equipa técnica dele, porque são apaixonados pelo futebol e pelo que fazem. Sempre achei que era uma questão de tempo, nunca tive grandes dúvidas. Até tenho medo de estar a ser tendencioso, porque gosto muito dele!”

A experiência em Olhão só durou até meio da época seguinte, depois de ter conseguido a desejada permanência. Em dezembro, o técnico mostrava-se descontente com os problemas no clube. “Sabe quando vamos trabalhar, temos prazer e vontade de ir e o trabalho corre melhor? Neste momento, não sinto esse prazer de trabalhar, talvez por algumas coisas internas, que não vou tornar públicas”. No início do ano, acabou mesmo por se desvincular. “My way or the highway”, passou a ser o mote.

Dr. Jekyll & Mr. Hyde

Terminaria essa temporada com um regresso a Coimbra, para salvar a Académica, onde não conseguiu cumprir o desejo de terminar a carreira de jogador, isto apesar dos problemas que teve antes com o presidente José Eduardo Simões (e teria depois, já cidade dos Arcebispos num jogo entre as duas equipas). Ficaria na época seguinte, antes de rumar ao Minho para dirigir as duas maiores equipas da região. Em Braga, levaria a equipa final da Taça, perdida ingloriamente para um Sporting reduzido a dez nos penáltis (que passaram a ser a sua maldição), acabando por sair depois desse jogo na sequência de uma discussão feia com o presidente António Salvador que incluiu ameaças de agressões e ofensas.

O seu lado Mr. Hyde veio ao de cima, como sucedera na Bélgica quando atirou a camisola ao árbitro (o que lhe valeu uma suspensão de quatro meses) ou na Grécia durante um dérbi de Salónica (bombardeado pelos adeptos adversários, pegou num dos objetos e lançou-o para a bancada, o que lhe custou mais uma expulsão) e mereceu um comunicado duro da direção dos “guerreiros”.

“Não estando em causa o mérito do trabalho desenvolvido por Sérgio Conceição (…) o certo é que se tornou claro para o Sp. Braga que o caráter conflituoso, autoritário e agressivo deste treinador, exibido em diversos episódios a que assistimos ao longo da temporada, perante dirigentes de outras coletividades e até associados do Sp. Braga, não conhece limites.”

"Não estando em causa o mérito do trabalho desenvolvido por Sérgio Conceição (…) o certo é que se tornou claro para o Sp. Braga que o caráter conflituoso, autoritário e agressivo deste treinador, exibido em diversos episódios a que assistimos ao longo da temporada, perante dirigentes de outras coletividades e até associados do Sp. Braga, não conhece limites.”.
Comunicado do Sp. Braga quando Sérgio Conceição foi despedido

Fora do trabalho, como já se disse, é outra história, o lado Dr. Jekyll. Encontrou conforto na religião para enfrentar a tragédia (“Todos os dias me agarro a Deus. Ao domingo vou à missa, sou praticante com muito orgulho. A religião faz parte da minha vida e da dos meus filhos. Incuto-lhes esse meu estado de espírito. Sentimo-nos preenchidos com aquilo que é a nossa fé”).

É solidário, ajudando vários centros em Coimbra (“São coisas feitas de coração, que sinto necessidade de fazer. Sentir que posso ajudar miúdos que estão na mesma situação que eu e não o fazer é sentir que não estou a cumprir uma missão. A maior parte das vezes não é com dinheiro mas é com outro tipo de ajuda que também é muito importante. Para esses miúdos, uma simples secretária, comprar uns livros, levar uns ténis… é uma felicidade enorme. A coisa mais bonita do mundo é ver esses jovens com um sorriso no rosto).

E, claro, abraça o seu lado familiar de forma bem forte. Continua casado com Liliana, a namorada de juventude, e tem cinco filhos, os quatro mais velhos também futebolistas (Sérgio, de 21 anos, joga no Sp. Espinho; Rodrigo, de 18, no Benfica; Moisés, de 17, no FC Porto; e Francisco, de 15, no Padroense, depois de passar pelo Sporting, além do pequenino José).

“Sou um pai muito rigoroso. Têm metas e objetivos naquilo que fazem. Sou muito exigente nisso. Não sou o pai que dá sem ter nada em troca.  A minha família continua a ser bastante humilde, percebendo que nenhum dinheiro do mundo faz a diferença entre as pessoas”, disse numa entrevista dada no Algarve, onde adora passar as suas férias.
Sérgio Conceição numa entrevista

“Sou um pai muito rigoroso. Têm metas e objetivos naquilo que fazem. Sou muito exigente nisso. Não sou o pai que dá sem ter nada em troca.  A minha família continua a ser bastante humilde, percebendo que nenhum dinheiro do mundo faz a diferença entre as pessoas”, disse numa entrevista dada no Algarve, onde adora passar as suas férias.

Por mares anteriormente navegados

Depois de Braga, seguiu-se Guimarães, onde foi substituir Armando Evangelista. Ficou até final da época, despedindo-se com uma vitória sobre o FC Porto e em lágrimas (depois de uma semana complicada devido às alegações de que iria perder o jogo para ser o sucessor de Lopetegui nos dragões), e saindo de forma cordata dos vitorianos. Arriscou então nova experiência no estrangeiro, desta feita em Nantes, onde o histórico clube local se encontrava em zona de despromoção: “Sempre corri riscos na minha carreira”. Apesar de alguns problemas iniciais, com os funcionários a queixarem-se, alegadamente, da pouca cordialidade do novo treinador, a coisa deu mesmo certo. À imprensa, Sérgio não fez a coisa por menos: “Isso tudo é mentira. Temos de estar no mesmo barco. Não é bom andar a mexer na merda, não gosto disso. Estou enervado!”

MIGUEL RIOPA/AFP/Getty Images

Certo é que o trabalho do português convenceu toda a gente. O Nantes acabou por fazer uma excelente época, venceu 13 dos 26 jogos que disputou e terminou em sétimo lugar. O que lhe valeu a renovação do contrato e mais problemas no futuro: quando soube do interesse do FC Porto, nem hesitou, até porque a sua mulher estava com problemas de saúde, algo que naturalmente deixou o presidente dos “canários” em fúria.

“Quando lhe falei que quem realmente queria para treinador do FC Porto era o Sérgio Conceição, ele [Luciano D'Onofrio, empresário] disse-me que curiosamente tinha estado com o Sérgio a jantar no dia anterior e que ele lhe dissera que o sonho dele era vir para o FC Porto. E que achava que ele podia libertar-se, até porque estava a viver problemas de saúde na família. E eu disse-lhe: esse é o meu sonho também. E telefonei ao Sérgio”.
Pinto da Costa sobre a contratação de Sérgio Conceição

E tudo por causa de um jantar entre Pinto da Costa, que procurava sucessor para Nuno Espírito Santo e não chegara a acordo com Marco Silva, e Luciano D’Onofrio no Restaurante Lusíadas. “Quando lhe falei que quem realmente queria para treinador do FC Porto era o Sérgio Conceição, ele [Luciano] disse-me que curiosamente tinha estado com o Sérgio a jantar no dia anterior e que ele lhe dissera que o sonho dele era vir para o FC Porto. E que achava que ele podia libertar-se, até porque estava a viver problemas de saúde na família. E eu disse-lhe: esse é o meu sonho também. E telefonei ao Sérgio”, contou o presidente dos dragões.

Depois de conseguir a libertação, o novo técnico do clube entrou ao seu estilo, com a mesma desfaçatez com que um dia tentou ficar com o 7 de Figo num leilão entre os jogadores para atribuição dos números antes de uma competição internacional. “Venho para ensinar, não para aprender”, foi uma das suas frases. “Ganhei muita coisa ao nível do que treinei. Mas para se ganhar é preciso ter um projeto como este. Se não ganhar nada no FC Porto é que para mim será uma frustração e uma desilusão”, foi outra. E, sobre o pouco tempo que demorou a chegar ao Dragão, não podia ser mais claro: “Muito sinceramente, pensava chegar antes”.

Ou como Sérgio Conceição é Sérgio Conceição, o mesmo homem pragmático e direto, que tem um estádio com o seu nome em Taveiro (perto da sua aldeia natal) e começa a despertar a cobiça em alguns dos clubes mais endinheirados da Europa – já se fala no Inter, caso Spaletti falhe o apuramento para a Champions. Se resistirá ao canto da sereia, agora que já esteve em mares anteriormente navegados, é que se verá.

Ofereça este artigo a um amigo

Enquanto assinante, tem para partilhar este mês.

A enviar artigo...

Artigo oferecido com sucesso

Ainda tem para partilhar este mês.

O seu amigo vai receber, nos próximos minutos, um e-mail com uma ligação para ler este artigo gratuitamente.

Ofereça até artigos por mês ao ser assinante do Observador

Partilhe os seus artigos preferidos com os seus amigos.
Quem recebe só precisa de iniciar a sessão na conta Observador e poderá ler o artigo, mesmo que não seja assinante.

Este artigo foi-lhe oferecido pelo nosso assinante . Assine o Observador hoje, e tenha acesso ilimitado a todo o nosso conteúdo. Veja aqui as suas opções.

Atingiu o limite de artigos que pode oferecer

Já ofereceu artigos este mês.
A partir de 1 de poderá oferecer mais artigos aos seus amigos.

Aconteceu um erro

Por favor tente mais tarde.

Atenção

Para ler este artigo grátis, registe-se gratuitamente no Observador com o mesmo email com o qual recebeu esta oferta.

Caso já tenha uma conta, faça login aqui.