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ANTÓNIO COTRIM/LUSA

ANTÓNIO COTRIM/LUSA

Ferrovia. Dos milhões anunciados no papel à crise operacional da CP

O Governo promete "maior investimento" em décadas na ferrovia, a oposição denuncia o colapso operacional da CP. Porque demoram tanto as obras a chegar e porque não foram ainda comprados mais comboios.

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Parecem duas realidades paralelas que pontualmente se encontram. De um lado estão os maiores investimentos ferroviários em décadas, com um plano de 2.000 milhões de euros, intenções de compra de comboios e contratação de colaboradores.

Do outro lado estão os problemas comerciais, as falhas de serviço, a supressão de comboios e a redução de horários. Esta segunda realidade tem vindo a ganhar nitidez nas últimas semanas com notícias sobre a redução da oferta em agosto nas linhas de Cascais, Oeste e Sintra, supressão do primeiro Alfa com destino ao Porto, suspensão da venda de bilhetes por incapacidade de refrigeração durante a onda de calor, insuficiência de comboios e sua substituição por autocarros, falta de pessoal na manutenção.

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Tudo junto e estaremos perante a crise ou falência operacional da CP, como denunciam os partidos da oposição à direita. Mais moderado, o Bloco de Esquerda pediu esclarecimentos. O PCP aponta o dedo à União Europeia, a todos os governos e às multinacionais. O Governo, através do secretário de Estado das Infraestruturas, Guilherme W. Oliveira Martins, desmente o diagnóstico:

“A oposição PSD/CDS-PP está a criar um caso que não existe de todo. Não há colapso nenhum, o que acontece são opções por parte da CP para garantir que há condições de transporte dignas e de qualidade”, disse o governante, citado pela agência Lusa.

Um dia após estas declarações (7 de agosto) surge a notícia da iminente demissão da administração da CP, em funções apenas há um ano e que tem estado mais ou menos silenciosa face às últimas denúncias. O gabinete de Pedro Marques, ministro do Planeamento, só reage no final do dia: a administração da CP “encontra-se a desempenhar regulamente as suas funções.” Da empresa nem uma palavra.

Uma semana depois, na véspera do feriado de 15 de agosto, o Ministério das Infraestruturas faz sair uma nota com “esclarecimentos” que procuram afastar o cenário de rutura e colapso iminente na operadora ferroviária. E para o fundamentar cita taxas de regularidade de 99% nas primeiras semanas de agosto. Reconhece a existência de “fatores operacionais, especialmente relacionados com o material circulante a diesel,” e adianta que a CP, em coordenação com o Governo, tomou medidas para melhorar indicadores de desempenho, e que passam pelos horários de verão com menos oferta. Uma forma de recuperar os ciclos de manutenção do material circulante que dada a elevada idade média é a principal dor de cabeça da empresa.

O gabinete de Pedro Marques reafirma a intenção já anunciada de alugar material circulante e lançar um concurso para aquisição de comboios, mas sem compromissos de data. E relembra as modernizações nas linhas do Minho, Douro, Beira Baixa, Oeste e Algarve, projetos do plano ferrovia 2020, para concluir que o “Governo esta a realizar o maior investimento das últimas décadas, pondo termo a um ciclo forte de desinvestimento, que se tinha acentuado nos últimos anos”.

Governo avisado em 2016 que era preciso comprar comboios

O diagnóstico está certo. O desinvestimento e cortes de custos que duram há uma década começaram em 2010, quando foi cancelado o último concurso para a compra de comboios lançado pela CP — 25 composições a diesel e 49 automotoras elétricas para a Linha de Cascais. Os argumentos foram técnicos, mas as razões foram já financeiras, vinha aí a grande crise e o programa de assistência financeira.

A empresa ficou amarrada a material antigo, o mais recente tem já 20 anos, e que por isso tem que ir muitas vezes à manutenção, que é cada vez mais cara, porque já vão faltando peças. Manutenção mais frequente provoca constrangimentos na operação, como se tem visto. O ciclo fica ainda mais apertado quando também há um travão à contratação de pessoas, sobretudo operários especializados para a empresa de manutenção.

Aos problemas operacionais da empresa juntam-se os problemas financeiros. O anterior Governo tenha dado passos no sentido de resolver a dívida histórica da CP, que baixou, tendo substituído a banca pelo Estado como o principal financiador. Mas em 2015 foi suspenso o pagamento de indemnizações compensatórias pela prestação do serviço pública, uma decisão do Executivo PSD/CDS que apanhou todas as empresas de transportes e que o atual Governo, ao contrário de outras decisões políticas no setor dos transportes, não reverteu.

Manuel Queiró, presidente da CP, quando a empresa anunciou renovação dos comboios Alfa Pendular em 2016

Manuel Almeida/LUSA

Não obstante, o quadro de restrição a empresa cresceu em número de passageiros e reforçou os serviços, em particular no longo curso. Foi também conseguida alguma estabilidade laboral a partir de 2013, com a entrada em funções da administração liderada por Manuel Queiró. Em 2016, o então presidente da CP tinha um discurso que mostrava confiança no crescimento futuro da empresa, a preparar-se para investir 18 milhões de euros na renovação dos Alfa. Prometia responder à ponte área da TAP, entre Lisboa e Porto e admitia, a prazo, concorrer com a operadora espanhola Renfe nas ligações internacionais.

“Ultimamente tem sido notícia a concorrência com o modo aéreo. Queremos mandar uma mensagem à TAP, que é a mesma que mandamos aos portugueses: ‘contem com a CP’”, disse Manuel Queiró em janeiro de 2016. O mercado estava a crescer e a empresa conseguiu o break-even (equilíbrio) na conta de exploração. Era a altura de investir.

Em outubro do mesmo ano, o gestor que vinha do Governo PSD/CDS aproveitou o colóquio sobre os 160 anos da ferrovia em Portugal, que se realizou no Parlamento, para subir o tom.

“Não podemos parar no tempo. Temos uma procura a pressionar a nossa oferta”, sublinhou, considerando que “é um ato obrigatório de gestão pública um esforço na renovação dos comboios”. O então presidente da operadora dizia que a CP faz todos os dias “um milagre” com o material que tem, realçando o papel da Empresa de Manutenção de Material Ferroviário (EMEF), cujo futuro “é preciso assegurar pelos seus trabalhadores e pelo controlo de qualidade da CP”. Manuel Queiró lembrou que “a experiência do passado, com os comboios Alfa Pendular, demonstra que esse investimento tem um retorno grande” e, por isso, “não subsistem razões para hesitação no investimento na frota”.

Semanas antes, o Governo tinha informado o Parlamento da sua rejeição à proposta da empresa de aumentar o aluguer de comboios à espanhola Renfe para reforçar o serviço de longo curso e responder ao aumento da procura, que passariam por uma solução interna.

Meses depois, uma notícia do jornal Público confirmava que a empresa tinha apresentado ao Governo uma proposta para compra de comboios e que aguardava luz verde. A proposta da CP previa a compra de 25 composições para o serviço regional com possibilidade de circular a diesel e eletricidade e de 10 comboios para o longo curso. O investimento da ordem dos 300 milhões de euros seria quase todo financiado com os recursos próprios da empresa, que tinha atingido o break-even operacional em 2016, e com recurso a soluções do tipo leasebeck, que permitem diluir o esforço financeiro ao longo de vários anos.

Esta proposta nunca terá tido uma resposta da tutela e a administração de Manuel Queiró, que tinha terminado o mandato no final de 2016, é substituída em meados de 2017.

Nova administração, o mesmo problema

Já em junho deste ano, num debate no Parlamento, o atual presidente, Carlos Nogueira, reconheceu a existência de um problema grave com a frota da empresa, devido à elevada idade média dos comboios, entre 40 a 50 anos, e o insuficiente pessoal na EMEF, a empresa de manutenção da CP, para assegurar a operacionalidade. O responsável admitiu alugar comboios a Espanha e, quando questionado sobre o concurso para compra de novos comboios, anunciado já no ano passado, diz que o caderno de encargos está pronto. “Só precisa de luz verde do Governo para avançar”. E é essa luz verde que tem faltado no caso da CP. Questionado pelo Observador sobre a data e modalidade do concurso, o Ministério das Infraestruturas não respondeu.

O Orçamento do Estado para 2018 diz que “em 2018 será desencadeado um plano de aquisição de novo material circulante, sendo, em simultâneo, dada continuidade ao programa de investimento de modernização do material circulante”. Mas os dados mais recentes da execução orçamental confirmam o estrangulamento financeiro da operadora ferroviária que apresenta níveis baixíssimos de execução do investimento.

No primeiro semestre de 2018, a CP investiu apenas cinco milhões de euros de um bolo previsto de 44 milhões de euros, o que traduz uma taxa de execução de apenas 10%. Esta é uma situação que se repete e que tem estado na origem dos constrangimentos financeiros reconhecidos pela empresas no relatório e contas de 2017.

"Considerando as restrições financeiras, as decisões de investimento foram, tal como nos últimos anos, adequadas na perspetiva de assegurar as intervenções indispensáveis para garantir a segurança e a operacionalidade do material circulante, dos sistemas, dos equipamentos e das instalações ferroviárias ou para conclusão dos projetos que já estavam em curso".

O garrote financeiro estende-se à Emef, a empresa da CP responsável pela manutenção ferroviária, conforme se lê no relatório consolidado do grupo. “O plano de reparação para o cliente CP — o principal — sofreu no início de 2017 uma redução relativamente às necessidades planeadas por aquele cliente em virtude das dificuldades de contratação de mão de obra que se verificaram e que se mantiveram ao longo do ano.”

A Emef foi a única das privatizações promovidas nos últimos meses do anterior Governo que não foi para a frente. Ao contrário da CP Carga, cuja alienação foi já materializada pelo Governo socialista em 2016, a alienação da Emef não recebeu a luz verde da administração da empresa. E o Tribunal de Contas recusou dar visto a um contrato de longo prazo para a manutenção dos comboios da CP, que era o ativo mais interessante para os investidores privados.

O Governo anunciou entretanto a contratação de mais de 100 funcionários para a Emef, dando resposta, ainda que com atraso, a uma das principais falhas apontadas, mas estes trabalhadores vão precisar de formação e o número pode ser insuficiente para inverter a sangria de mão de obra qualificada empresa. Só em 2017 terão saído 70 efetivos sobretudo para a reforma.

O que é os comboios têm a ver com o défice

Mas se o Governo até recebeu uma proposta de compra de comboios que seria quase toda financiada pela CP, por que razão não avançou ainda um processo que em 2016 já era considerado urgente? Na ausência de resposta do Ministério das Infraestruturas, há impactos que importa destacar. A operadora ferroviária é uma empresa reclassificada, o que significa que está no perímetro das contas do Estado. Trocado por miúdos, as necessidades de financiamento da CP contam para o défice público e um contrato de 300 milhões de euros teria de ser reconhecido nas contas públicos no ano em que fosse assinado, ainda que este encargo fosse suportado ao longo de vários anos.

Este registo elevaria o défice em 0.15% do Produto Interno Bruto (PIB) em 2018, ano em que deveriam ser adjudicados os novos comboios para estarem prontos no final da década.  São apenas 0.15% do PIB, mas é mais uma de muitas despesas que tem sido contida e adiada em nome do controlo férreo das contas públicas, imposto por Mário Centeno desde que chegou às Finanças.

Com um Governo que elegeu como prioridade a devolução de rendimentos, a solução encontrada para manter a trajetória de redução do défice foi cortar na despesa, sobretudo naquela despesa que era menos visível e cujos efeitos mais se demoram a sentir. E, apesar de alguns reparos dos aliados à esquerda sobre a falta de investimento na ferrovia, PC e Bloco, sobretudo este último, têm dado maior prioridade a temas que mexem no bolso das pessoas, nomeadamente pensões e impostos.

Mário Centeo e Pedro Marques, aqui a cumprimentarem à esquerda Humberto Pedrosa, investidor na TAP

PEDRO NUNES/LUSA

Os transportes e as infraestruturas foram um alvo preferencial, não o único, do corte da despesa e das famosas cativações que explicam muito do sucesso orçamental do primeiro ano do Governo em socialista. Isso mesmo foi explicado pelo já ex-presidente da CP durante uma intervenção no programa Quadratura do Círculo em setembro do ano passado. Lembrando que as cativações sempre existiram, mas eram libertadas ao longo do ano, Manuel Queiró revelou que em 2016 os serviços do Estado foram logo informados que nesse ano não ia haver descativações, a não ser que a receita fiscal desse folga. A CP, afirmou na altura, “não teve o colapso do Metro de Lisboa porque a empresa e os trabalhadores fizeram um milagre”.

O desinvestimento não começou com a troika

O milagre parece ter acabado no verão de 2018, quando se repetiu na CP – um ano depois – a história que abalou as operações do Metro de Lisboa e das travessias do Tejo em 2017. Falta de investimento, falta de comboios e barcos, falta de peças para manutenção. Falta de pessoas para reparar e operar.

Falhas nos serviços da Soflusa e Transtejo são “dores de cura” após anos sem investimento

O ministro do Ambiente, que tem a tutela dos transportes coletivos de Lisboa e Porto, apelidou as falhas no serviço do metro e da travessia do Tejo de “dores de cura”. Matos Fernandes anunciou, entretanto, a compra de novos barcos e de novas carruagens para o Metro de Lisboa –. anúncios que ainda não se traduziram em concursos e despesa, tal como os planos de expansão dos metros que só terão obra no final da legislatura. Na CP nem isso. E há notícias de que os comboios de longo curso vão ficar de fora da encomenda, apesar de este ser o segmento mais lucrativo da empresa e aquele que irá enfrentar a concorrência a partir de 2020.

Mas os cortes e investimentos sempre adiados na ferrovia não começaram com Mário Centeno, nem sequer com a austeridade da troika. Os seus efeitos que agora mais se notam vêm também de anos, até décadas, de prioridade dada às estradas, uma política que começou com o Governo de Cavaco Silva quando começaram a chegar os fundos europeus, que continuou com António Guterres e as suas Scut (autoestradas sem custos para os utilizadores) e prosseguiu com as  subconcessões rodoviárias de José Sócrates.

O poder político, central e local, preferia as estradas porque eram mais rápidas a construir e tinham maior impacto eleitoral. As populações, que começaram a ter acesso fácil ao automóvel com a ajuda do crédito, também as valorizavam mais. Só parou quando Bruxelas avisou que não haveria mais fundos para estradas.

Há ainda quem aponte o dedo ao modelo empresarial promovido pela Comissão Europeia, e que Portugal foi um dos primeiros a adotar. A separação da rede e do operador pode ter fragilizado o setor ferroviário, na medida em CP e Refer (hoje incorporada nas Infraestruturas de Portugal) passaram a atuar de costas voltadas — o investimento na rede não é conciliado com o maior operador — deixaram ser aliados e às vezes até são rivais.

A ferrovia não saiu do discurso político, mas à sombra da discussão sobre o TGV (comboio de alta velocidade) que animava técnicos e governantes, a rede acabou por ficar parada no que foi herdado do século XIX, apesar de algumas intervenções de grande fôlego na modernização e eletrificação de linhas. É esse estado de coisas que se pretende mudar com o plano Ferrovia 2020.

Porque demoram os milhões a sair do papel

O plano apresentado pelo Governo em 2016  tem os mesmos projetos que o seu antecessor. O PETI 3 (Plano Estratégico de Transportes e Infraestruturas foi anunciado em 2014 pelo anterior Governo com o foco virado para as mercadorias. São dois mil milhões de euros para intervir em mais de 1.000 km de linha em empreitadas cuja conclusão está prevista até 2023.

Os números mais recentes da execução orçamental, relativos à primeira metade do ano, confirmam que apesar dos anúncios, o motor do investimento tarda em pegar. A componente de investimento da Infraestruturas de Portugal, que não está relacionada com o pagamento aos privados das Parcerias Público Privado (PPP) rodoviárias, apresentava uma execução de apenas 12,8% até junho.  Como explicar a demora? São as cativações impostas pelas Finanças?

Confrontado com os atrasos crónicos destes projetos, o ministro do Planeamento e Infraestruturas, Pedro Marques, ensaiou já no início do ano uma explicação. Quando o Governo socialista entrou em funções, os projetos existiam apenas no papel, mas mesmo aí faltava muito trabalho preparatório para chegarem à obra. E que trabalho? Estudos prévios, projetos de engenharia, avaliações ambientais, etc, etc.

Pelo menos mais de metade desta verba virá de fundos comunitários e a taxa de comparticipação pode chegar em alguns casos aos 85%. Mesmo assim, será preciso sempre dinheiro do Orçamento do Estado.  O que talvez ajude a explicar por que é que os muitos milhões no papel demoram a chegar ao terreno, apesar dos muitos anúncios a contrariar a essa ideia, pelos menos até ao início deste ano, como contava um artigo do jornal Público aqui sintetizado pelo Observador.

Ferrovia. Governo deixou programa de investimento na gaveta

O Ministério de Pedro Marques tem procurado contrariar esta imagem com a ajuda de muitos tweets a anunciar obras, mas nem sempre a mensagem passa com eficácia.

Ainda que alguns prazos dos planos originais do Ferrovia 2020 tenham sido demasiado otimistas, isso não explica tudo. O vice-presidente da Infraestruturas de Portugal, Carlos Fernandes, que tem a seu cargo o investimento ferroviário, explica ao Observador os passos de um longo percurso que vai entre uns desenhos num mapa e uns números num powerpoint até haver mesmo obra.

Assim que a decisão política é tomada, o que normalmente só acontece quando está assegurado o financiamento, o primeiro passo é lançar concurso para estudo prévio, projeto prévio e estudo de impacto ambiental, despesas que exigem ainda um visto do Tribunal de Contas. Se tudo correr bem, este passo demora entre nove meses a um ano. Segue-se a fase de elaboração do estudo prévio com estudo de impacte ambiental, o que requer mais 12 meses. Para elaboração do projeto de execução são necessários mais 12 meses. Depois é preciso passar pela fase de RECAP (relatório de conformidade ambiental do projeto de execução), mais quatro meses e ao fim de 50 meses da decisão tomada é finalmente lançado o concurso público internacional de empreitada. Este processo pode demorar mais um ano. E ao fim de 62 meses, quatro anos, começa a obra. Este é o prazo médio, se tudo correr sobre carris.

É claro que quando estes processos envolvem despesa plurianual, ou são cativados, também é necessária  a autorização do Ministério das Finanças, mas o vice-presidente da IP considera que esse não é o principal problema. O seu efeito é mais residual, considera o gestor.

Além deste processo encadeado – que não permite atalhos para reduzir o percurso – é preciso esperar que um fique concluído para seguir para o outro e neste momento, destaca Carlos Fernandes, há muito projeto a acontecer ao mesmo tempo. Só na fase de projetos técnicos estão a concurso cerca de 36 milhões de euros, que é um valor muito elevado para este tipo de concurso e muito exigente do ponto de vista da capacidade técnica das empresas que podem concorrer. Estamos a falar de uma “complexidade técnica avassaladora” e o o mercado português é escasso em técnicos e engenheiros especializados em componentes ferroviárias. Também a Infraestruturas de Portugal, onde está concentrado o maior know-how ferroviário do país, tem vindo a perder competências com a saída para reforma de quadros experientes e as dificuldades na contratação que afetam todas as empresas públicas.

O que está a ser feito

Apesar destas limitações, Carlos Fernandes garante que estão em execução, com obra feita, muitos projetos em simultâneo, incluindo as intervenções naquela que é classificada como a maior obra ferroviária em mais de um século: a construção de um novo troço de via férrea com a extensão de 80 quilómetros, que vai ligar Évora a Elvas e à fronteira de Espanha. No final do primeiro semestre estavam em obra 650 milhões de euros depois de um arranque muito lento.

Apresentação mais recente do Ferrovia 2020

O gestor que tem a seu cargo a ferrovia descreveu ao Observador os projetos que estão em marcha, a maioria de modernização que passa no essencial por três componentes: eletrificação, sinalização, instalação de travessa polivalente (para comboios bi-bitola). O objetivo genérico é o de melhorar a competitividade e a interoperabilidade, mas também reduzir tempos de trajeto, facilitar manobras de comboios de mercadorias com até 750 metros, tudo em nome do aumento de capacidade.

Linha do Minho: Está 100% em obra, entre Nine e Valença

Linha do Norte. Está previsto um investimento de 160 milhões de euros, divididos por intervenções em vários troços: Alfarelos/Pampilhosa, Ovar/Gaia, Espinho/Gaia e Ovar/Espinho cuja empreitada deverá ser lançada em 2020. As intervenções são sequenciais porque não podem ser feitas em simultâneo, devido ao grande impacto que cada uma delas tem na circulação de comboios naquela que é a linha mais movimentada do país. Só entre Ovar e Gaia passam 200 comboios por dia. É preciso esperar que um acabe, para avançar com o outro, de forma a minimizar o impacto no serviço.

Corredor Norte. Intervenções nas linhas da Beira Baixa e da Beira Alta, incluindo a ligação entre as duas, com um investimento estimado de 700 milhões de euros.

Corredor Sul. Um investimento total de 700 milhões de euros, onde o projeto emblemático de 530 milhões de euros é a construção de uma nova linha entre Évora e Elvas com 80 km de plataforma dupla e via única, com travessa polivalente. Há já várias empreitadas a concurso. Está ainda prevista a modernização de vários troços, para ligar Sines a Espanha, numa linha vocacionada mercadorias que é uma velha ambição de Portugal.

Linha do Douro. Investimento de cem milhões de euros que passa pela eletrificação até à Régua. Neste momento está em obra o troço Caide/Marco — 14 quilómetros — e no próximo ano avança o Marco de Canaveses e Régua. A partir daqui até ao Pocinho estão anunciadas obras de manutenção de 21 milhões de euros. A ligação até Espanha, que implicava reconstruir a linha desativada, não está, nem nunca esteve nos planos, garante Carlos Fernandes.

O que não está a ser feito

O Ferrovia 2020 tem previstas obras de modernização da Linha do Oeste, que liga a Linha de Sintra a Leiria, até às Caldas da Rainha, num projeto de mais de 100 milhões de euros, mas esta obra ainda não avançou.

Recentemente, o ministro do Planeamento Pedro Marques anunciou 50 milhões de euros para intervenções de modernização na Linha de Cascais, uma verba obtida a partir da reprogramação dos fundos que ainda tem de ser autorizada por Bruxelas. O anúncio foi feito em cima dos novos horários desta linha, reduzidos em agosto. O Governo diz que são temporários.

Segundo Carlos Fernandes, o investimento será feito na sinalização e na mudança da corrente elétrica para a bitensão, o que permite não só utilização de outro tipo de material circulante, mas também poupar energia com a devolução à rede quando os comboios travam. CP poderá poupar até 1,5 milhões de euros. Mas este projeto ainda não tem datas para avançar e não há qualquer novidade do lado do material circulante, que será o mais antigo em operação no sistema ferroviário português.

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