Nos dias que correm, é quase um selo de aprovação. Uma transferência, uma saída de um jogador de um clube para ir representar outro ou um qualquer negócio entre duas equipas de futebol só se tornam reais, verdadeiras e confirmadas quando mencionadas por Fabrizio Romano. Através do Twitter, numa conta oficial que leva o famoso ícone azul que o torna uma fonte fidedigna, o jornalista italiano é a única pessoa em que muitos adeptos confiam. Quando Fabrizio escreve Here we go!, a frase que adotou como sua e que hoje em dia é uma autêntica imagem de marca, é porque a contratação está fechada. Quando Fabrizio escreve Here we go!, todos acreditamos.
Mas como é que um simples jornalista italiano, como tantos outros, se tornou um verdadeiro influencer do mercado de transferências? Tudo começa em Nápoles, onde o jornalista de 28 anos nasceu e onde desatou a escrever as primeiras histórias relacionadas com futebol — sempre influenciadas pela carga histórica de uma cidade onde se respira a aura de Diego Armando Maradona em todas as esquinas. Fabrizio Romano escrevia os textos, enviava-os para vários sites especializados e para os principais jornais desportivos italianos e esperava por respostas que tardavam a chegar. Um dia, sem que percebesse como nem porquê, recebeu uma chamada de um aspirante a agente de jogadores que trabalhava em Barcelona. A partir daí, nada foi igual.
“Ele trabalhava em La Masia [a academia do Barcelona] e queria tornar-se agente. Estava a tentar convencer dois jovens jogadores a deixá-lo representá-los e perguntou-me se eu podia escrever um perfil sobre eles”, contou o jornalista numa entrevista recente para uma reportagem do The New York Times. Os dois jogadores, ambos adolescentes na altura, eram o espanhol Gerard Deulofeu, atualmente na Udinese, e o argentino Mauro Icardi. Fabrizio escreveu os perfis, o agente italiano ficou com os dois clientes e jornalista e empresário nunca perderam em contacto, ao ponto de Romano ter sido o primeiro a confirmar, em 2011, que Icardi ia deixar o Barcelona para rumar à Sampdoria. Foi a “primeira notícia” do jornalista, como o próprio admite, ainda que a ida de um avançado de 18 anos para um clube da Serie B de Itália pouco ou nenhum impacto tivesse no panorama do futebol internacional. Mas, como sabemos, não foi assim para sempre.
Dois anos depois, em 2013, o agente italiano voltou a ligar a Fabrizio Romano. “Disse-me que eu o tinha ajudado no início da carreira dele e que agora era a vez dele de me ajudar”, revelou o jornalista. A ajuda era simples — Mauro Icardi, então com 20 anos, tinha um acordo assinado com o Inter para reforçar os nerazurri no verão seguinte. Seis meses antes de a contratação ser anunciada, Romano publicou a notícia num site dedicado aos adeptos do Inter. “Esse foi o momento em que tudo mudou”, recordou. Pouco tempo depois, deixou Nápoles para ir viver para Milão, onde já tinha estudado na Università Cattolica del Sacro Cuore, e trocou a liberdade árdua do jornalismo freelance por um contrato na Sky Sport Italia. A primeira vez que saiu em reportagem, como não podia deixar de ser, foi para cobrir o dia dos testes médicos de Icardi no Inter Milão.
Na Sky Sport, Fabrizio encontrou Gianluca Di Marzio, jornalista com mais 20 anos de idade e experiência que era a estrela da redação e a cara da cobertura exaustiva que o canal fazia às duas janelas de transferências do mundo do futebol. Como não podia deixar de ser, até porque partilhavam a área de intervenção, Romano e Di Marzio tornaram-se próximos e ajudaram-se mutuamente: o primeiro introduziu o segundo às redes sociais e até foi peça instrumental na criação de um site pessoal que existe até hoje; o segundo ensinou ao primeiro os contornos mais especiais e refinados da profissão que os unia, principalmente num país como Itália, onde todos os locais podem ser fontes de dicas, rumores ou segredos preciosos. “Durante anos e anos, andava pela cidade todos os dias. Ia a restaurantes, hotéis, a todos os lugares onde as pessoas do futebol se pudessem encontrar”, lembrou Romano.
A juventude do jornalista, contudo, ajudou-o a tornar-se naquilo que é hoje. Com a presença natural que já tinha no Twitter, no Instagram e no Facebook, Fabrizio Romano foi percebendo que a esmagadora maioria das interpelações que recebia de adeptos, leitores e telespectadores através das redes sociais era precisamente com a intenção de saber mais sobre potenciais transferências. “Inicialmente, usava o Instagram como uma coisa pessoal. Publicava fotografias de um pôr do sol bonito, um bom jantar. Mas as pessoas só respondiam para perguntar sobre transferências. Ninguém estava interessado na minha vida. Não sou uma estrela. Sou um jornalista. E um jornalista é um intermediário”, afirmou.
Com o passar dos anos, o italiano entendeu algo que agora parece um dado adquirido: as pessoas vão às redes sociais à procura de notícias, à procura de saber aquilo de que se está a falar e os assuntos mais prementes do momento. O problema? As fake news, a informação falsa e todos os restantes flagelos de um mundo cada vez mais digital. A solução? O facto de Fabrizio Romano ser um jornalista que, pelo menos no Twitter, não tem de responder à exigência da manchete, à velocidade da concorrência ou à urgência de novidades. Só dá, só escreve, só confirma, quando é mesmo verdade.
“Não tenho um deadline para cumprir ou um jornal para vender. Escrevo as coisas quando estão prontas”, explica. Esta nova versão de si mesmo, associada a uma popularidade crescente que ainda não conhece limites — só nos últimos 18 meses, acumulou algo como cinco milhões de novos seguidores nas redes sociais –, permitiu-lhe voltar à liberdade da vida de freelancer sem o lado árduo da incerteza. Fabrizio escreve para o The Guardian e para a Sky Sport, dá notícias e desenvolvimentos no Twitter, no Instagram, no Facebook e no Youtube, tem um podcast em nome próprio e uma presença assídua na plataforma de streaming Twitch, associou-se à CBS Sports no ano passado, é convidado recorrente de podcasts de vários clubes e até já existe algum burburinho relativamente a um livro. Pelo meio, até porque nunca se deita antes das 5h da madrugada durante as janelas de transferências, tem tempo para responder aos seguidores que lhe enviam mensagens diretas nas redes sociais.
O facto de ser agora uma voz respeitada e conceituada em praticamente todo o mundo não é obra do acaso. Fabrizio Romano percebeu que, se queria genuinamente aproveitar o caráter global das redes sociais, não podia falar apenas das transferências do futebol italiano. Melhorou o inglês, aprendeu espanhol e português e abriu as portas aos mercados da Premier League, da La Liga, da Ligue 1, da Bundesliga e também da Primeira Liga. Foi o primeiro, aliás, a dar como confirmada a ida de Bruno Fernandes para o Manchester United há dois anos — o Here we go! de Romano, num agora distante janeiro de 2020, foi o selo de confirmação de uma contratação que era uma autêntica novela desde o verão anterior.
Esta segunda-feira, no último dia de um mercado de inverno que até foi bem mais agitado do que os dos últimos anos, o jornalista italiano esteve em direto ao longo de 12 horas no Twitch. Numa transmissão longa a partir de Amesterdão, que durou mesmo até ao encerramento da janela de transferências e por onde passaram outros jornalistas, jogadores (incluindo a portuguesa Jéssica Silva) e treinadores, Fabrizio Romano foi a figura principal de um evento patrocinado por uma conhecida cerveja e com diversas outras marcas envolvidas. Sempre agarrado ao telemóvel, onde ia recebendo informações e partilhando conteúdos de forma regular no Twitter, nem sequer precisava de estar propriamente atento ao que os colegas de apresentação ou os convidados diziam para ser a estrela de uma transmissão que teve sempre dezenas de milhares de pessoas a assistir em direto — incluindo muitos portugueses, que pediam respostas sobre Slimani, Darwin ou Grimaldo. Pontualmente, deixou a sala para atender e fazer telefonemas, regressando com novidades ou só com a simples promessa de que iria revelar algo em breve. Só por estar ali, Fabrizio já arrastava multidões. No espaço de poucos anos, Fabrizio tornou as janelas de transferências em entretenimento e deu uma roupagem sexy a um momento do calendário que parecia estar obsoleto.
Ao longo do dia, o jornalista foi atualizando os principais negócios das derradeiras horas do mercado de inverno. O Tottenham arrumou a casa e emprestou Lo Celso, Bryan Gil e Ndombele a Villarreal, Valencia e Lyon, respetivamente, colocando ainda Dele Alli a título definitivo no Everton; em sentido oposto, recebeu Kulusevski e Bentancur vindos da Juventus, sendo que o sueco foi cedido até ao fim da época e o uruguaio custou 19 milhões de euros pela totalidade do passe, com os italianos a emprestarem ainda Aaron Ramsey ao Glasgow Rangers. Além de Alli, o Everton garantiu o empréstimo de Van de Beek e oficializou Frank Lampard como novo treinador, tornando-se um dos eixos mais importantes do último dia da janela de transferências.
Everton and Tottenham are now signing contracts for Dele Alli deal. Here we go confirmed ???????? #EFC
Details: free transfer, €12m after 20 games and bonuses for next years.
It could reach €35/40m but of course depends on Dele/team performances.
???? More: https://t.co/75Kv13B4Bq pic.twitter.com/hq1sW3XqE9
— Fabrizio Romano (@FabrizioRomano) January 31, 2022
O Manchester City contratou Julián Álvarez, jovem avançado do River Plate, Eriksen vai voltar aos relvados através do Brentford e o Liverpool não conseguiu assegurar Fábio Carvalho, médio nascido em Portugal que tem brilhado no Fulham de Marco Silva, por meros minutos. Pelo meio, Aubameyang tornou-se o grande protagonista do dia: viajou para Barcelona, viu a opção de um empréstimo cair porque nenhum dos clubes queria pagar os oito milhões em salários, quase voltou a Londres e acabou a rescindir com o Arsenal para assinar a título definitivo com os catalães com uma significativa baixa salarial. Já Dembélé não saiu para o Tottenham, o PSG, o Arsenal, o Manchester United ou o Chelsea mas também não aceitou renovar — e vai, por isso, permanecer no Barcelona até ao fim da época, não sendo ainda líquido se integrado ou não no plantel às ordens de Xavi.
Atualmente, o italiano já não é um mero jornalista. É uma celebridade, uma individualidade com peso e reconhecimento suficientes para ter sido um dos convidados da última edição da Web Summit, em Lisboa, onde falou precisamente sobre a forma como as novas tecnologias estão a mudar o desporto. Esta personalidade de influencer do futebol, algo onde foi um verdadeiro pioneiro e onde continua a ser o único nome realmente relevante, valeu-lhe o convite para ser o responsável pela oficialização de Marcos André, o avançado brasileiro que no verão passado trocou o Valladolid pelo rival Valencia. A lógica do clube espanhol foi simples: Fabrizio Romano tem quase sete milhões de seguidores no Twitter, o Valencia não chega a ter 1,5 milhões. O italiano aceitou a proposta, gravou um pequeno vídeo e disse Here we go! — um atalho fácil para uma audiência global que usou a confiança do público em Romano e a vertente de entertainer a que este já não pode fugir.
Depois do Valencia, seguiu-se o Watford — o único clube pelo qual Romano já admitiu torcer –, onde apareceu ao lado de vários jogadores para apresentar a camisola oficial para esta temporada. Já este mês, foi o protagonista da oficialização de Ricardo Pepi nas redes sociais do Augsburgo e da confirmação da contratação de Insigne nos canais oficiais do Toronto FC. O italiano é próximo dos clubes, dos jogadores, dos empresários, dos presidentes e de todos os agentes envolvidos no mundo do futebol. Algo que o torna cada vez mais um influencer e cada vez menos um jornalista.
Na casa de Milão, onde continua a viver, Fabrizio Romano soma dezenas de camisolas, umas de nomes mais conhecidos, outras de nomes mais imprevisíveis. Por cada Puyol, há um Kleberson; por cada Casemiro, há um Troy Deeney; e até por cada De Rossi, há um Diogo Dalot. O jornalista italiano filma praticamente todos os conteúdos que partilha de forma unipessoal, numa sala onde já acumula ecrãs e microfones e os aparelhos necessários para a qualidade de imagem e áudio, e junto à televisão da sala exibe uma camisola 10 do Boca Juniors. Como bom napolitano, lembra Maradona — mas o nome a branco entre o azul e o amarelo é Romano. Fabrizio, o jornalista que saiu de Nápoles para confirmar idas e vindas de jogadores no mundo inteiro, é cada vez mais o playmaker do mercado de transferências.