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Num dia em que o INEM dominou as atenções na Assembleia da República, com cinco audições a várias entidades e responsáveis do instituto de emergência médica, para o fim ficou a audição mais aguardada: a de Sérgio Dias Loureiro, o presidente do INEM (nomeado em regime de substituição). Chega e PS não pouparam nas críticas à gestão que foi feita das greves que afetaram o instituto e do desempenho do INEM durante os dias em que foram reportadas pelo menos 11 mortes associadas a falhas no socorro. Mas Dias Janeiro tentou sempre repelir os ataques da oposição, sublinhando que foram tomadas medidas para garantir os serviços mínimos.
O presidente do INEM (que é também candidato a liderar o instituto durante mais três anos) aproveitou ainda para anunciar que parte da formação dos técnicos de emergência pré-hospitalar vai deixar de ser dada no institutos e passar para as faculdades médicas e que obteve a concordância do ministério para, daqui em diante, o INEM poder investir o excedente que gera todos os anos (e que tem sido obrigado a entregar ao Ministério da Saúde) — tema que foi aliás arma de arremesso político ao longo do dia, com acusações mútuas entre PSD e PS.
Parte da formação feita nas faculdades médicas
Uma das grandes novidades que saiu da audição desta quinta-feira foi a externalização da formação de técnicos de emergência pré-hospitalar para as faculdades médicas, uma medida defendida, de resto, por vários peritos nesta área — de modo a aumentar a diferenciação destes profissionais, que têm, neste momento, uma formação obrigatória de 910 horas, considerada insuficiente atendendo aos parâmetros internacionais. Sérgio Dias Janeiro justificou a medida com a necessidade, já sugerida na semana passada pela ministra da Saúde, de o INEM se concentrar no papel de papel de “regulador e fiscalizador”.
“A formação deixará de ser dada exclusivamente pelo instituto a partir de 2025 e será externalizada em colaboração com as escolas médicas”, adiantou Sérgio Janeiro na Comissão de Saúde da Assembleia da República, acrescentando que já foram feitos contactos com o Conselho das Escolas Médicas Portuguesas e com várias das faculdades de Medicina com esse objetivo. “Isso permitirá libertar o INEM para o papel regulador e prestador que deve exercer com mais rigor“, defendeu o responsável.
Greve e serviços mínimos
Um dos temas quentes da audição foi a questão da definição de serviços mínimos durante o dia 4 de novembro, dia em que a greve às horas extra (que já se prolongava desde o final de outubro) se somou a uma greve da Função Pública, provocando sérios constrangimentos na resposta do INEM. A maior parte das mortes que têm sido reportadas — e associadas às falhas no socorro — ocorreram precisamente nesse dia. Chega e PS acusaram Sérgio Dias Janeiro de ter falhado na convocação atempada dos trabalhadores para garantirem as respostas necessárias. Mas o presidente retorquiu, explicando que era entendimento do INEM que o acordo coletivo de trabalho em vigor garantia esses serviços mínimos. Para além disso, Dias Janeiro foram promovidas várias diligências para mitigar a greve.
“Nessa primeira semana de greve, e com vista já à seguinte, o conselho diretivo promoveu logo várias reuniões com os dirigentes, de modo a encontrar formas de mitigar a greve”, referiu Dias Janeiro, acrescentando que era convicção do INEM que o acordo coletivo de trabalho que está em vigor (e que define serviços mínimos) se aplicava a “situações de greve geral da Função Pública, mesmo não sendo aquela federação que convocou a greve”. “Em greves prévias convocadas pelo mesmo sindicato não houve impacto e os serviços mínimos foram cumpridos“, recordou Dias Janeiro.
Perante os deputados, o responsável do INEM garantiu que, no dia mais crítico (4 de novembro), foram encetadas diligência para mitigar os efeitos da greve mais de três horas (e não três minutos) antes do início do último turno do dia, que começava às 16 horas. “Durante o turno da meia noite às 8h e das 8h às 16h estavam mais de 80% [dos técnicos] presencialmente nos CODU, mas logo aí, no turno da manhã, foi quando começaram a existir atrasos significativos. De imediato, foram tomadas medidas e feitos contactos diretos com os dirigentes e com os trabalhadores no sentido de perceber de que forma poderíamos mobilizar as pessoas para fazer face à nossa eminente incapacidade em darmos a resposta que é aceitável para socorrer a população. Foi consubstanciado num email enviado por mim para os dirigentes às 12h43, bem antes do email que referiu [das 15h57, três minutos antes do início do turno] e que foi uma das muitas mensagens de insistência”, disse Sérgio Dias Janeiro, acrescentando que “foram feitos todos os esforços para que a situação fosse regularizada”.
Ainda assim, o presidente do INEM disse aos deputados que a “a substituição antecipada de trabalhadores que possam vir a estar em greve tem de ser vista com muita sensibilidade, uma vez que se trata de um direito fundamental”.
Quanto às mortes, Sérgio Dias Janeiro considerou que está por apurar o “nexo de causalidade” entre os atrasos no atendimento por parte do INEM e as 11 mortes reportadas. “Não vou desvalorizar as mortes. As instâncias competentes avaliarão o nexo de causalidade [entre o atraso no atendimento] e as mortes. Daí sairão todas as consequências que tiverem de sair”, garantiu o presidente do INEM.
Excedente para investir
O INEM tem sido obrigado a entregar todos os anos o saldo de gerência à Administração Central do Sistema de Saúde (um dos braços do Ministério), mesmo tendo solicitado a retenção das verbas para poder investir nos seus próprios recursos. Este tema foi usado como arma de arremesso entre PSD e PS, com os sociais democratas a acusarem os socialistas (que governaram nos últimos oito anos) de terem retido 170 milhões de euros do INEM, o que, dizem, levou à degradação do instituto em várias áreas. Por outro lado, o PS responde que foram feitos investimentos ao longo dos últimos anos e que a lei que obriga o INEM a entregar o excedente foi criada durante o governo de Pedro Passos Coelho.
“Os problemas não são novos e foram agravados nos últimos anos. A frota de ambulâncias obsoleta compromete a eficácia rápida do serviço e a segurança dos profissionais, ao que acresce o impacto devastador do desvio de 170 milhões de euros entre 2020 e 2023. Montante que deveria ter servido para reforçar recursos e que foi canalizado para outros fins. Isto tem rosto e nomes: a ex-ministra Marta Temido, o ex-ministro Manuel Pizarro e o ex-ministro das Finanças Fernando Medina”, disse a deputada do PSD Sandra Pereira, sublinhando que os três ex-governantes “são co-responsáveis pela situação que se vive no INEM”.
Na resposta, a deputada do PS Sofia Andrade acusou o PS de usar uma “narrativa assente em inverdades”, recusando a ideia que o PS não investiu no INEM. “Os governos do PS adotaram medidas, houve investimento. Entre 2016 e 2018, houve a renovação de 100% da frota VMER; em 2016, foi criado a carreira especial do técnico de emergência pré-hospitalar; em 2022, foi aumentada a remuneração dos técnicos de emergência pré-hospitalar”, disse a deputada, pedindo uma postura “séria” ao PSD.
Sérgio Dias Janeiro defendeu, perante os deputados, que as verbas precisam de ser investidas no INEM, nomeadamente na renovação da frota. O Governo, sugeriu, está aberto a essa possibilidade — aliás, e como o Observador avançou, o Governo vai apresentar uma proposta de alteração ao Orçamento de Estado do próximo ano para que “os saldos de gerência INEM, na parte em que resultem de receitas próprias provenientes de prémios ou contribuições” possam “transitar para o orçamento do ano seguinte, sendo consignados à realização de despesas do INEM”.
“O INEM precisa de poder utilizar os seus recursos. Essa verba deve ser aplicada e penso haver aceitação para, de agora em diante, este saldo poder transitar para o ano seguinte. Isto vai trazer também alguma flexibilização. Neste momento, corremos o risco de perder verba se um projeto não ficar concluído até final do ano, porque está cativa mas não foi executada”, disse o presidente do INEM.
O presidente do INEM sublinhou que a “frota do INEM está, no mínimo, degradada”. “A título de exemplo, estamos a autorizar trocas de motores a viaturas com 600 mil quilómetros, que deveriam ser naturalmente abatidas. A alternativa seria não termos recursos para o socorro. Estamos a aguardar ansiosamente a concretização dos concursos para a aquisição de novas viaturas. Até lá, o socorro tem de continuar”, vincou o responsável.
Mais 200 técnicos de emergência pré-hospitalar (e um concurso para enfermeiros)
Sérgio Dias Janeiro garantiu ainda que vão ser preenchidas todas as 200 vagas do concurso para a contratação de técnicos de emergência pré-hospitalar, e que se encontra na fase final de provas. “Vamos ter 200 técnicos novos para entrar. Foram flexibilizadas algumas provas e estamos a ter muito mais sucesso neste concurso do que no passado”, realçou o presidente do INEM, revelando ter tido reuniões quinzenais com a secretária de Estado da Gestão da Saúde, Cristina Vaz Tomé, sobre o INEM — reuniões onde foi identificado, ainda em agosto, a necessidade de abrir o concurso.
A contratação destes 200 novos técnicos num concurso é “algo que nunca aconteceu”, salientou também o responsável do instituto, que se manifestou confiante que será possível, no próximo ano, proceder à contratação de igual número de técnicos. O responsável revelou também que o INEM está a contratar enfermeiros, técnicos superiores e assistentes técnicos e que todos os dirigentes intermédios se encontram em regime de substituição há meses ou anos, uma situação que o conselho diretivo está a reverter.