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Livro. Miguel Oliveira, as primeiras sensações no Moto GP e a relação com o ídolo Rossi

Miguel Oliveira faz este domingo no Qatar a estreia no Moto GP, numa altura em que lança também a biografia "Next Level, 44 Curvas até ao Moto GP". O Observador faz a pré-publicação do livro.

O primeiro português a chegar à elite do motociclismo conta a sua história na primeira pessoa. O caminho que o levou até ao MotoGP foi longo e cheio de curvas, de avanços e recuos, com muito menos glamour e muito mais sofrimento do que se imagina”. É assim que surge apresentado o livro “Next Level, 44 Curvas até ao MotoGP”, escrito por Miguel Oliveira em conjunto com a jornalista Edite Dias e publicado pela Casa das Letras, em vésperas de estreia do piloto português na categoria rainha do Moto GP no Qatar, depois de ser vice-campeão em Moto 3 e Moto 2.

Ao longo de 44 capítulos (o número que usou sempre até este ano, em que passou para o 88 por ter o 44 “ocupado”), estão contadas “histórias de amor, desilusão, persistência, sem esquecer as noites mal dormidas, as contas feitas e refeitas, os milhares de quilómetros em carrinhas novas, outras velhas, muitas vezes emprestadas, que levaram Miguel Oliveira até ao seu sonho”. A isso juntam “momentos de alegria, profunda emoção e gargalhadas honestas”. “Miguel Oliveira demorou 15 anos a chegar ao MotoGP, o palco de sonho de qualquer piloto, dos mais afortunados aos mais talentosos”, acrescenta-se.

Numa pré-publicação exclusiva, o Observador revela o capítulo 40, “O dobro dos sonhos”, onde são relatadas as primeiras sensações do piloto de Almada no MotoGP, bem como um excerto do capítulo 42, “Adeus, ídolos”, onde é destacada a importância do piloto italiano Valentino Rossi, grande referência de Miguel Oliveira, que vai agora ser adversário do português na categoria rainha, bem como os elogios feitos por “Il Dottore” e pelo pentacampeão Marc Márquez a um dos rookies de 2019.

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O dobro dos sonhos

As primeiras sensações no MotoGP

Caiu o pano sobre o Mundial, mas o circo continuou montado em Valência depois do último grande prémio da temporada de 2018. Sem arredar pé, chuva e adeptos espanhóis marcaram presença no primeiro dia de testes, que assinalou a estreia de uma nova vida para Miguel Oliveira. «É como voltar à escola.»

Dois dias depois do triunfo na derradeira corrida do ano, o português apresentou-se em pista numa moto toda preta, pois os patrocinadores ainda não tinham o seu lugar na KTM RC16, da equipa Red Bull KTM Tech 3, e com um enorme 88 rasgado a branco. «No MotoGP, tudo é a dobrar. Tive de deixar o 44, porque jé existe um piloto com este número, o Pol Espargaró, e pensei no dobro. ‘Porque não?!’ Podia ter optado por outros números. É um número par, continua a repetir-se a ele mesmo, como o 44.»

Encontrado o número, a chuva não ajudou a encontrar o ritmo num mundo completamente novo, onde terá como companheiro de equipa o malaio Hafizh Syahrin, que exibe o número 55.

O céu negro sobre o Circuito Ricardo Tormo e a pista molhada não ajudaram à experiência, limitando as hipóteses de acumular quilómetros. Miguel Oliveira aparece em último na folha de tempos (1,35,118), liderada pelo espanhol Maverick Viñales (1,31,416). O companheiro de equipa não faz muito melhor e é penúltimo (1,34,233). Nas bancadas, os espanhóis deliram com o campeão Marc Márquez, que aproveita a folga dada pela chuva para tirar selfies e dar autógrafos aos fãs.

Já Miguel focava-se nos detalhes muito diferentes daquilo a que estava habituado. A moto de MotoGP tem várias coisas novas para se acostumar, como a eletrónica, a resposta do motor ao acelerador, os travões… Parar toda aquela grande massa de peso nervoso voltava a ser como no primeiro dia, foi como se voltasse à escola. Muitas coisas a aprender, uma equipa incrível que o acolheu muito bem desde o primeiro momento em que ele entrou na box e disse: «Bonjour à tous!» Voltava a ser tudo novo para o piloto, mas também para a equipa era tudo diferente. Todos precisavam de tempo para conhecer a nova KTM.

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«A travagem foi o mais difícil no primeiro momento. O travão é muito potente e, na verdade, requer menos força de mãos para aplicar a pressão no travão dianteiro. Em Moto2 controla-se pela força que fazemos no travão dianteiro, mas não é tão sensível como este. No MotoGP, a moto não desliza tanto nas zonas de travagem, ou temos de fazer uma travagem muito forte para a fazer deslizar, o que torna difícil confiar na frente, porque a moto não está a deslizar. Também pelo facto de ser tão sensível e a travagem ser muito mais longa em tempo e distância, temos de ser muito precisos e travar num bom sítio.»

Entre diversas saídas para a pista, que se completavam com séries de voltas, foram recolhidos dados para ser analisados ao mesmo tempo que mecânicos e engenheiros se familiarizavam com a KTM RC16. Ainda que as condições da pista não fossem a ideais, no segundo dia, Miguel cumpriu 61 voltas aos comandos do seu novo desafio, a sua moto de MotoGP.

Menos de uma semana depois, o piloto viajou até ao circuito de Jerez de la Frontera, no Sul de Espanha, para mais dois dias de nova sessão de testes. Desta vez, como faz habitualmente para este destino, de carro. E chegou otimista.

«Os testes de Valência foram feitos com base nas afinações técnicas do Pol Espargaró, e nós somos pilotos diferentes, pelo que estamos a adaptar a moto ao meu estilo. Penso que estamos no bom caminho. Sempre soube que ia ser difícil, mas aos poucos ficaremos mais confortáveis.»

Foi com otimismo que encarou o final do primeiro dia de testes em Jerez, concluído na sua KTM com o registo de 1,41,699 minutos, naquela que foi a sua melhor volta, e revelou ter sentido progressos. Miguel Oliveira saiu nesse dia para a pista apenas à hora de almoço, devido às baixas temperaturas registadas na pista, e fez 61 voltas. No final do dia, mostrou-se satisfeito com os resultados alcançados. «Rodámos em Jerez pela primeira vez e fizemos alguns progressos ao longo do dia. Não demos um salto grande na evolução da mota, mas pequenos passos. Estamos a conseguir compreender a mota cada vez mais. Encontrámos algumas lacunas, mesmo no que se refere ao estilo de pilotagem.»

Estas foram a suas últimas declarações naquele que foi também o último dia de testes na sua moto de MotoGP em 2018. Já no conforto de casa, na margem sul do Tejo, e concluídos mais três dias de treino, Miguel relaxa e pensa no que vai acontecer na Malásia, em fevereiro, derradeiro teste após as primeiras impressões. «Esta foi uma experiência mais real. Quando testei a moto, em 2017, foi apenas como um presente, nada como um exame mais sério. Agora experimentei com mais calma todas as sensações de conduzir uma moto de MotoGP. Os primeiros testes, em Valência, foram dois dias muito estranhos para mim. Caras novas na box, sensações novas. Tudo novo. Foi como voltar à escola para aprender como se anda de moto.»

Rodámos em Jerez pela primeira vez e fizemos alguns progressos ao longo do dia. Não demos um salto grande na evolução da mota, mas pequenos passos. Estamos a conseguir compreender a mota cada vez mais. Encontrámos algumas lacunas, mesmo no que se refere ao estilo de pilotagem

«Passei dois anos com uma moto com umas certas dimensões, e agora passo para uma moto que não tem nada a ver. E quando digo que não tem nada a ver, refiro-me a tudo! Quer a nível da potência, da aceleração, da potência de travagem, eletrónica… Existem muitos fatores que tenho de controlar, como a minha condução e as trajetórias, que são diferentes. Existe aqui uma readaptação, até visual, porque as coisas passam-se a uma velocidade muito maior. Tenho de aprender a guiar uma moto de MotoGP, porque o estilo de condução é muito diferente. Em Jerez, a equipa já conseguiu encaixar melhor também no meu estilo de condução. Apesar de ser um estreante, há coisas que sinto na moto e dou o meu feedback. A equipa também já se conhece há mais tempo, entende melhor como trabalho e como gosto de conduzir a moto. Apesar de ser uma moto muito diferente, continua a ter duas rodas e acelera e trava como as outras.»

Nada disto, porém, assusta o menino que há 15 anos fez a sua primeira corrida. «Estar no MotoGP por si só já é difícil, fazer bons resultados ainda mais, mas a equipa entende que, neste momento, o mais importante é construir uma boa moto, e não estar a pensar nos resultados. Os resultados virão por si só, fruto do bom trabalho que fizermos ao longo da época.»

Se o caminho até aqui foi longo, o sucesso pode estar ao virar de umas quantas curvas, e Miguel Oliveira não tem medo das palavras, com o sonho no alto, mas os pés no chão. «Claro que ser campeão do mundo está nos meus planos. Mas é preciso entender quais as circunstâncias e se vou ter alguma limitação técnica a nível da moto, pois neste momento é uma moto para estar entre décimo e décimo quinto. Esta é a realidade dos últimos dois anos. Espero dar um salto qualitativo. Campeão? Daqui a quantos anos? O mais cedo possível, mas a prioridade é entender quais são as limitações e os pontos fracos a nível da moto, que objetivo será concretizável e qual a posição na grelha que nos satisfaz. Temos outras motas na grelha que nos servem de termo de comparação. O meu foco é adaptar-me o mais rápido possível à categoria e aprender grande prémio após grande prémio. Sinto-me preparado para enfrentar este desafio, tenho muita vontade de trabalhar.»

Passaram-se 15 anos a preparar este sonho tão desafiante como deslizar com o joelho pelo asfalto a alta velocidade.

Carlos Barbosa lembra-se bem desses tempos. «Conheci o Miguel há quinze anos através do Domingos Piedade. Telefonou-me a dizer que havia um piloto excecional, que tinha de ir ver e que era preciso arranjar umas verbas para ele.»

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O presidente do Automóvel Clube de Portugal não demorou a perceber que o seu investimento e o seu tempo estavam bem empregues. «A primeira vez que o vi competir foi na Red Bull Rookies Cup, em 2008. Vi que tinha feito uma aposta boa, era um miúdo fantástico em cima da moto. Teve alguns azares com a primeira equipa, mas enveredou pelo caminho certo.»

Carlos Barbosa acompanha à distância as corridas de Miguel, mas já prometeu ao filho, que é fã do piloto português, que em 2019 irá vê-lo numa corrida. «Não acredito que ganhe uma corrida na próxima temporada. Tem de rodar, rodar e rodar. A moto tem ainda de ser muito desenvolvida, tendo em conta os concorrentes que andam à frente. Mas acredito que vai conseguir. O Miguel é muito concentrado, trabalha muito a sua preparação. É um atleta de alta competição, e isso vê-se na sua concentração antes das provas. Uma hora antes, não consigo falar com ele. Mas falamos com regularidade depois das corridas.»

Um hábito que vem de longe e que não tenciona perder. Afinal, há muito que é um dos mais firmes apoios de Miguel. «Acreditei sempre, devido à maneira como ele e o pai desenvolveram o projeto, de forma calma, serena e sem grandes holofotes. Outros com talento já tinham tentado, mas, desta vez, foi tudo feito com cabeça, nunca houve excitamentos. O pai dele, contra tudo e contra todos, negociou apoios, discutiu com engenheiros e deu sossego ao Miguel, que só tinha de conduzir. Tudo o resto o pai tratava. E bem! Adoraria que ele ganhasse uma corrida em 2019, mas não vale a pena pedirem-lhe isso ou criar essa expectativa, porque mesmo que seja fabuloso, não tem as mesmas armas para já. Mas tem outras muito importantes. Tem um coração enorme, a simplicidade e a humildade. Representa o que devem ser os campeões.»

Adeus, ídolos

Os novos adversários e o respeito pelo rookie português

O paddock é um ambiente caloroso e sedutor para os fãs, mas pode ser bem mais frio para quem lá habita. Há estrelas, vedetas e pilotos que apenas querem fazer o que mais gostam: competir. Miguel pode ser uma estrela, mas não é vedeta, e a atitude profissional faz com que não passe despercebido. Morais Sarmento, o médico de Miguel, que pertence à comissão médica da FIM, conhece todos os cantos e recantos do Mundial, sabe o nome de toda a gente e há anos que lida com as grandes estrelas do campeonato.

«Não há ninguém, sejam managers, mecânicos… não há quem não adore o Miguel. Não há quem tenha uma pedra no sapato com ele. O Miguel é visto com um miúdo extraordinário, fora de série. Há pilotos que alugam Ferraris na véspera para entrarem no paddock e se mostrarem. O Miguel não é assim. Como piloto, já provou que é dos cinco melhores pilotos em todas as categorias por onde passou, e se calhar até arriscaria dizer do Top 3. E quando se está no Top 3, numa ascensão proporcional, ele deveria estar no Top 3 do MotoGP. Claro que aqui começam a diversificar-se os interesses. Não há uma marca portuguesa, não há motos, não há um grande prémio, muitos espectadores… Estes fatores começam a pressionar a sua carreira. Não espero que ele faça o impossível. O Miguel tem de fazer o possível.»

Em Valência, no final do Mundial, Valentino Rossi, Marc Márquez e Jorge Lorenzo sentaram-se à mesma mesa já com os olhos postos na época de 2019 e em Miguel Oliveira, e não pouparam elogios ao português. Não sé pelos resultados alcançados, mas também porque a sua chegada ao MotoGP não deixa nenhum rival descansado. Nem Rossi, o mais velho do pelotão. «Todos seguimos o Miguel há muito tempo, e este ano em particular. É muito forte, é rápido e pode ser um grande piloto de MotoGP, porque pode ganhar e ao mesmo tempo nunca comete erros. Este ano não cometeu qualquer erro e não teve nenhuma corrida a zero. Vai ser interessante tê-lo a ele e ao Bagnaia no MotoGP, vão ter boas motos e podem ser fortes.»

Aliás, Rossi foi seguramente dos pilotos que mais de perto seguiu a carreira de Miguel na despedida de Moto2. Afinal, foi a maior dor de cabeça para a sua equipa nessa categoria (Team VR46). Este ano, passará a cruzar-se com ele também em corrida.

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O italiano vai apresentar-se no pelotão com 40 anos e foi desde sempre uma referência para Miguel, apreciador do estilo de condução de Rossi. Mas o maior piloto da história do MotoGP também aprecia o português, que até já foi convidado a entrar num dos refúgios secretos da estrela da Yamaha: o seu rancho em Itália. «Já lá estive algumas vezes. É sempre simpático e atencioso. Tem-se mantido no topo ao longo de muitos anos. Com todos os títulos e vitórias que tem, é impressionante como há algo especial nele que o faz querer ir mais além. É um motivo de orgulho, claro, mas para mim não é um objetivo de vida que esse piloto ou outras pessoas falem de mim. Sei do meu valor e reconheço que tenho capacidades. Ver esse valor reconhecido por esses pilotos que já lá estão é, obviamente, gratificante, mas não chega para estar no nível deles.»

Para o piloto da Charneca de Caparica, longe ficaram os tempos em que «Il Dottore» não tinha rivais à altura na sua consideração. «Imaginava muitas vezes que ia correr com ele. Mais recentemente, quando se especulava sobre o m da sua carreira, cava sempre um bocado triste. Até porque ainda é incerto saber o que acontecerá ao campeonato se ele sair. É estranho, mas eu queria apanhar ainda a era do Rossi. E vou ter essa sorte. Mas já não tenho ídolos. O meu ídolo sou eu daqui a cinco anos [sorri]. Esta passagem para o MotoGP nesse aspeto é ténue, porque já lido com alguns destes pilotos há algum tempo, já convivo com alguns no paddock depois de todos estes anos que levo de Mundial. Claro que tenho alguma admiração por uns, por outros nem tanto, mas é normal. Na pista somos todos rivais e queremos todos o mesmo.»

Quem também está habituado a ouvir falar do piloto português é Marc Márquez, tricampeão mundial de MotoGP, até porque o seu irmão é um dos habituais rivais de Miguel. «Acredito que vai chegar bem a esta categoria. Conheço o Miguel há muitos anos, porque ele cresceu no campeonato espanhol e sigo-o desde esses tempos. A sua evolução foi muito boa. Foi sempre um piloto muito trabalhador, e quando se trabalha bem para os objetivos, isso é meio caminho andado para ter sucesso.»

Longe ficaram os tempos em que «Il Dottore» não tinha rivais à altura na sua consideração. «Imaginava muitas vezes que ia correr com ele. Mais recentemente, quando se especulava sobre o m da sua carreira, cava sempre um bocado triste. Até porque ainda é incerto saber o que acontecerá ao campeonato se ele sair. É estranho, mas eu queria apanhar ainda a era do Rossi. E vou ter essa sorte. Mas já não tenho ídolos. O meu ídolo sou eu daqui a cinco anos [sorri]

Aliás, em Espanha quase todos conhecem Miguel Ángel, como muitos lhe chamam. Afinal, foi lá que o menino de Almada construiu a sua carreira, e Jorge Lorenzo sabe exa-tamente de quem fala. «Todos seguimos o Miguel há muito tempo. É um dos maiores talentos da sua idade. Competiu com o Maverick Viñales no CEV, e agora está a mostrar todo o seu talento com boas performances. É muito interessante ver um português no MotoGP. É o primeiro da história e é ótimo vê-lo evoluir. Desejo-lhe toda a sorte.»

Os elogios chegam dos nomes mais sonantes da elite do MotoGP, os novos adversários de Miguel, que aponta sem dificuldades os perigos iminentes. «É claro, as minhas performances dependerão também da minha localização na grelha, pois essa definição ditará parte da minha resposta em corrida. Para mim, quem irá a lutar por vitórias e títulos serão os do costume, Márquez, Rossi, as Ducati… Vamos esperar para ver como surgem neste novo ano.»

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